ATENÇÃO: OS TEXTOS DESTA SÉRIE SOBRE STAR WARS CONTÉM SPOILERS!!!
Quem está acostumado a acompanhar minhas críticas cinematográficas aqui no Alcateia (sim, vocês três), pode ter percebido que, por uma escolha estilística, não uso a primeira pessoa ao analisar filmes. Considero o “eu” desnecessário, uma vez que a subjetividade de qualquer análise crítica é algo dado, auto evidente. É um pouco elitista e esnobe, mas é o meu jeitinho. Porém, frequentemente, quebro esse hábito em minhas análises de Star Wars. Essa franquia é algo tão pessoal para mim que qualquer tentativa de esconder o “eu” correria o risco de tocar a hipocrisia. E, talvez mais grave, matar a essência da análise. Sempre, SEMPRE que vejo um novo episódio pela primeira vez, eu volto a ter dez anos. Eu saí saltitando de alegria de Ameaça Fantasma. A-ME-A-ÇA FAN-TAS-MA!!! Sim, Jar Jar já foi insuportável logo da primeira vez. Midichlorians pareceu uma péssima ideia logo da primeira vez. Jack Loyd pareceu ser mais uma vítima dos diálogos e direção de atores ruins de Lucas logo da primeira vez. Mas nada disso importava. Não na primeira. E foi assim com todos, e apenas as repetidas exibições sedimentavam tanto qualidades quanto defeitos na minha cabeça e eu podia ter uma opinião racional e equilibrada. Só é possível ver um episódio de Star Wars (e qualquer filme, obviamente) pela primeira vez... uma única vez. É um momento precioso que não tem volta.
O episódio IX de Star Wars, A Ascensão Skywalker, foi o
primeiro em que fiquei auto consciente da experiência praticamente todo o
tempo. Era uma experiência tensa, como se eu tentasse acordar o menino para ver
o filme comigo, mas só o adulto assistia. Em algum momento, após cerca de meia
hora de filme, acabei relaxando e aproveitando melhor, mas voltou a ficar ruim
lá pela última meia hora. Eu sentia como se eu tivesse perdido alguma coisa.
Não foi legal.
Ser fã de Star Wars é engolir sapo. Cada filme tem algo que
você precisa relevar pra poder apreciar tranquilamente. Vejamos:
No Ep I: Jar Jar, midichlorians e o muito mal dirigido Jack
Loyd (o pequeno Anakin).
No Ep II: o vergonhosamente mal escrito romance entre Anakin
e Padme e a inacreditável sequência na fábrica de androides.
No Ep III: a excelente personagem de Padme virando uma parva
chorona sem função porque Lucas decidiu cortar todas as suas cenas onde ela
fazia ou participava de algo importante.
No Ep IV: as péssima mudanças pós 1997, e um certo anti
clímax no contraste da qualidade da luta entre Vader e Kenobi para quem já viu
as lutas dos prequels.
No Ep V: absolutamente nada porque esse filme é perfeito.
No Ep VI: as palhaçadas dos Ewoks entrecortando e matando o
drama que realmente importava no filme que era o conflito entre Vader e Luke.
No Ep VII: a base Starkiller que abusou da boa vontade dos
fãs ao trazer a Estrela da Morte de volta pela terceira vez, inclusive na forma
de destruí-la.
No Ep VIII: o humor de SNL de Poe, a total falta de motivo
de Hondo esconder sua estratégia, e, principalmente, a forma como muito do que
foi estabelecido no Ep VII foi tratado como desimportante.
Que sapos precisamos engolir no Episódio IX?
Se eu puder resumir em um único item tudo que me incomodou
durante esse filme, seria: a forma transparente com parecia evidente que aquele
era um filme feito por pessoas desesperadas. A primeira opinião que vi sobre o
filme antes da estreia no Brasil (não tivemos acesso à cabine, infelizmente)
foi que parecia dois filmes espremidos em um. Vi esta mesma opinião repetida
diversas vezes e é exatamente isso. Em 141 minutos, o filme condensa um
quantidade fenomenal de ação, informação e explicações, dando um ritmo até
agora inédito na franquia. A necessidade de condensar é tanta que o filme abre
com uma clara “sequência de montagem”, que é uma cena que mostra uma ação montada
de forma resumida. Muito raramente, o filme reduz a velocidade para respirar
alguns minutos e termos um ou outro personagem num momento mais reflexivo. E o
filme carece muito disso.
A clara impressão é que a Disney entrou em pânico com a
recepção mista de Os Últimos Jedi, com parte dos fãs amando e outra parte
odiando apaixonadamente, e o imenso fracasso financeiro de Solo. Na tentativa
de desfazer o “indesfazível” (eita...), JJ Abrams foi trazido de volta para
continuar o que havia feito em O Despertar da Força. E seria bom mesmo se
tivesse. Apesar da forçação de barra do planeta Starkiller, o Episódio VII foi
uma excelente forma de iniciar a nova trilogia, que funciona tanto como um “filme-homenagem”
quanto como uma nova história. Mas, em vez de aceitar o Episódio VIII pelo que
ele foi e partir dali, JJ preferiu fazer o que Ryan Johnson fez: negar o que
veio antes. Cometendo o mesmo erro e esperando resultado diferente, JJ admite o
mínimo possível dos fatos narrados no filme anterior e meio que faz seu Ep VIII
e IX espremidos em A Ascensão Skywalker.
A montagem não é apenas rápida, ela é histérica! A história
dá a impressão de ser uma gincana, com os personagens correndo de um lado para
o outro executando mini missões que levam a outras que levam a outras,
lembrando a estrutura de videogame, só que muito rápido. É aplicada a lógica da
montagem publicitária, onde cada décimo de segundo conta e o objetivo é que a
cena seja entendida, não sentida. Não há sutilezas, nuances, contemplação de
qualquer forma. Lembra, tragicamente, o cinema de Michael Bay, especialmente a
série Transformers, onde tudo é constantemente intenso, desde a extrema
complexidade dos autobots, até o ritmo da montagem, onde tem sempre algo
acontecendo rápido, ainda que não seja importante. E o resultado é o oposto do
pretendido. Quando tudo é intenso, nada é intenso. Quando tudo é especial, nada
é especial. Quando tudo é importante, nada é importante. Isso transforma A
Ascensão Skywalker em uma obra inédita na carreira de JJ Abrams. Pela primeira
vez em sua filmografia, Abrams faz cinema ruim.
Isso é resultado direto não apenas da escolha em desenvolver
o filme como uma continuação do Ep VII em vez do Ep VIII, mas também, e
principalmente, da insistência da Disney em manter a data de lançamento de dezembro
de 2019. Quando o segundo filme da série Animais Fantásticos fracassou e foi
duramente criticado pelos fãs, a data de lançamento do terceiro foi adiada em
um ano para que JK Rowling e a equipe de produção pudessem pensar e planejar
com calma a correção de curso. Mas a Disney fez ainda pior: além de não alterar
a data, a mudança de diretor ainda atrasou o desenvolvimento em três meses, ou
seja, teve ainda menos tempo de desenvolvimento que os filmes anteriores. E isso
explica as diversas decisões equivocadas do roteiro. A começar por...
Palpatine!!! Esse é o maior erro do filme, trazer de volta o
personagem cuja morte marcou a conclusão do arco do personagem Anakin
Skywalker. Com Snoke morto, Abrams achou que precisava de um novo chefão e
tirou da manga o vilão da trilogia prequel, sem considerar que Kylo Ren poderia
SIM ser o vilão principal. Absolutamente NADA impediria Kylo de ser o grande
vilão do filme e ainda assim se redimir no final. E ser o vilão principal era
exatamente o caminho que o personagem percorreu no filme anterior. Mas então
Kylo Ren remenda sem motivo algum a máscara que ele destruiu apenas para levar
o personagem de volta ao ponto que ele se encontrava no Ep VII. Se algo do
filme anterior foi mantido, foi o elo com Rey, porque isso se mostrou
imensamente conveniente para o roteiro de JJ.
Num parêntesis, se a desenvoltura de Rey te incomodou nos
filmes anteriores, se prepare, porque ela não é mais nem Mary Sue. Ela é James
Bond. Ela pode fazer qualquer coisa que quiser! E, particularmente, não acho
isso um problema. A iminente derrota de Rey frente a Kylo antes da intervenção
de Leia mostra que ela não era, de fato, tão infalível assim.
Mas se é pra trazer Palpatine de volta, então que seja. Mas
Palpatine não está ali. A caracterização do mestre Sith segue uma lógica
razoável, ainda que não seja exatamente explicada. Repete-se apenas a
informação de que o lado negro é capaz de coisas que não são consideradas
naturais. Certas características necromantes do lado negro já eram claras na
trilogia prequel, então não é totalmente absurda a sua volta. E ele volta
realmente meio morto vivo. A maquiagem lembra, mais do que nunca, um cadáver, e
seu plano em morrer e transferir-se para Rey só reforça que sua volta em seu
velho corpo é como que uma gambiarra da Força que precisa de uma solução mais
permanente. Mas isso vem às custas de um Darth Sideous totalmente
irreconhecível. Seja como senador Palpatine, seja como Mestre Sith, o
personagem sempre mostrou enorme verve, sagacidade, ironia, deboche, crueldade,
sadismo e um gigantesco prazer em ser ele mesmo. No Episódio XI, Palpatine é o
que parece: um cadáver animado. Sem vida. Sem faísca. Sem nada do que o tornava
a melhor coisa da série toda vez em que aparecia. Ao gigante Ian McDiarmid não
sobrou nada além de ler as falas que lhe deram com a voz que inventou para o
personagem. Um trágico desperdício.
Quanto a outras coisas questionáveis do roteiro, muitas não
são ruins em si, mas são vítimas da total falta de tempo em estabelecê-las satisfatoriamente.
Rey é uma Palpatine? Poderia ser legal, mas é uma informação jogada. Finn ser
sensível à Força? Poderia ser legal, mas é totalmente jogado, parecendo mera
desculpa para esta ou aquela cena andar. Parece que Chewie morreu? Cinco
minutos depois aparece vivo. Rey parece ainda mais em conexão com o lado negro
(como sugerido no filme anterior, olha só, mais uma coisa foi levada em conta)?
Excelente para ser desenvolvido, mas não há tempo, o filme tem que correr. Talvez,
com 40 minutos a mais, fechando as três horas de duração que Vingadores:
Ultimato teve coragem de encarar, muitos desses problemas seriam bastante
suavizados e alguns até solucionados. Mas o desespero faz as pessoas tomarem
decisões idiotas. E Ascensão Skywalker foi feito por pessoas desesperadas.
E tem o fanservice... Eu realmente amo fanservice! Amo
mesmo!!! E até pra mim pareceu demais. Não é a quantidade, mas a pertinência.
Muita coisa é jogada só pra estar ali. A medalha do Chewbacca é uma cena
minúscula totalmente desconexa com qualquer outra, jogada nos últimos minutos
de filme. E é tudo jogado porque... Isso. Não há tempo! E a correria e a
decisão de fazer qualquer coisa para não desagradar ninguém depois das
polêmicas do Episódio VIII geraram um filme totalmente destituído de senso de
perigo. Você não teme realmente por ninguém ali. Você sabe que tudo ficará bem
no final. O destino de Kylo talvez seja a única coisa um pouco menos
previsível. Já a de Leia era inevitável pela própria questão da morte da atriz.
Aliás, as cenas reaproveitadas de Leia tem graus bem variados de sucesso. Por
vezes, as cenas são meio desconjuntadas e percebe-se que foram escritas em
volta do material existente.
Pelo texto até aqui, dá a impressão de que o filme não tem
qualidade redentora alguma. Mas não é bem assim. O problema é que tudo que o
filme tem de bom ou potencialmente bom fica mal desenvolvido. Foi muito
divertido ver finalmente Rey, Finn e Poe se aventurando juntos e foi uma pena
não termos podido ver isso antes nos filmes anteriores. C3PO está em seu melhor
momento em toda a saga, o que não é dizer pouco! Mas até seu personagem sofre
das decisões exageradamente seguras do roteiro e tudo parece ser soterrado na
histeria da narrativa, assim como novos personagens interessantes que não temos tempo de conhecer devidamente. Nisso, a personagem Rose se torna vítima da contenção de
danos da Disney e praticamente desaparece do filme após ser tão criticada no
filme anterior. Além de desnecessário, foi algo bastante ofensivo à própria
atriz que suportou muito bullying de fãs radicais.
Se em algum lugar da sala de montagem existir uma versão de
três horas de A Ascensão Skywalker, onde ideias boas e pausas dramáticas e
poéticas foram sacrificadas ao deus do desespero da Disney, seria muito, muito
bom se pudéssemos assistir futuramente. Como está, o Episódio IX conclui a saga
Skywalker de forma muito menos épica do que o esperado. Como está, o filme é um
festival de retcon (e esse sabre do Luke que a Rey usa sendo que ele foi
DESTRUÍDO no filme anterior?), contenção de danos e fracasso de planejamento. Em
algum lugar ali, num filme montado como cinema e não como trailer, existe uma
história emocionante. Mas tem coisas que não tem explicação, como porque Ben e
Anakin não apareceram no final para Rey. Mas o último take... ah, o último take
é tão na mosca que se ele tivesse concluído um filme realmente bom seria capaz
de matar qualquer fã de amor...