Por Ricky Nobre
FILME 4: A FRAGILIDADE DO GELO
Um filme que traz a inquietação de uma juventude que não se enquadra no modelo esperado, tanto pela cultura familiar chinesa quanto pelo projeto de nação do país. Em uma cidade fronteiriça com a Coreia do Norte, uma guia turística, seu amigo cozinheiro e um jovem técnico do mercado financeiro criam um repentino laço afetivo, onde, de alguma forma, reconhecem as dores um do outro, mesmo sem saber exatamente quais são. Feng sofre de depressão e foge das consultas do programa de saúde mental e tem pensamentos suicidas, pensamentos compartilhados por Nana, que sonha acordada com sua época de medalhista olímpica que ficou para trás após um acidente. Xiao não compreende esses pensamentos. Sua inquietação é por encontrar um lugar no mundo que ele ainda não sabe qual é.
A Fragilidade do Gelo é um filme que parece nascer desse sentimento pós pandemia de desejo por reconexão e, talvez mais ainda, pelo reencontro consigo mesmo a partir dessa quebra do isolamento. A câmera permanece muito íntima dos personagens, tanto em seus momentos juntos mas, principalmente, nos solitários. O diretor Anthony Chen não esmaga o público com todo esse peso existencial. A doçura do afeto entre eles nos envolve e traz para perto desses jovens que brincam de roubar livros e passeiam encostados na impenetrável fronteira com a Coreia.
Sintomaticamente, a melancolia vem em momentos de solidão, seja no canto de uma boate, seja numa praça de patinação, ou mesmo em seus sonhos, quando estão mais dentro de si mesmos. A decisão de quebrar o gelo que os imobiliza é individual, mas é o calor que emana da proximidade e do afeto entre eles que tornará isso possível. Um filme muito bonito que, apesar do peso da melancolia de seus personagens, deixa um sentimento muito bom no coração.
COTAÇÃO:
A FRAGILIDADE DO GELO (Ran Dong, China/Singapura – 2023)
Com: Dongyu Zhou, Haoran Liu e Chuxiao Qu
Direção e roteiro: Anthony Chen
Fotografia: Jing Pin Yu
Montagem: Hoping Chen e Mun Thye Soo
Música: Kin Leonn
FILME 5: UM BELO VERÃO
É impressionante a gama de oportunidades que a diretora italiana Laura Luchetti escolheu perder em Um Belo Verão. Desde o momento em que Amelia emerge na praia, o filme passa a sensação de que nos levará a uma jornada sensual, de mistérios e descobertas. A questão é, a partir de determinado momento, temos a impressão de que o filme, na tentativa de representar a confusão e falta de rumo da protagonista, fica ele mesmo confuso e sem rumo.
Uma história de amor lésbico que espera um tempo absurdo para acontecer tem como única cena de sexo uma que é hétero, longa demais e tão escura que sequer temos noção de como está sendo a experiência para a personagem (apenas temos noção disso algumas cenas depois). A forma como o filme evita a nudez de Amelia (à qual Ginia parece ansiar tanto), e tem como a única cena longa de nudez uma que termina em humilhação para Ginia, acaba dando a impressão de um moralismo bem tosco. O final, incrivelmente rápido e filmado ao longe, parece migalhas atiradas ao público que, apesar de tudo, torceu pelo casal. A cena das duas dançado no meio do filme é a síntese de tudo o que o filme se recusou a ser.
COTAÇÃO:
UM BELO VERÃO (La Bella Estate, Itália – 2023)
Com: Yile Yara Vianello, Deva Cassel, Nicolas Maupas, Alessandro Piavani e Adrien Dewitte
Direção e roteiro: Laura Luchetti
Baseado no livro de Cesare Pavese
Fotografia: Diego Romero
Montagem: Simona Paggi
Música: Francesco Cesari
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