Por Ricky Nobre
O novo filme do Universo Marvel chega com muitas responsabilidades em suas costas. É o 30º filme da franquia e também o que fecha a Fase 4, fase esta marcada pela mediocridade, com apenas um filme acima da média (o ótimo Homem Aranha) e outro muito abaixo (o inacreditável Thor 4). Mas seu grande desafio era sobreviver a todos os percalços. O roteiro já estava pronto quando ocorreu a trágica morte do protagonista Chadwick Boseman e, numa decisão ousada, a Marvel preferiu matar o personagem do que reescalar o ator, o que indicava que o manto do Pantera Negra seria passado a outro personagem. Mais adiamentos vieram com a pandemia e mais outro depois que a atriz Letitia Wright atrasou as filmagens ao se recusar a se vacinar, além de rumores de que espalhava ideias conspiracionistas e negacionistas no set, gerando conflitos com seus colegas, o que ela negou. O fato do filme ter sido concluído era uma vitória por si só, mas ele ainda precisava estar à altura da expectativa de ser a continuação do que muitos consideram um dos melhores filmes da Marvel.
Ryan Coogler realizou um filme bastante diferenciado dos recentes da Marvel em vários aspectos. Ele investe muito na emoção e no drama, e o humor, embora continuamente presente, é perfeitamente regulado com todo o tom do filme. Esse talvez seja o acerto primordial de Coogler: o tom. Há uma unidade narrativa, dramática e estética que torna o filme sólido e com uma identidade própria. Visualmente, é quase tão impressionante quanto o primeiro, com destaque para os figurinos que trazem uma beleza fora do comum, sendo um instrumento de forte cristalização cultural das duas grandes nações representadas na história. A música também tem um papel muito proeminente não apenas na narrativa, mas na construção da identidade étnica dos povos do filme.
Muito bem cuidados também estão os personagens. Sendo a emoção e o drama os principais elementos, são nos personagens que o roteiro mais investe. Eles são sólidos, bem escritos, e muito bem defendidos pelo elenco. Letitia Wright mostra porque a Marvel teve tanta paciência com seu comportamento durante a produção, entregando uma Suri forte, decidida, mas também quebrada, amargurada e vingativa, e seu arco é bem construído. Angela Basset está majestosa como sempre, com sua emoção e realeza sempre à flor da pele. Danai Gurira tem seu melhor momento como Okoye até o agora e Dominique Thorn introduz bem a jovem Riri, a Coração de Ferro, mas que não tem tanto destaque como talvez muitos estavam esperando. Por outro lado, M'Baku tem participação bem limitada e com certeza poderia ter sido melhor aproveitado.
É um filme primordialmente feminino, e Coogler trabalha com isso tão organicamente, sem tentar chamar atenção para isso com momentos artificiais, que o público pode até demorar a perceber que existem apenas três personagens masculinos relevantes, sendo o mais importante o de Namor, o Príncipe Submarino em sua estreia no MCU. Seguindo suas origens nos quadrinhos, ele começa como o vilão, sendo o grande antagonista de Wakanda. Assim como o Killmonger do primeiro filme, sua “vilania” não é banal ou clichê, mas de um líder capaz de qualquer coisa para proteger sua nação secreta, inclusive aniquilar Wakanda ou qualquer outra nação da superfície. Sua origem foi repensada para o filme, baseando-se nas culturas Asteca e Maia, o que pode irritar os mais puristas, mas que está longe de ser um problema. O filme debate o colonialismo contemporâneo, onde nações poderosas ainda buscam pilhar outras à procura de valiosos recursos naturais, e o vibranium é o grande tesouro deste universo. Não é um debate que avance muito ao longo da história, mas é posto como um motor para diversas forças que se movem no filme.
O roteiro, infelizmente, peca em detalhes mais concretos da história. Existem várias facilitações para que a história avance, como um cativeiro excessivamente vulnerável, ou um abuso com a boa vontade do público em aceitar a “tecnologia mágica” de Wakanda, algo comum em ficção científica, mas que aqui permite o aparecimento de máquinas extraordinárias literalmente da noite pro dia, podendo gerar até confusões sobre o real tempo transcorrido entre uma cena e outra. O grande ápice dramático da conclusão é razoavelmente bem trabalhado, mas deixa a sensação de que algo falta, o que é parcialmente explicado em uma cena posterior, abrindo um caminho possível para os acontecimentos do próximo filme. Ao fim, consegue manter um ótimo ritmo, com boa fluidez, excelentes lutas, e seus 161 minutos nunca se arrastam. Os efeitos, muito bons no geral, pecam nas cenas de voo de Namor, que se move parecendo um videogame.
Wakanda Forever é uma obra que confia no seu poder emocional junto ao público. É tão bem resolvido nesse aspecto, que alguns problemas e fragilidades podem passar completamente despercebidos até uma análise posterior mais atenta. Até mesmo os créditos principais que rolam ao final seguem um padrão totalmente diferente de todos os demais filmes da Marvel, buscando uma sensibilidade única, o que é seguido também pela impactante cena pós créditos. Ainda que não atinja a excelência do primeiro, é facilmente o melhor filme da Fase 4 e com real potencial de dar fôlego a um projeto que começa a demonstrar sinais de desgaste. É um filme fiel aos seus temas, seus personagens e aos sentimentos destes, e que respeita as emoções do público. O legado do Pantera Negra segue invicto.
COTAÇÃO:
PANTERA NEGRA: WAKANDA PARA SEMPRE (Black Panther: Wakanda Forever, 2022 – EUA)
Com: Letitia Wright, Angela Bassett, Tenoch Huerta, Lupita Nyong'o, Danai Gurira, Winston Duke, Martin Freeman, Michaela Coel, Dominique Thorne e Julia Louis-Dreyfus.
Direção: Ryan Coogler
Roteiro: Ryan Coogler e Joe Robert Cole
Fotografia: Autumn Durald Arkapaw
Montagem: Kelley Dixon, Jennifer Lame e Michael P. Shawver
Música: Ludwig Göransson
Design de produção: Hannah Beachler
Figurinos: Ruth E. Carter
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