Por Ricky Nobre
O cinema de temática LGBT não é tão raro quanto se pensa.
Todo ano no Festival do Rio, por exemplo, existe uma mostra de filmes com esse
enfoque. É necessário, porém, ater-se ao cinema independente, pois fora dele a
produção sobre o tema é de fato muito escassa. Vez ou outra, algum desses
filmes quebra a barreira e atinge um público mais amplo. Com quatro indicações
ao Oscar, Me Chame Pelo Seu Nome chega com um hype considerável, alavancado
pelo grande sucesso do livro que o inspirou.
Numa vila do século XVII, ao norte da Itália, o jovem e
introvertido Elio passa o verão às voltas com seu piano e música clássica,
quando chega Oliver, um aluno de seu pai professor de arqueologia, para
trabalhar como seu assistente durante as férias. Após certo estranhamento
inicial, os dois passam cada vez mais tempo juntos até florescer um romance
entre os dois.
Nos dias de hoje, parece bastante relevante o “lugar de
fala” onde um grupo específico fala por si. O fato de André Aciman, autor do
livro original, ser hétero, assim como os atores principais Armie Hammer e Timothée
Chalamet, é suficiente para lançar certa controvérsia sobre a “autenticidade
gay” do filme. Ele, porém, passou por dois filtros mais do que relevantes: o do
diretor Luca Guadagnino e do roteirista James Ivory, ambos homossexuais assumidos.
Ivory, inclusive, que já abordou a homossexualidade na era vitoriana no belo
Maurice (1988), era o mais cotado para dirigir o filme. Porém, beirando os 90
anos de idade, não possuía mais fôlego para tal, e a cadeira do diretor passou
para Guadagnino.
Apesar da diferença entre os cinemas dos dois cineastas, o
filme de Guadagnino tem o DNA de Ivory espalhado por todo canto. É como se estivéssemos
vendo os velhos filmes repletos de beleza e elegância que a Merchant/Ivory
costumava produzir nas décadas de 80 e 90. A belíssima fotografia no calmo
cenário interiorano europeu constrói uma atmosfera onde até sofrer é algo a ser
feito elegantemente.
Talvez um grande erro que se cometa ao se construir
expectativas, ou mesmo ao “ler” o filme, é considerá-lo um exemplar de cinema gay,
quando a história é sobre o romance de dois jovens evidentemente bissexuais. E Guadagnino
claramente procurou contar uma história de amor sem qualquer contextualização
social ou política das questões LGBT. Isolados no tempo e no espaço (uma
cidadezinha no interior da Itália em 1983) Elio e Olive vivem uma paixão com
data de validade, um típico amor de verão, e não há problematização maior disso
além de um possível coração partido da moça com quem Elio se encontra.
É bastante curioso também o quanto que as cenas de sexo são
comportadas. Guadagnino já foi muito mais explícito ao retratar sexo hétero em
filmes como 100 Escovadas Antes de Dormir e Um Mergulho no Passado. Porém, quando
surge a oportunidade de lidar com sexo gay, com o qual ele seria supostamente
mais intimo, ele escolhe a discrição, suavidade e a sugestão. Não se sabe se
ele achou que “pesou a mão” nos filmes anteriores, se tentou fazer um filme mais
“amigável” para um público hétero mais vasto, ou se ele simplesmente achou que
esse era o tom correto para a história que estava contando, apesar de tanto o
livro de Aciman quanto o roteiro de Ivory conterem cenas de sexo bem menos
comportadas que o diretor acabou cortando ou suavizando.
De fato, existe um comedimento geral em Me Chame Pelo Seu
Nome. Nenhum dos dois protagonistas possui qualquer comportamento “afetado”,
assim como mantêm uma “aparência hétero” sólida. Na verdade, cada um tem um
perfil radicalmente distinto um do outro. Elio é um adolescente intelectualizado,
de compleição magérrima e personalidade reservada. Já Oliver é extrovertido,
atlético, com rosto, voz e cabelo perfeitos, o exato oposto de Elio, e os dois
acabam formando dois estilos de beleza e sensualidade masculinos bem específicos,
distintos e, honestamente, clichês. Essa “atração de opostos” poderia parecer
horrivelmente forçada, mas a verdade é que o roteiro é tão competente ao
conceber o romance entre eles e a química entre os atores é tão perfeita, que
compramos sem questionar esse caso de amor que parece ter sido feito sob medida
para encantar a públicos de quaisquer orientações sexuais sem causar
desconforto a ninguém.
Me Chame Pelo Seu Nome tem, assim, o imenso mérito de
sobreviver a todos os possíveis artifícios que poderiam torná-lo um filme
insípido e ser um filme verdadeiramente adorável, belo, sensual e agridoce. E talvez
a grande declaração política de Guadagnino neste filme tenha sido justamente a ausência
de uma. Ao mostrar um romance entre homens sem ataques homofóbicos, sem vergonha
(no melhor dos sentidos), onde o jovem Elio ainda pode contar com os melhores
pais do mundo para apoiá-lo, Guadagnino cria um idílico mundo ideal onde um
amor é apenas um amor, que já pode ser belo e sofrido o suficiente, sem o peso
que a sociedade impõe.
COTAÇÃO:
ME CHAME
PELO SEU NOME (Call Me By Your Name, 2017)
Com: Armie
Hammer, Timothée Chalamet, Michael Stuhlbarg, Amira Casar e Esther Garrel.
Direção: Luca
Guadagnino
Roteiro: James Ivory, baseado no livro de André Aciman
Fotografia: Sayombhu Mukdeeprom
Montagem: Walter Fasano
INDICAÇÕES AO OSCAR:
Melhor filme
Melhor ator: Timothée Chalamet
Roteiro adaptado: James Ivory, baseado no livro de André
Aciman
Canção original:
"Mystery of Love" por Sufjan Stevens
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