sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Frankie e os Monstros que tinham medo de humanos (E quem pode culpá-los?)

Eddie Van Feu


Chega às telonas nessa próxima quinta-feira, dia 23, a animação Frankie e os Monstros, com direção de Steve Hudson, que assina o roteiro junto com Guy Bass. A trama é divertida e ideal para quem curte o clima de Halloween do mês de outubro.



Frankie é uma criação de um cientista louco, no filme chamado de professor não sei por quê, que cuida do castelo, das novas criações que estão sempre chegando e até da segurança do cientista. Numa alegoria de pais que se empolgam tanto com suas conquistas que estão sempre em busca de novas, o “Professor Maluco”, como é chamado, apesar de não ensinar nada a ninguém, vive numa histeria criativa, pulando de uma criação a outra, sem nem mesmo aproveitar ou admirar o que acabou de criar.


Os monstros, feitos de partes humanas e de animais, sobram para Frankie, seu primeiro “filho”, que cuida deles como quem cuida de crianças, incutindo neles o medo das pessoas da cidade, que podem invadir o castelo e tacar fogo em tudo se souberem de sua existência.

O povo da cidade vive no tédio e no medo do que pode ter naquele castelo sinistro, o Grotescal, até que chega um Circo de Horrores que não horroriza ninguém. À beira da falência, o dono do circo vai até o castelo e convence o jovem a ir com ele. Frankie não se sente amado, sendo invisível ao seu criador que só se ocupa com o que ainda não existe, num tipo de ansiedade psicótica. E aí ele vai!


Criação, que lembra um pouco o amigo imaginário do primeiro Divertidamente, vai ao seu resgate, acreditando que ele foi sequestrado. No meio disso tudo temos a divertida Anabela, uma menininha fofa que não tem medo de monstros e parece ser a única pessoa racional na cidade.

Tudo parece ir bem, até que a ganância se apresenta e aí... Aí é ir ver o filme, né?
Vi com o Douglas, meu filho de 6 anos, e ele adorou. As músicas são divertidas, os personagens são cativantes e o humor é sutil, mas funciona bem. 


O tema central gira em torno da percepção e o do real. Humanos temem monstros que temem humanos. Frankie se sente ignorado ao não receber afeto do pai, mas ignora o afeto que recebe dos irmãos monstros. Não tem fôlego para um clássico, mas é uma boa diversão e uma história sensível e moderna, apesar de se passar em sei lá quando. Douglas gostou e eu também!


sexta-feira, 24 de maio de 2024

FURIOSA

Por Ricky Nobre

Furiosa não é Estrada da Fúria. Assim como este não era Thunderdome, que não era Road Warrior, que não era Mad Max. Em todas as vezes em que George Miller visitou esse mundo de barbárie e loucura onde toda a estrutura social e econômica colapsou, ele sempre o fez em abordagens muito distintas. Desta forma, Miller não tentou repetir a orgia de insanidade visceral de seu filme anterior. E a principal diferença entre Furiosa e o filme ao qual ele é diretamente ligado está na forma como Miller diferencia os dois protagonistas, e esta diferença está em como Furiosa percebe, lida e sobrevive na loucura daquele mundo de uma forma totalmente diferente de Max.

 

Max não nasceu no caos, ele viu o mundo colapsar e consegue sobreviver nos escombros às custas de sua sanidade. O Louco Max. Já Furiosa nasceu nesse novo mundo, mas em uma terra de abundância e de estrutura matriarcal, porém, ciente de todos os perigos à volta. Quando é arrancada de lá, ela demonstra a dureza de quem era filha de uma guerreira. Para sobreviver em um mundo no qual ela é prisioneira, ela cria formas de se tornar, ao mesmo tempo, útil e invisível. E, como é tema comum na franquia, com um ardente desejo de vingança. Essa forma tão focada e pragmática de Furiosa de ver e lidar com esse mundo dá o tom da narrativa de Miller neste filme que diverge da loucura incessante do antecessor, e que agora se detém em um maior detalhamento de como funciona o delicado equilíbrio de poder entre as três grandes fortalezas, esmiuçando “comos” e “porquês” que antes não lhe interessavam. Se Estrada Fúria é uma grande alegoria do poder capitalista e do feminismo como força motriz para derrubá-lo, Furiosa se desenrola de uma forma bem mais individual, mas que, ao mesmo tempo, estabelece nesta origem da personagem de onde veio essa força que foi tão determinante no filme anterior.

 

Se Estrada da Fúria nos alimentava com fragmentos de informação, nos deixando com a tarefa de montar o quebra-cabeças daquela realidade para, desta forma, evidenciar a insanidade de tudo e nos pondo em sintonia com a mente de Max, neste existe espaço para uma visão mais racional daquele mundo insano, dando-lhe mais sentido e sintonizando com a mente de Furiosa que, se tem um constante fogo no olhar, possui também a frieza da paciência de quem observa, planeja, espera e, acima de tudo, sobrevive. Destacando esse papel da protagonista de observadora silenciosa, sempre atenta e planejando em segredo, Miller mantém os enormes e maravilhosos olhos de Anya Taylor-Joy intensamente iluminados, como dois faróis brilhando na escuridão do caos. Esse tom mais contido dita todo o tom do filme, inclusive nas perseguições, lutas e tiroteios que, ainda que se mantenham dentro da excelência do que Miller sempre fez na franquia, evidenciam planos e estratégias. Furiosa é precisa em tudo que faz, sua fúria fica contida, transparecendo apenas no olhar e na determinação de se vingar e voltar para casa. É bem interessante a forma como ela fica um tanto desconcertada ao encontrar afeto e alguém em quem ela pode confiar na figura do Pretorian Jack que, embora não conheça sua história, confia nela também.

 

É bastante simbólico que quando ela deixa seu braço para trás, ela deixa também uma esperança tatuada nele. A prioridade é a sobrevivência e a sede de vingança se intensifica. Por isso, é especialmente curioso como o embate final com cruel bufão Dementus dá lugar à palavra, numa sequência para a qual parecem terem sido reservadas metade das meras 30 falas da atriz, num tom surpreendentemente teatral, com reflexões sobre o sentido da vingança, onde Miller não tem qualquer pudor em parecer melodramático. O desfecho, que mistura luz e trevas de maneira assombrosa, evidencia o quanto a menina que veio de um paraíso natural se tornou uma autêntica criatura daquele mundo de areia, gasolina e metal, enquanto conseguiu, de seu modo furioso, resgatar seu lar através de uma pequena esperança em forma de semente. Miller ainda faz questão de unir o final de Furiosa com o início de Estrada da Fúria, dando a sensação de fechamento de ciclo.

 COTAÇÃO:


 

FURIOSA (Austrália / EUA – 2024)

Com: Anya Taylor-Joy, Tom Burke, Alyla Browne, George Shevtsov, Lachy Hulme, John Howard e Charlee Fraser

Direção: George Miller

Roteiro: George Miller e Nick Lathouris

Fotografia: Simon Duggan

Montagem: Eliot Knapman e Margaret Sixel

Música: Tom Holkenborg

Design de produção: Colin Gibson

domingo, 10 de março de 2024

Os filmes do Oscar: OPPENHEIMER – 13 indicações

  Por Ricky Nobre

Christopher Nolan nunca foi conhecido pela sutileza em suas criações como cineasta. Porém, sempre nutriu certa fascinação por protagonistas problemáticos, com ética duvidosa ou, pelo menos, conflitante, como podemos ver em Amnésia, Insônia ou mesmo Batman. O Oppenheimer de Nolan é seu estudo mais aprofundado desse tipo de personagem. Com seu estilo grandiloquente e bombástico, Nolan até ensaia alguma sugestão, em meio a seus tão característicos diálogos expositivos intermináveis. Mas o que mais impressiona aqui é como ele parece ter refinado todas suas características, alvos tanto de louvores quanto de escárnios, em sua forma mais bem lapidada. Se Nolan é obsessivo com método, ordem e complexificação, aqui ele atinge seu nirvana.

 

Por mais que o filme trate sobre o Projeto Manhattan, ele não é sobre a bomba nem sobre seus efeitos no mundo, na guerra e na política, mas sobre seu criador e como tudo isso é visto através dele. No tradicional estilo do diretor que segue linhas de tempo distintas, acompanhamos o início da carreira acadêmica de Oppenheimer e o desenvolvimento da bomba. Paralelamente, Oppenheimer responde em intermináveis sessões de um comité sobre suas acusações de “atividades antiamericanas”, e em ainda outra linha futura, o secretário Strauss enfrenta no Senado uma audiência que, de alguma forma, se relaciona com as demais linhas de tempo. O que é inegável é que nada impedia do filme ter sido concebido e montado em ordem cronológica, mas o que Nolan consegue com sua obsessão em complexificar coisas simples é um fascinante exercício de estilo que toma uma história que poderia ser contada de forma totalmente direta e dá a ela uma forma rebuscada, quase um enigma, que se relaciona com a complexidade do tema, que são os dilemas morais do protagonista e dos cientistas que colaboraram com ele e, mais ainda, com o enigma que era a mente de Oppenheimer.

 

Oppenheimer é mostrado como uma figura atormentada pelo seu legado, mas que, durante sua trajetória, parecia sempre escolher o desafio científico em detrimento de questões humanitárias. O consenso na urgência em desenvolver a bomba atômica antes dos nazistas vai se dissipando entre os cientistas após a rendição da Alemanha, mas Oppenheimer vê motivos para continuar, imaginando que a própria existência da bomba tornaria o mundo mais seguro. Sua consciência, porém, permanece bombardeada pela culpa, mas ele nunca decide por uma ação contrária, desafiadora, e vários personagens apontam que não conseguem entender no que, de fato, ele acredita. Por vezes, parece uma paralisia, outras, apenas covardia. Por fim, temos a sensação de que era um homem que não sabia lidar com o fato de que ele sempre escolhia exploração científica, o desafio, que não sabia arcar com a culpa de suas escolhas egoístas.

 

Nolan ilustra essa mente atormentada de diversas formas, desde apenas a expressão torturada de Cillian Murphy (num trabalho excepcional) pela morte da amante pela qual ele se culpa, ou assistindo a um documentário sobre as mortes no Japão graças à radiação dos bombardeios, até uma sequência surpreendente para o cinema tão “realista” do diretor, onde uma tensa cena de interrogatório é iluminada como se estivesse prestes a entrar em fissão nuclear. Aliás, é nesse espaço confinado do comité que o investiga que temos as cenas mais “simbólicas” do cinema de Nolan, como quando Oppenheimer se sente tão exposto pelas perguntas sobre sua amante que ele se sente nu ali, com ela ao seu colo. 

 

Além disso, belas imagens abstratas representam os processos e fenômenos atômicos narrados pelos cientistas, numa ilustração mais lúdica do que realista, e podemos perceber, então, uma identidade visual que não só tira (pelo menos um pouco) o cinema de Nolan de sua obsessão pelo realismo, mas de fato se utiliza de processos fotográficos analógicos para criar esses dois mundos: o exterior e o dentro da mente de Oppenheimer. Nesse sentido, é verdadeiramente impressionante o quanto a aposta de Nolan nos grandes formatos analógicos, no caso o 70mm e IMAX 70, são capazes de verdadeiramente nos sugar para dentro desse mundo, junto com um sound design extraordinário. Toda a sequência do teste de Trinity é o perfeito exemplo disso.

 

Nolan continua em Oppenheimer com seu cinema que é grande, rebuscado além da conta, barulhento e meio opressivo, mas que aqui está em total harmonia com o tamanho do evento histórico, do dilema ético e do personagem, e é uma celebração de um tipo de cinema que cresce ao ser visto nas grandes salas. Nolan orquestra essa sinfonia gigante, que pega algo simples como um átomo e transforma em uma explosão monumental.

COTAÇÃO:



INDICAÇÕES AO OSCAR:

Melhor filme

Direção: Christopher Nolan        

Ator: Cillian Murphy

Ator coadjuvante: Robert Downey Jr.

Atriz coadjuvante: Emily Blunt

Roteiro adaptado: Christopher Nolan, baseado no livro de Kai Bird e Martin J. Sherwin

Música original: Ludwig Göransson

Fotografia: Hoyte van Hoytema

Montagem: Jennifer Lame

Design de produção: Ruth De Jong e Claire Kaufman

Som: Willie Burton, Richard King, Kevin O’Connell e Gary A. Rizzo

Maquiagem: Luisa Abel

Figurinos: Ellen Mirojnick

 

OPPENHEIMER (EUA, 2023)

Com: Cillian Murphy, Robert Downey Jr., Emily Blunt, Florence Pugh, Matt Damon, Kenneth Branagh, Tom Conti, Tom Jenkins, Matthew Modine, Benny Safdie, Casey Affleck e Rami Malek