por Ricky Nobre
Os diretores cometem um erro na concepção visual de Elis & Tom que reflete o principal problema estrutural do filme. Sendo formado basicamente de imagens recém recuperadas em 16mm e algum material histórico em vídeo SD, o filme carrega a proporção de tela scope (2,35:1), o que exigiu que todo o material originalmente em 1,33:1 fosse reenquadrado, o que levou tanto a imagem a ter sua baixa resolução esgarçada para além do limite, quanto também gerou reenquadramentos incrívelmente feios, chegando até mesmo a ter rostos cortados pela metade em alguns takes. E da mesma forma que os diretores não souberam lidar com o material visualmente, eles também não souberam o que fazer com ele para desenvolver o que, aparentemente, era seu principal conceito: como um processo de gravação caótico e repleto de conflitos gerou uma obra prima.
Após uma longa introdução sobre os dois artistas (que soa mais como um MPB for dummies), o filme parte para o início do projeto e os conflitos iniciais, parcialmente ilustrados pelas filmagens recuperadas, onde é possível ver uma Elis incrivelmente tensa. Rapidamente o filme vira para uma fase onde os conflitos parecem ter sido superados do nada, e todo o processo passa a ser só harmonia. O arranjador do álbum Cesar Camargo Mariano, principal alvo de Tom durante a produção, tem muito pouco a dizer no filme, apesar de, numa produção recente para a TV sobre o mesmo álbum, ter concedido uma longa entrevista onde ele detalha todo o processo e todos os problemas, particularmente o quanto Jobim era capaz de ser insuportável no estúdio.
É possível que as filmagens dos ensaios e gravações não dessem conta de ilustrar todos os problemas dos bastidores, mas, em vez de lançar mão de depoimentos que representassem esses conflitos, o filme aposta em entrevistas que têm muito pouco a dizer, tendo nos depoimentos de João Marcelo Bôscoli uma espécie de fundo do poço. Mas sem dúvida o mais ofensivo no filme é a forma como alguns depoimentos supõem de forma irresponsável questões sobre a vida e principalmente, a morte de Elis, tendo um longo take do rosto da cantora em seu caixão como o símbolo máximo dessa insensibilidade.
O que sobrevive em meio a tudo isso é a arte em si. As performances, a voz e a afinação sublime de Elis durante os ensaios mais simples. Uma performance impecável de Jobim ao violão durante ensaios em sua casa. A emoção de Elis ao fim de um take de gravação. O álbum é, de fato, uma obra prima, e quando ele protagoniza o filme, tudo se ilumina.
COTAÇÃO:
ELIS E TOM: SÓ TINHA QUE SER COM VOCÊ (Brasil - 2023)
Direção: Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay
Roteiro: Nelson Motta e Roberto de Oliveira
Direção de fotografia: Fernando Duarte e João Wainer
Montagem: João Wainer