por Ricky Nobre
Antes de mais nada, atentem que não foi um erro o título que usei. Nosso distribuidor brasileiro, totalmente ignorante da trama da saga, concluiu que "Jedi" era uma pessoa, traduzindo como "retorno DE jedi". Mas nós, que não somos idiotas, sabemos do que se trata. Logo, é O Retorno DO Jedi, ok? Isto posto, vamos lá
Este que até agorinha mesmo era o último episódio da saga, carregava o peso de ser a conclusão de uma trilogia cujas primeiras duas partes haviam sido extremamente bem sucedidas e aclamadas. Porém, com os prequels e a declarada intenção de Lucas em fazer a saga funcionar do I ao VI, ganhou também a responsabilidade de funcionar como o fim da saga. Mas se a saga continua, agora que o antigo plano de Lucas de produzir os episódios VII ao IX tornou -se realidade nas mãos da Disney, a responsabilidade desta última parte não diminui. Isso porque as duas trilogias unidas dão uma dimensão nova e surpreendente para a história. Luke Skywalker continua sendo o grande herói da trilogia clássica. Mas os seis filmes unidos, porém, alteram totalmente a perspectiva, tornando esta a saga de ascensão, triunfo, tragédia, queda e redenção de Anakin Skywalker.
As conclusões da jornada trágica de Anakin e a heroica de Luke resumem o que há de épico e memorável em O Retorno do Jedi (1983). Tudo começa muito bem e somos apresentados à corte do mafioso Jabba The Hutt para o resgate de Han Solo, evocando a diversidade e o caos controlado da cantina de Mos Eisley. Porém, após um começo empolgante, inicia-se um distúrbio na força do filme cujo motivo não parece claro de inicio, mas ao longo do episódio se revela: o roteiro carrega sérios problemas.
A ideia de uma nova Estrela da Morte não é de todo absurda, mas dá uma sensação de deja vu que pode incomodar mais a uns do que outros. Porém, a característica principal que talvez possa ser identificada como a raiz de tudo o que há de realmente errado no filme seja uma lógica infantil que desdenha e fragiliza o drama. E drama era exatamente o que o episódio VI mais precisava.
É importante não confundir a crítica pela inconsistência do tom dramático do filme com as opiniões que sugerem que ele desvirtuou-se do tom ostensivamente sombrio de seu antecessor. Este episódio não deveria, de forma alguma, ser sombrio, mas sim altamente emocional. E embora não se possa fazer qualquer crítica ao embate entre Luke e Vader, sob as vistas malignas do Imperador, o teor dramático e emocional do acerto final de contas entre pai e filho é sistematicamente entrecortado por um filme infantil sobre uma tribo de ursinhos que o espectador não lembra de ter pagado ingresso pra ver. Sim, eles. Os Ewoks.
Os Ewoks podem, em primeira análise, parecer não serem necessariamente um problema. Eles carregam uma simbologia positiva ao serem os grandes aliados de Han, Leia, Chewbacca, C3PO e R2D2 na batalha contra as tropas imperiais na tentativa de desativar o campo de força que mantém a Estrela da morte protegida de ataques. Mesmo pequenos e com recursos extremamente primitivos, eles são capazes de fazer a diferença. Legal. Mas não funciona.
O fato é que nem a já anedótica incompetência dos stormtroopers dá conta de tamanha vulnerabilidade de soldados de armadura e armas laser diante de seres diminutos munidos de paus e pedras. A situação, infelizmente, beira o pastelão. Não haveria outro destino plausível para os pequenos nativos a não ser serem massacrados pelas tropas imperiais numa batalha absolutamente desequilibrada. Em determinado momento, dois ewoks junto a Chewbacca sequestram, de forma bastante convincente, um andador AT. Que a batalha tivesse sido ganha por Chewbacca pilotando um andador seria algo perfeitamente convincente. Mas não é esse o caso, nem a questão. Essas situações pueris, numa batalha cômica e sem sensação de perigo, intercalam-se com o dilema de Luke, determinado em resgatar a bondade enterrada no fundo da alma de Vader, enquanto o Imperador explora o medo e o ódio do jovem, tentando trazê-lo para o lado negro. O resultado é desastroso. A cada vai e vem entre o embate de Luke e a frota rebelde tensa em estado de alerta, tem uma gracinha de ewoks derrotando de forma estúpida tropas imperiais. Parece alguém trocando de canais entre dois filmes totalmente diferentes.
Isso, que fique bem claro, não é algo restrito às cenas dos Ewoks. É uma mentalidade que permeia diversas outras cenas. Em um momento mais trivial, Han arremessa um capacete em um oficial imperial que cai de uma murada com um grito de personagem de cartum. Em outro muito mais grave, o caçador de recompensas favorito dos fãs, Bobba Fett, tem uma morte inglória e vergonhosa numa cena pastelão. Há toda uma consistente mentalidade infantilizada no episódio VI, que não se limitou ao momento de sua produção, e estendeu-se até 1997 quando de sua special edition, onde Lucas achou uma boa ideia um novo grande número musical com personagens bem digitais para ter certeza de que contrastariam bastante com os animatronics e fantoches originais. Para cada momento inesquecível como Leia estrangulando Jabba com as próprias mãos, temos dez ewoks derrotando stormtroopers a pedradas.
Inócua, ou quase, foi a decisão de manter Lawrence Kasdan como roteirista. Com participação muito mais intensiva de Lucas no roteiro e na produção, sobrou a Kasdan, podemos supor, alguma tirada humorística mais inteligente e, quem sabe, alguns momentos mais sóbrios e dramáticos na Estrela da Morte. Diversas ideias mais ousadas do roteiro foram descartadas. Originalmente, a Lua Endor seria habitada por wookies, o que tornaria a batalha com as tropas imperiais infinitamente mais interessante e plausível. Ford queria a morte de Han, com o apoio de Kasdan, mas Lucas negou. Em outro ponto, Lando morreria, levando a Falcon com ele, mas Lucas mudou de ideia mais adiante. É claro, ninguém queria ver Han ou Lando morrerem, nem a destruição da falcon, principalmente agora com o Episódio VII. Mas foram decisões que insistiram num atmosfera infantil, excessivamente segura para o espectador infante. Para piorar, o jovem e promissor diretor Richard Marquand pareceu não ter se adaptado bem à dimensão da produção e à complexidade dos efeitos especiais, tornando Lucas um co-diretor não creditado.
Ainda assim, a dramática conclusão mantém sua força. Ian McDiarmid sempre brilhante como Palpatine, é uma figura verdadeiramente maligna e asquerosa que consegue, com sua crueldade, despertar a faísca de bondade de Vader. Luke quase sucumbindo ao medo e ao ódio ao se deparar com a horrenda possibilidade da irmã totalmente sem experiência com a Força ser seduzida pelo lado negro tem um grande impacto. Porém, Lucas continuava no propósito firme de seguir cometendo erros em O Retorno do Jedi, mesmo quase 30 anos depois. Em 2011, foi adicionado o fatídico NOOOOOO de Vader no momento em que ele decide salvar o filho das mãos de seu mestre. O silêncio extremamente eloquente de Vader, mesmo por trás de uma máscara incapaz de expressões, sucumbiu diante do óbvio. Ignorando que a cena só tinha a ganhar sob a luz dos prequels, onde o público mais jovem tinha em mente a clara imagem de Anakin por baixo da armadura e dele aguardando ansiosamente uma atitude redentora, Lucas exibe todo o seu desconhecimento de sutileza dramática, que claramente só piorou com o tempo. Nesse momento, é muito bom ter preferido manter o DVD (que ainda mantém a cena original) em detrimento do Bluray, já com a cena destruída.
Ainda assim, este episódio VI ganha em intensidade ao dar uma conclusão à saga de Anakin. Desde o momento em que Vader dá uma tênue faísca de humanidade dizendo ao filho que era tarde demais para ele mesmo ser salvo até quando ele está à beira da morte, admitindo a Luke que ele estava certo, nos surpreendemos ao ver a saga transformada em seu eixo central. E não, não foi ideia de Lucas desde o inicio. Aliás, essa é uma questão extremamente relevante ao se analisar como Star Wars se relaciona com seu criador. Lucas é um sujeito que não se furta a mudar de ideia e alterar o rumo de uma história, mesmo que isso gere conflitos com o que já foi feito. Em sua fase inicial, Anakin e Vader eram duas pessoas diferentes. O que acontece é que há fortes indícios de que O Império Contra Ataca começou a ser escrito com essa premissa. Foi durante o processo de roteirização deste Episódio V que Lucas decidiu que Vader e Anakin seriam a mesma pessoa, ainda que o fato da palavra “vader” significar “pai” em holandês leve fãs a pensar o contrário. De qualquer forma, podemos supor que, ao elaborar a trilogia original, Lucas tivesse em mente que seu protagonista era efetivamente Luke Skywalker.
Em entrevista feita por volta de 2004, porém, Lucas relaciona sua vida profissional à sua criação ao destacar a ironia de que, no processo de libertar-se do controle dos estúdios que se tornaram grandes corporações (algo que ele abominava), ele mesmo acabou dono de uma grande corporação. Ele acabou se tornando aquilo que ele odiava. E concluiu: “É o que acontece com Anakin”. Em um momento de profunda lucidez sobre sua situação, mas também de dúvidas sobre os rumos que deu à própria carreira, Lucas se viu inspirado a contar a história de Anakin sob um ângulo mais humano. Desta forma, Star Wars tornou-se, em seus seis episódios produzidos por seu criador, a saga de Anakin Skywalker, e ele é (excluindo-se a forçada presença dos androides) o único personagem presente nos seis filmes.
Em muito se assemelham os problemas de O Retorno do Jedi aos de Ameaça Fantasma. Talvez apenas a overdose letal de Jar Jar no Episódio I e a bela conclusão da saga de Anakin no VI mantenha esta última parte da trilogia clássica em posição de vantagem em relação ao primeiro prequel. Sendo o episódio VI agora não o fim, mas mais um capítulo da saga, fica mais explícita a possibilidade de duplo significado do título. Para o português é intraduzível, mas como no original o artigo “the” e a própria palavra “jedi” podem ser plurais, o retorno não é apenas o do cavaleiro jedi Luke Skywalker. É o Retorno DOS Jedi. Para a próxima geração de fãs, soa como o prenúncio de uma nova era, onde a galáxia pode voltar a se sentir segura.
Já já estaremos aqui analisando O Despertar da Força. E voltaremos ainda daqui a dez anos, analisando, distante da euforia dos lançamentos, como a saga Star Wars se parecerá completa com seus nove episódios. Não importa o quanto nós podemos relevar ou condenar seus defeitos. Se estamos sempre aqui é porque amamos. Que a força esteja com você, sempre.