segunda-feira, 21 de outubro de 2019
domingo, 20 de outubro de 2019
terça-feira, 15 de outubro de 2019
MALÉVOLA: A DONA DO MAL – (quase) um épico de fantasia
Por Ricky Nobre
O sucesso da versão burtoniana de Alice em 2010 e da série
Once Upon a Time (que durou sete temporadas) abriu os olhos da Disney para as
possibilidades de visões atualizadas dos clássicos contos de fadas. Em 2014,
Malévola estreou com uma excelente e muito bem executada premissa de uma fada
que se torna a grande vilã de A Bela Adormecida ao conhecer o pior da
humanidade, e se redime ao conhecer o melhor dela. Muito satisfeita com o
retorno financeiro, a Disney seguiu realizando versões “live action” de seus
clássicos da animação, cada vez mais parecidos com os originais, porém com
desempenhos nas bilheterias ainda mais impressionantes do que de Malévola.
Este, entretanto, permanecia como um dos favoritos do público, talvez por sua
originalidade, ou pela forma como Angelina Jolie encarnou a personagem. Mesmo
não sendo muito afeita a continuações, a Disney tratou de providenciar uma para
sua grande senhora do mal.
Existe um dilema básico ao se criar obras que colocam vilões
como protagonistas. Na paisagem hollywoodiana dos últimos 20 anos, os filmes
baseados em quadrinhos foram a principal fonte de algumas dessas experiências,
em filmes como Esquadrão Suicida e Venom. Malévola cai na mesma questão. Vilões
nos atraem porque são maus. Simples assim. Sabemos que o que fazem é errado,
inaceitável e queremos que sejam punidos no fim, mas, ainda assim, eles exercem
uma profunda sedução junto ao público, uma transgressora sensação de liberdade.
Entretanto, não seria moralmente aceitável nem comercialmente viável que um
vilão fosse verdadeiramente mau durante um filme inteiro e ainda saísse impune,
principalmente num filme da Disney ou no universo de super heróis. Assim, os
vilões nunca são tão ruins quando protagonizam seus próprios filmes;
geralmente, são maus só no início, ou só no meio, ou, ainda, um pouco lá e um
pouco cá durante todo o filme. Nesse contexto, compreende-se o sucesso e a polêmica
em torno do recente Coringa que, numa abordagem adulta, pôs à prova esses
limites. Ainda assim, não podemos esquecer a forma pioneira e bem resolvida
como George Lucas desenvolveu o arco de Anakin Skywalker / Darth Vader ao longo
de seis filmes.
Isso tudo é para podermos compreender como se apresenta a
personagem Malévola neste segundo filme. Como vimos ao final do primeiro,
Malévola termina “regenerada” (em mais de um sentido) graças ao amor que
desenvolveu pela princesa Aurora que um dia chegou a amaldiçoar. Neste segundo,
ela se apresenta, logo de início, com uma aparência bem mais alinhada com sua
persona “maléfica”, diferente do final do filme anterior, ainda que nada tenha
mudado em sua personalidade nos 5 anos que separam as duas histórias. A partir
do pedido de casamento feito pelo príncipe Felipe (Harris Dickinson) a Aurora (Elle
Fanning), muito do humor e da tensão entre Malévola e demais personagens vem
desta persona (obviamente) “malévola”, que é incapaz de se encaixar
confortavelmente em situações sociais aparentemente comuns como um jantar. Na
concepção do roteiro, Malévola não voltou a ser vilã, apenas cultiva uma
personalidade, digamos, peculiar de quem não é exatamente a sogra dos sonhos de
ninguém. O filme explora essa personalidade “marginal” de Malévola para
desenvolver a trama, onde a mãe de Felipe, a Rainha Ingrith (Michelle Pfeiffer,
ótima) arma um plano cruel para tirar de cena seu marido, o rei pacifista John
(Robert Lindsay) e declarar guerra a Moors pondo a culpa em Malévola, evitando
assim a união pacífica dos dois reinos que seria a consequência do casamento
entre Felipe e Aurora.
Justamente pela enorme diversão que o público tem em ver
Malévola sendo má, o filme trabalha nessa corda bamba, de onde pretende tirar o
máximo de entretenimento de sua personalidade divertidamente sombria,
principalmente ao provoca-la com falsas acusações de continuar sendo má. O
diretor Joachim Rønning (em seu primeiro filme sem o habitual parceiro Espen
Sandberg) nos diverte com uma pseudo vilã, um simulacro de maldade que, num desenvolvimento
de personagem competente, forja uma boa e genuína anti-heroína. Ainda assim, o
subtítulo “A Dona do Mal” (mais belo e preciso no original Mistress of Evil) soa
um tanto enganador ou até mesmo genérico.
É importante falar sobre o protagonismo feminino aqui. As três
personagens mais importantes e ativas do filme são mulheres (Malévola, Aurora e
Ingrith). Isso não só enriquece o filme mas também lança uma questão
interessante quando colocamos em perspectiva junto ao filme original. A queda
em direção às trevas de Malévola veio diretamente das ações do reino dos
homens, em particular a traição e cruel violação praticada por um homem em específico,
Stephan. Sob uma ótica feminista, o grande inimigo de Malévola era o
patriarcado, ainda que a alegoria do colonialismo fosse potente em sua ação
militar contra Moors, o reino das fadas. Aqui, entretanto, a grande arquiteta
da guerra, genocídio e colonialismo é a rainha Ingrith, e os pacifistas a serem
eliminados ou domados são John e Felipe. Ao concentrar a real vilania do filme
na figura da rainha (ainda que isso seja um clássico disneyano), o filme refina
seu ataque especificamente à soberba da cultura elitista humana, que põe a “civilização”,
em especial aquela tecnologicamente avançada, sobre os “selvagens”, menos “civilizados”
(se você sentir um sutil eco de Avatar, é isso mesmo).
Se o primeiro filme, apesar de subverter a narrativa tradicional
do gênero, era um exemplo inegável de conto de fadas, este novo está mais
alinhado com o gênero fantasia, apresentando, inclusive, algumas
impressionantes cenas de batalha. Momentos dramáticos são levados a sério, e o
elenco corresponde, principalmente Elle Fanning, num evento particularmente
trágico. Mas falta uma certa consistência na tensão dessa narrativa. Por exemplo,
dois eventos de potencial letalidade são narrados paralelamente. Em um deles,
vários personagens morrem (mesmo!) como moscas, enquanto no outro a narrativa
se arrasta para que resulte no menor número possível de vítimas, e o fato das
narrativas serem paralelas apenas torna isso mais evidente.
Ainda assim, de forma inteligente, o filme amadurece junto
com seu público (imagine que alguém que viu o primeiro filme com 10 anos de
idade, agora vê este com 15), mostrando que as lições da franquia Harry Potter
foram bem aprendidas. Talvez a única grande fraqueza do filme é que ele não se
assume totalmente nessa identidade e, próximo às últimas badaladas, corra de
volta aos braços do conto de fadas, pois, afinal, é um filme da Disney e
pronto. Nos últimos 10 minutos, tudo fica muito mais leve de uma hora pra outra
e espera-se que o público simplesmente aceite que os povos de dois reinos
apenas sacudiram a poeira e foram todos pra uma festa literalmente minutos
depois de uma guerra.
Mesmo com alguns problemas, Malévola: A Dama do Mal irá
agradar muito aos fãs do primeiro. É um filme que investe muito na emoção, com
forte protagonismo feminino, visualmente belíssimo e que fala de amor,
confiança, estigma e esperança. Tem um ótimo elenco e vale aqui destacar a
atuação de Jenn Murray como Gerda, a capanga da rainha que, com um papel quase sem
diálogos, compõe um personagem divertido e bizarro, e é uma das boas surpresas
do filme. Na atual fissura alucinada da Disney em transpor seus clássicos dos desenhos
para os atores, Malévola se impõe como uma proposta original, que apenas cita A
Bela Adormecida em raríssimos momentos. Ele não fecha a porta para um terceiro
filme, que muito provavelmente virá. Talvez nasça uma trilogia que, em anos
futuros, se destaque e mantenha seu valor em meio à pilha de remakes que o
distanciamento crítico do tempo exponha como totalmente desnecessários
MALÉVOLA: A DONA DO MAL (Maleficent: Mistress of Evil, 2019)
Com: Angelina
Jolie, Elle Fanning, Harris Dickinson, Michelle Pfeiffer, Sam Riley, Chiwetel
Ejiofor e Jenn Murray.
Direção: Joachim
Rønning
Roteiro: Linda Woolverton, Noah Harpster e Micah
Fitzerman-Blue
Fotografia: Henry Braham
Montagem: Laura Jennings e Craig Wood
Música: Geoff Zanelli
Design de produção: Patrick Tatopoulos
segunda-feira, 14 de outubro de 2019
Qual final do "Exterminador do futuro" você prefere?
Por Gabriel Maia
Que pergunta estranha, não é? Como assim; qual final?
O filme "Exterminador do futuro", de James Cameron, foi lançado em 1984 e virou um imenso sucesso contando uma história não muito original, mas cheia de elementos cativantes.
Em um futuro próximo, as máquinas se tornariam conscientes e, diante de um possível desligamento, elas se revoltariam e começariam uma guerra contra humanos. Essa guerra começaria com o chamado "Dia do Julgamento", onde milhões morreriam em ataques nucleares causados pelas máquinas, jogando nações umas contra as outras, enfraquecendo a humanidade para que as máquinas pudessem atacar e vencer com facilidade.
Mas um homem se ergueu em resistência unindo exércitos com estratégia e coragem. John Connor era uma pedra no sapato da Skynet, então as máquinas decidiram mandar um robô, da série T-800 chamado exterminador, de volta no tempo para matar a mulher que seria mãe de John Connor. Mas a resistência decidiu mandar um soldado para protegê-la e John enviou seu melhor soldado; Kyle Reese.
No passado, Kyle protegeu Sarah como pôde contra o exterminador, e tiveram um... romancezinho que resultaria com Sarah grávida de John. O QUÊÊÊÊ????! Sim, este paradoxo é um dos pontos de sucesso da história, John existe porque mandou seu soldado ao passado e este soldado se tornaria seu pai.
No fim, Kyle se sacrifica para destruir o exterminador, mas só destrói as pernas dele, e cabe a Sarah esmagar o andróide em uma prensa hidráulica de uma fábrica que invadiu em sua fuga.
Mas o dia do julgamento não foi cancelado. A Skynet ainda existia porque... os pedaços do exterminador seriam coletados por uma empresa chamada Cyberdyne, e esta empresa dissecaria os pedaços e originaria a Skynet. O QUÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊ??????! Pois é, mais um paradoxo para pirar os fãs.
E esse é o ponto do segundo filme "O Exterminador do futuro 2" onde mais um exterminador, desta vez da série T-1000 é enviado no tempo, mas agora para matar John ainda criança, e a resistência manda um exterminador que eles derrubaram e reprogramaram; um T-800.
Os andróides se enfrentam em cenas que se tornaram referência no cinema, e John decide resgatar sua mãe que havia sido internada em um hospício após atacar a empresa CyberDyne já prevendo que seus avanços possibilitariam o Dia do Julgamento. Sarah agora era uma referência para todo o público feminino; forte, corajosa, lutadora, perita em armas e sobrevivência... ela era A Sarah Connor.
Mas Sarah tem sérias dúvidas em aceitar um aliado como o T-800, quase destruindo-o, mas John a impede dizendo que pode ajudar ele a mudar. E durante o filme é isso que Sarah observa, ela vê uma relação entre John e a máquina como ela nunca viu, algo até paternal.
No fim, eles conseguem vencer, destroem todas as possibilidades de que a Skynet venha a existir, inclusive o próprio T-800 se destrói pelo bem maior. E o filme termina com uma reflexão de Sarah sobre a humanidade.
Este é o final oficial.
Mas existe um final alternativo que poucos conhecem.
Neste, aparece uma Sarah Connor idosa observando seu filho brincando com a neta e fazendo uma reflexão menos obscura do que no final oficial. Aqui, ela termina o filme com esperança; "se uma máquina pode aprender o valor da vida humana, talvez nós também possamos".
Que pergunta estranha, não é? Como assim; qual final?
O filme "Exterminador do futuro", de James Cameron, foi lançado em 1984 e virou um imenso sucesso contando uma história não muito original, mas cheia de elementos cativantes.
Em um futuro próximo, as máquinas se tornariam conscientes e, diante de um possível desligamento, elas se revoltariam e começariam uma guerra contra humanos. Essa guerra começaria com o chamado "Dia do Julgamento", onde milhões morreriam em ataques nucleares causados pelas máquinas, jogando nações umas contra as outras, enfraquecendo a humanidade para que as máquinas pudessem atacar e vencer com facilidade.
Mas um homem se ergueu em resistência unindo exércitos com estratégia e coragem. John Connor era uma pedra no sapato da Skynet, então as máquinas decidiram mandar um robô, da série T-800 chamado exterminador, de volta no tempo para matar a mulher que seria mãe de John Connor. Mas a resistência decidiu mandar um soldado para protegê-la e John enviou seu melhor soldado; Kyle Reese.
No passado, Kyle protegeu Sarah como pôde contra o exterminador, e tiveram um... romancezinho que resultaria com Sarah grávida de John. O QUÊÊÊÊ????! Sim, este paradoxo é um dos pontos de sucesso da história, John existe porque mandou seu soldado ao passado e este soldado se tornaria seu pai.
No fim, Kyle se sacrifica para destruir o exterminador, mas só destrói as pernas dele, e cabe a Sarah esmagar o andróide em uma prensa hidráulica de uma fábrica que invadiu em sua fuga.
Mas o dia do julgamento não foi cancelado. A Skynet ainda existia porque... os pedaços do exterminador seriam coletados por uma empresa chamada Cyberdyne, e esta empresa dissecaria os pedaços e originaria a Skynet. O QUÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊ??????! Pois é, mais um paradoxo para pirar os fãs.
E esse é o ponto do segundo filme "O Exterminador do futuro 2" onde mais um exterminador, desta vez da série T-1000 é enviado no tempo, mas agora para matar John ainda criança, e a resistência manda um exterminador que eles derrubaram e reprogramaram; um T-800.
Os andróides se enfrentam em cenas que se tornaram referência no cinema, e John decide resgatar sua mãe que havia sido internada em um hospício após atacar a empresa CyberDyne já prevendo que seus avanços possibilitariam o Dia do Julgamento. Sarah agora era uma referência para todo o público feminino; forte, corajosa, lutadora, perita em armas e sobrevivência... ela era A Sarah Connor.
Mas Sarah tem sérias dúvidas em aceitar um aliado como o T-800, quase destruindo-o, mas John a impede dizendo que pode ajudar ele a mudar. E durante o filme é isso que Sarah observa, ela vê uma relação entre John e a máquina como ela nunca viu, algo até paternal.
No fim, eles conseguem vencer, destroem todas as possibilidades de que a Skynet venha a existir, inclusive o próprio T-800 se destrói pelo bem maior. E o filme termina com uma reflexão de Sarah sobre a humanidade.
Este é o final oficial.
Mas existe um final alternativo que poucos conhecem.
Neste, aparece uma Sarah Connor idosa observando seu filho brincando com a neta e fazendo uma reflexão menos obscura do que no final oficial. Aqui, ela termina o filme com esperança; "se uma máquina pode aprender o valor da vida humana, talvez nós também possamos".
terça-feira, 8 de outubro de 2019
CORINGA - UM FILME QUASE LEGAL
Por
Gabriel Maia
Quando
anunciaram "Coringa" li a proposta e pensei; "Cara, isso pode
ser muito legal".
A
proposta era um Coringa mais pé no chão. Algo que você imagina que poderia
acontecer com qualquer um, seja seu vizinho, seu primo, ou até com você mesmo.
E
o filme trouxe essa ideia.
Arthur
Fleck é um homem claramente doente, criado por uma mulher também com distúrbios
mentais, que o maltratava a nível de tortura física e psicológica.
Porém,
Arthur cresceu como um homem "comum", até que cada pequeno evento
ruim de sua vida culmina no rompimento de sua realidade.
Arthur
é um homem doente onde o maior problema dele nem eram os distúrbios, mas a
carência. Ele era tão carente que quando sentiu que foi notado, achou que este
era o caminho.
As
pessoas falaram do palhaço assassino, vestiram máscaras dele, finalmente ele
era alguém. A carência era o verdadeiro inimigo ali. E para matar sua carência
e fazer valer os olhares que davam a ele, Arthur faria qualquer coisa; matar um
apresentador, instigar uma rebelião... ser um símbolo.
Na
verdade, este Coringa é apenas isso; um símbolo. Gotham, conhecida pelos fãs do
Batman como lar dos criminosos insanos mais perigosos que existem, no filme é
só uma cidade decadente moralmente. E é o Coringa quem dá o início à loucura da
cidade. Ele dá o primeiro tiro que desperta outros malucos no sentido
"Sim, nós podemos!". E é o que o filme passa até seu último segundo.
Para
nós, o Coringa é símbolo da loucura, do caos e da crueldade.
No
filme, o Coringa mostrado é apenas o símbolo da loucura sendo liberada.
Pode
ser que haja outro Coringa que se tornará inimigo do Batman, e este seja o que
nós conhecemos e amamos/odiamos.
As
pessoas precisam ir ao cinema preparadas para ver um Coringa... light.
Não
tem nada da violência excessiva que mencionaram.
A
iluminação é boa, a fotografia é linda, e Joaquin está incrível como sempre
(sou fã do cara).
Mas
o filme é parado... morto... na verdade.
O
filme não se vale de sonoplastia o que dá um tom de tédio (lembra da cena do
Batman espancando o Coringa na delegacia? Ali tem um som crescente na mente que
nos aflige, pressiona e nos deixa apreensivos), o recurso sonoro é praticamente
abandonado aqui.
O
filme também peca na pobreza de construção de personagens.
Você
tem o oprimido e o opressor.
O
oprimido é pobre, bonzinho e sofre muito.
O
opressor é rico (ou empresário, ainda que pequeno), e mal.
A
sociedade é cruel e fica claro o direito a se rebelar porque você foi
abandonado por todos e todo mundo é mal.
Não
é que estimule a criminalidade, não é isso.
Mas
é bem chato não deixar claro que Arthur fez as piores escolhas possíveis e que
havia outras. Ou que existem mais camadas do que "opressor e
oprimido".
O
filme é pobre, sem emoção e Joaquin fez de tudo pra salvá-lo.
Enfim...
muita gente vai adorar o filme.
Outros,
como eu, talvez saiam um pouco decepcionados.
Se
for pra ver um filme de alguém que chega ao limite com a sociedade "Um dia
de fúria" é muito melhor.
quinta-feira, 3 de outubro de 2019
CORINGA: o mal que nasce do caos e do abandono
Por Ricky Nobre
Quando a DC/Warner falhou miseravelmente em desenvolver um
universo compartilhado do mesmo porte do Marvel Studios, o anúncio de um filme
solo do Coringa, totalmente diverso do interpretado por Jared Leto, soou como
algo entre o desespero e a total ausência de rumo. Apesar de, no universo dos
quadrinhos, edições especiais com realidades alternativas ser algo comum, a
introdução desse conceito aqui soou entranha num ambiente hollywoodiano onde a
Marvel produziu 22 filmes que fazem parte de uma única história. O desafio do
projeto, porém, era maior: seria um filme de origem sobre um personagem cujo
passado já foi contado diversas vezes nos quadrinhos de formas totalmente
diferentes, sendo essas incertas origens múltiplas parte integrante da própria
característica caótica do Coringa. Além disso, seria o primeiro filme R-rated
(classificação 17 anos) dentro do universo dos principais personagens da DC.
Após o fiasco de Liga da Justiça, o projeto foi aprovado com meros 35 milhões
de dólares de orçamento. Era uma aposta totalmente nova.
Antes de estrear mundialmente, o filme já provocou furacões
por onde passou. Aplaudido de pé por 8 minutos em Veneza de onde saiu com o Leão
de Ouro de melhor filme, feito inédito para esse gênero. Boa parte da crítica
apontou uma acentuada possibilidade de turbilhão político no contexto atual, e
alguns denunciaram o que seria a glamorização da figura do homem branco
violento e tóxico. O diretor Todd Phillips deixou expressamente claro em
entrevistas que Coringa não é um filme político. E, talvez, essa era sua
intenção ao escrevê-lo e dirigi-lo. Contudo, ao construir com absoluta
maestria, ao lado do gênio Joaquim Phoenix, o nascimento do mais famoso vilão
dos quadrinhos desde sua base, Phillips fez um filme que é político do primeiro
ao último frame. E mais que isso: um filme trágico, verdadeiramente sombrio, desesperançado
e, mais do que tudo, provocador e incendiário como não se via desde Clube da
Luta, há 20 anos.
No processo de narrar a transformação do pacato e frágil
Arthur Fleck no perversamente insano Coringa, Phillips traz uma paisagem de
decadência, desilusão e desespero urbanos, numa Gotham que falhou como
sociedade em todos os sentidos. Cuidando sozinho da mãe, Arthur sonha em ser
comediante enquanto trabalha numa agência de palhaços, sofrendo humilhações e
passando despercebido pela vida, enquanto luta contra os sintomas dos diversos
distúrbios mentais que o afligem, ainda que o acompanhamento psicológico e os
sete remédios controlados que recebe lhe deem algum equilíbrio, mesmo que
tênue.
Talvez o mais fascinante no filme é como o personagem é
desenvolvido num ritmo muito lento porém perfeitamente constante. Ele evolui
lenta e suavemente, de forma quase imperceptível, porém, a cada cena, existe
algo a mais ali. Quando o Coringa finalmente surge, isso não causa estranheza
alguma, ainda que, se lembrarmos do Arthur do início do filme, pareça uma
pessoa completamente diferente. Tudo é perfeitamente orgânico e o ocaso de
Arthur e o nascimento do Coringa são indissociáveis da própria cidade de
Gotham. Ainda que muitas críticas se façam hoje em como o cinema dá a
portadores de doenças mentais o destino quase que inexorável de vilões
psicopatas, podemos dizer que aqui as questão da doença mental é muito bem
trabalhada. E, a partir daí, podemos tecer algumas considerações sobre as
maiores críticas que o filme tem recebido, no que se refere ao personagem se
tornar um símbolo glamourizado de grupos violentos específicos.
Tentando não cair em spoilers, é seguro afirmar que o
Coringa é essencialmente um filho de Gotham. Arthur é humilhado e
invisibilizado por sua condição de doente mental e de trabalhador que sobrevive
parcamente de sub empregos. O momento em que o programa social que fornece
apoio e remédios a Arthur é cortado pelo governo é um dos mais precisos
símbolos que o filme oferece das consequências do abandono social perpetrado
por maus governos, cujas vítimas são justamente os mais vulneráveis.
Não é tarefa fácil separar todas as camadas sociais e
psicológicas do filme e do personagem, mas esse é o nível de complexidade
atingido por Phillips, cuja carreira consistia exclusivamente de comédias,
principalmente a trilogia de Se Beber Não Case, o que o torna um feito
verdadeiramente surpreendente. Como aliado, Phillips tem uma performance
histórica de Phoenix, que desenvolveu um trabalho de expressão corporal que é
um espetáculo por si só. Todo o filme é contado a partir do ponto de vista de
Arthur, o que intensifica a identificação do público com os dramas e as motivações
do personagem. Porém, quanto mais brutal ele se torna, cresce o conflito do
público ao ver atos perversos motivados por sentimento os quais o filme os fez
compreender perfeitamente. O público é desafiado a não corroborar com os atos
de Arthur e da turba que o idolatra, ainda que nos fique claro que tal
resultado seja o ápice inevitável da decadência de uma sociedade abandonada.
O que talvez explique que até alguns dos maiores defensores
do filme também chegaram a defini-lo como “perigoso” seja o fato de que o
triunfo do Coringa não possui contraponto na tela. Nos quadrinhos e em filmes
anteriores, o contraponto do Coringa é o Batman. No já citado Clube da Luta, o
contraponto da persona Tyler é a persona Jack. Aqui, Phillips deixa
exclusivamente para o público a tarefa de criar contraponto ao “mito” Coringa.
O certo e o errado se fundem e confundem como acontece em tempos de decadência
e desespero sociais. Isso torna a tarefa de não idolatrar o Coringa mais difícil.
Porém, desde a primeira cena, Phiilips deixa claro que facilitar não era seu
objetivo. Muito pelo contrário.
Falando especificamente do universo de quadrinhos, Coringa é
seguramente o primeiro filme de universo de super heróis em que absolutamente
qualquer coisa que aparece na tela poderia realmente ter acontecido no mundo
real, inclusive levando em conta que a narrativa se passa em 1981. O realismo é
total, seja ele concreto, tecnológico ou psicológico. Na sua tarefa, Phillips
teve o auxílio precioso da montagem de Jeff Groth que constrói o perfeito ritmo
do filme, a fotografia de Lawrence Sher, com um impressionante trabalho de
cores e uma luz que remete diretamente ao cinema dos anos 70 (Taxi Driver e O
Rei da Comédia, ambos de Scorcese, são inspirações poderosas em diversos
níveis) e a música da sueca Hildur Guðnadóttir, a perfeita voz da mente de
Arthur, num trabalho inspirado como poucos no cinema de hoje. Ainda falando em
quadrinhos, é sempre uma aposta perigosa estabelecer qualquer laço prévio entre
o Coringa e a família Wayne, e o filme corre esse risco com inteligência.
É importante o público ir preparado para algo inédito nos
filmes do gênero: não é um filme de ação, sequer tem uma única cena de ação no
filme. Phillips não fez apenas um filme de quadrinhos verdadeiramente sombrio
no seu âmago (para muito além das infantilidades pseudo maduras que infestaram
tentativas recentes da DC) e completamente realista. Coringa é um estudo de
personagem sublime, uma tragédia humana devastadora e uma visão política e
social incendiária. Um filme que será discutido por anos pelo público ao qual
foi delegado o veredito do palhaço do crime, o mestre do caos. Mas se Todd
Phillips se permite algum comentário sobre em qual lado da balança pesam os
atos do Coringa, é bom lembrar que o toque final do nascimento do vilão, nos
últimos minutos, é desenhado com sangue.
COTAÇÃO:
CORINGA (Joker, 2019)
Com: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz, Frances
Conroy e Brett Cullen.
Direção: Todd Phillips
Roteiro: Todd Phillips e Scott Silver
Fotografia: Lawrence Sher
Montagem: Jeff Groth
Música: Hildur Guðnadóttir
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