FILME 19: INSHALLAH UM MENINO
É sempre um desafio para cineastas de países de cultura islâmica falarem sobre a condição feminina, mesmo um país menos repressor como a Jordânia. O desafio da protagonista de Inshalah um Menino é transitar através de todas as barreiras impostas às mulheres que, se por vezes não são legais, são culturais. A maternidade de Nawal é o centro de sua luta, seja no perigo de perder a guarda da filha que tem, a expectativa social em vir a ser mãe novamente e, especificamente, de um menino, seu direito à propriedade atrelada à maternidade, e seu papel na escolha de não maternidade de outra mulher.
O diretor Amjad Al Rasheed realiza um filme emocionalmente aberto, onde temos contato íntimo com os sentimentos de Nawal, que precisa lidar com o abandono que é ser uma viúva de um marido que não a amparou legalmente, deixando-a à mercê de parentes dele. Al Rasheed não se acanha em deixar um certo humor e leveza tomar o filme em alguns momentos, como um alívio ao peso emocional vivido por Nawal. É também curiosa a forma como lida com a realidade das opções às quais a protagonista dispõe: se por um lado ela luta ferozmente pelo que tem direito, com todos os métodos que consegue dispor, por outro existe um limite, que só pode ser transposto por algo semelhante a uma intervenção divina, ou um milagre, sendo sua luta também um exercício de fé.
COTAÇÂO:
INSHALLAH UM MENINO (Inshallah Walad – 2023)
Com: Mouna Hawa, Hitham Omari, Yumna Marwan, Salwa Nakkara, Mohammed Al Jizawi, Eslam Al-Awadi e Celina Rabab'a
Direção: Amjad Al Rasheed
Roteiro: Amjad Al Rasheed, Delphine Agut e Rula Nasser
Fotografia: Kanamé Onoyama
Montagem: Ahmed Hafez
Música: Andrew Lancaster e Jerry Lane
FILME 20: UM FARDO
Se Inshalah Um Menino oferecia a possibilidade de alguma leveza na discussão sobre realidade feminina na cultura islâmica, em Um Fardo a realidade é muito mais dura e desoladora. Num Yemen tomado pela guerra civil não há água corrente, há constantes falhas de energia, salários atrasam por meses e não há segurança nas ruas com diversos grupos armados. Nessa realidade, Ahmed, pai de três, não quer que a esposa Isra'a leve a quarta gravidez adiante, tentando convencer sua cunhada obstetra a realizar um aborto clandestino, baseado na interpretação do Alcorão de que não seria pecado até 120 dias de gestação.
Entre a pressão do marido e a recusa da irmã altamente religiosa, Isra'a vive a angústia de quem não quer de fato abortar mas não vê possibilidade de crescimento da família em um país miserável e abandonado. A câmera do diretor Amr Gamal nunca se aproxima de seus personagens para além do plano médio, como que numa tentativa de não individualizar um drama que é coletivo e nacional, ainda que as emoções e dilemas dos personagens sejam intensos. Um Fardo disseca como a interrupção da gravidez é um obstáculo não apenas legal em um pais autoritário e teocrata, mas também moral, cujas vias passam por fraudes, corrupção, mas, também, pela violação de consciências numa cultura onde a religiosidade permeia toda a existência dos indivíduos. Uma batalha onde se perde até quando se ganha.
COTAÇÂO:
UM FARDO (Al Murhaqoon – 2023)
Com: Khaled Hamdan, Abeer Mohammed, Samah Alamrani e Awsam Abdulrahman
Direção: Amr Gamal
Roteiro: Amr Gamal e Mazen Refaat
Fotografia: Mrinal Desai
Montagem: Heba Othman
Música: Ming-chang Chen
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