segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Uma nova trilogia para a nova rainha do terror.

Mia Goth, neta da atriz brasileira Maria Gladys, reina absoluta em X e Pearl.
 

X: cinema sujo

X chegou pela produtora A24 com carimbo prévio de cult, narrando o horror pelo qual passa uma pequena equipe que aluga uma casa para rodar um filme pornográfico em 1979. O diretor Ti West não abre mão de elementos do slasher clássico, ao mesmo tempo em que mantém o filme consciente de si (como as fortes referências a O Massacre da Serra Elétrica original), e encontra tempo de estabelecer algumas ótimas discussões.


West sustenta um paralelo entre a pornografia e o horror como gêneros "sujos", que podem ser limpos de sua imundície inata através de uma prática artística mais refinada (tirando aqui algum sarro do tal “horror elevado”, do qual a própria A24 tornou-se símbolo), e não escapa à percepção a forma como a figura do personagem do diretor é caricata nesse sentido, ainda mais quando sua hipocrisia é posta à prova, em outra discussão relevante, felizmente escrita de forma a não soar "postiça" dentro do filme.


West parece não conseguir (ou querer) fugir do clichê norte americano em ser muito mais explícito nas cenas de violência do que nas cenas de sexo e, sintomaticamente, o único nu frontal de todo filme é de um cadáver. É também bastante hábil a utilização de artifícios que convençam o público de que as mortes possam ser causadas por pessoas claramente frágeis fisicamente. A violência que começa brutal, vai se tornando mais rápida e sutil nas mortes seguintes, utilizando-se da técnica de Hitchcock em Psicose (1960), onde só a lembrança do primeiro assassinato é suficiente para deixar o público tenso.

A alma do filme, porém, é uma estranha ligação entre as personagens Maxine e Pearl. É a partir destas duas mulheres, a jovem e a velha, ambas interpretadas por Mia Goth, que o horror de X toma forma. Mais do que os corpos destruídos pela violência, o horror é causado pelos corpos naturais. Os corpos jovens trazem horror aos idosos, que veem neles a amargura de uma vida deixada para trás junto com sonhos de juventude e todo o tempo perdido. Os corpos idosos causam horror e repulsa aos jovens, um lembrete constante não apenas da morte, mas do medo de não conseguirem viver a vida plenamente.

O diretor West faz esse malabarismo de estabelecer essas discussões e simbolismos sem, em momento algum, interromper o fluxo de entretenimento de comédia sexy com toques de suspense da primeira metade e do horror slasher da segunda. X é ao mesmo tempo "elevado" e pedestre, autoconsciente, mas também direto e honesto. Terror divertido que dá papo pra conversa de bar.

 

 

Pearl: um melodrama de horror


Durante seus mais de 15 anos de carreira, quase todos dedicados ao terror, Ti West não havia conseguido nem uma fração do sucesso e da atenção que seu projeto iniciado em X está recebendo. E West deve muito de seu sucesso a Mia Goth. Ao viajar com equipe e elenco para filmar X na Nova Zelândia, ele teve que permanecer em quarenta por 15 dias, seguido as regras do país. Daí surgiu a ideia de escrever um prequel, contando a juventude de Pearl, que Mia Goth interpretaria em X sob pesada maquiagem. West e Goth escreveram o roteiro juntos em tempo recorde por facetime, e toda a produção transcorreu em segredo, paralelamente às filmagens de X. Sendo rodados simultaneamente, é surpreendente o quanto os filmes são diferentes, em ritmo, temática, forma, intensidade emocional e até na própria forma de lidar com o gênero.


Ambientado em 1918, último ano da 1ª Guerra Mundial e da última pandemia antes da Covid, a gripe espanhola, o filme nos mostra o despertar da psicopatia de Pearl, isolada em casa com um pai imobilizado por um derrame e uma mãe extremamente controladora e fanática religiosa. Seu sonho de ser bailarina de cinema a leva a devaneios, enquanto dá vazão às frustrações matando pequenos animais e espera o marido voltar da guerra, uma esperança que ela, aos poucos, abandona.


West foi extremamente feliz ao equilibrar a dramaticidade de seu conteúdo com a leveza de sua forma. Assim como X evocava a estética B de obras como O Massacre da Serra Elétrica (1974), ou mesmo a Z dos filmes pornográficos, West cria um pastiche dos anos 40 e 50 com a tipografia, a tela scope, uma paleta muito saturada e luminosa em referência ao Technicolor, e uma trilha orquestral massiva e onipresente. Essa estética, curiosamente, não se leva tão a sério, dando certa leveza e humor, até mesmo em cenas mais fortes. O enorme poder do filme vem do texto, dos personagens e de como a direção trabalha com os atores.


Podendo muito facilmente cair na caricatura pura e simplista, principalmente devido às escolhas estéticas, o filme pega o espectador desprevenido em cenas chave ao apresentar diálogos incrivelmente maduros em interpretações impressionantes. A grande discussão entre mãe e filha é mais impactante que qualquer morte do filme, com especial destaque para como a personagem da mãe se agiganta. Seus pontos de vista são humanos e sólidos, tirando a personagem da vilania materna barata e simplista, ao mesmo tempo em que solidifica a forma como ela de fato esmaga a filha da mesma forma que a vida a esmagou.


E isso é só o começo. Num crescente macabro de delírio e paranoia, Mia Goth brilha em diversos momentos, num trabalho absolutamente estelar, com cada grande momento superando o anterior: do desespero de "eu sou uma estrela", para um monólogo de 7 minutos que evoca Persona (1966) de Bergman, para a cena de créditos mais assustadora e genial já vista, onde, em silêncio, Pearl enlouquece por 2 minutos diante de nossos olhos. 


Não se vê muitas mortes no filme, e o gore é bem ocasional, praticamente tirando o filme da categoria de slasher, da qual X é genuíno representante. Pearl é um grande melodrama de época, quase uma sátira do gênero, mas tão emocionalmente intenso e genuíno que o torna uma obra única. Mia Goth, que também assina como produtora executiva, se afirma como a nova rainha do terror desta década, deixando os fãs mergulhados em expectativa e ansiedade por sua volta em MaXXXine, a terceira parte da trilogia.

 

COTAÇÃO X:


COTAÇÃO PEARL:


 

 

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