Por Ricky Nobre
A história sobre Neil Bogart, da gravadora independente Casablanca, é um projeto que circula em Hollywood desde 2010, e já teve Spike Lee atrelado a ele. Por fim, seu filho mais velho Timothy Scott Bogart levou o projeto adiante como diretor, roteirista e produtor. Ao levar às telas a história do pai, Bogart expõe sua absoluta falta de intimidade com todos os aspectos do cinema. Com apenas um filme no currículo (Páginas de uma Vida, 2005), ele comete uma sucessão de erros que beira o inacreditável.
É preciso admitir que o roteiro possui um recorte interessante. O principal foco do filme é mostrar como Bogart superou o início extremamente difícil da gravadora Casablanca, afogada em dívidas, com diversos grandes artistas no catálogo (Donna Summer, Kiss, George Clinton) que simplesmente não decolavam. Após a introdução desse panorama, há uma volta no tempo, mostrando como o protagonista, desde criança, sempre teve enorme sucesso em cada uma das muitas atividades a que se dedicou. Daí, o filme explora não apenas as tentativas de que a Casablanca decolasse, mas deixa no ar esse fantasma do fracasso que é completamente estranho ao personagem que, por seu histórico, se recusa a aceitar a derrota, levando-o a uma espiral de pressão que o leva às drogas.
Então o que dá errado? Basicamente todo o resto. Não se pode dizer se é por apego ao um conceito narrativo de colocar Bogart como constante narrador da própria história (ocasionalmente admitindo que possam haver exageros) e o quanto de memória afetiva do diretor possa estar envolvida ao lembrar das histórias contadas pelo pai. Ou apenas sua absoluta inabilidade em conduzir uma narrativa de forma cinematográfica, daí recorrendo a intermináveis narrações, tanto em “voice over” quanto o próprio personagem falando para a câmera. Provavelmente, é uma combinação dos dois. O filme é incansavelmente contado pelo protagonista em vez de pelas imagens, e muitos minutos de projeção se passam antes que os personagens finalmente tenham diálogos e algo de fato aconteça que não seja narrado.
As interpretações sofríveis parecem menos consequência do talento do elenco do que dos diálogos primários, dirigidos de forma tão canhestra que a única coisa que o diferencia de uma biografia da Lifetime é o orçamento. A música original é absurdamente piegas e parece ter saído de um catálogo de música para trailers. O sentimento de vergonha alheia provocado por várias cenas é constante, poucas vezes quebrado por algum raro momento de humor que funciona ou de drama que convence. Além disso, por mais que a semelhança física entre um personagem real e seu respectivo intérprete não seja, de forma alguma, importante, algumas escolhas de casting são bastante estranhas, como Tayla Parx que interpreta Donna Summer, que não tem rigorosamente nada a ver com a cantora.
O trabalho de câmera até busca alguma inventividade, alguma dinâmica, mas não vai muito longe. Em alguns momentos, principalmente nos momentos finais, fica a impressão que o diretor tinha o plano de realizar o filme como um musical mas não levou a ideia adiante, ficando apenas alguns resquícios que, dentro deste formato, teriam se encaixado melhor, dando um tratamento estilístico mais adequado aos diálogos cafonas.
É de fato lamentável que o projeto não tenha ido adiante com um cineasta talentoso no comando, pois havia muitos elementos interessantes a serem explorados. Mas chega a ser um pouco triste ver alguém fazendo algo de coração e falhar tão miseravelmente.
COTAÇÃO:
A ERA DE OURO (Spinning Gold, EUA – 2023)
Com: Jeremy Jordan, Michelle Monaghan, Jay Pharoah, Lyndsy Fonseca, Dan Fogler, Peyton List, Jason Isaacs, Tayla Parx, Ledisi, Wiz Khalifa e Sebastian Maniscalco
Roteiro e direção: Timothy Scott Bogart
Fotografia: Byron Werner
Montagem: Derek Ambrosi
Música original: Evan Bogart e Justin Gray
Design de produção: John El Manahi e Michele Laliberte
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