Clint Eastwood é uma figura única em Hollywood. O cowboy
bronco, de pouquíssimas palavras, policial
linha-dura-bandido-bom-é-bandido-morto-make-my-day, é também um cineasta
incrivelmente sensível e brilhante, capaz de obras como Bird e Os Imperdoáveis.
O mais liberal dos republicanos é também um artista incansável, que continua a
todo vapor do alto de seus 87 anos de idade. Além de muitas histórias
originais, Clint gosta de contar histórias reais que o impressionaram, como nos
filmes gêmeos A Conquista da Honra / Cartas de Iwo Jima, e também Bird, A
Troca, Invictus. J. Edgar e o recente Sully. Este último, mostra um caso bem
recente de um ato de heroísmo de um cidadão comum, e é exatamente este mote que
é repetido em seu mais recente filme, 15h17: Trem Para Paris.
A menos de três anos, em agosto de 2015, três amigos
americanos e um cidadão francês salvaram incontáveis vidas ao conter um
terrorista árabe em um trem que ia em direção a Paris. Clint não perdeu tempo
em transpor para a tela um caso tão recente e o faz com pelo menos uma grande
sacada: os três amigos que protagonizaram o evento (Spencer Stone, Anthony
Sadler e Alek Skarlatos) aparecem no filme interpretando eles mesmos.
O filme é estruturado usando flashbacks, onde os momentos
que precedem o ataque ao trem e seu início são intercalados com o passado dos
três amigos desde a infância. A partir da vida adulta, o protagonismo fica com
o personagem de Stone e suas sucessivas tentativas frustradas de participar de
posições relevantes nas forças militares americanas. É justamente a partir daí
que a estrutura do filme começa a ficar problemática. Na fase adulta dos
amigos, as cenas “futuras” do ataque ao trem ficam cada vez mais raras e menores,
ao ponto de uma cena ser tão rápida que chega a ficar estranha. Quando os
amigos partem para a Europa, as cenas do trem cessam, e vemos uma sucessão de
sequências dos personagens visitando grandes pontos turísticos do continente em
cenas sem qualquer atrativo ou interesse, com especial destaque a diálogos da
mais absoluta banalidade.
A decisão de Clint de fazer os participantes reais de um
evento tão recente interpretarem eles mesmos acabou determinando a forma como o
filme se apresenta ao público, deixando uma clara impressão de que se procurou
preservar ao máximo a “realidade dos fatos”, sem nenhuma firula para deixar as
cenas mais interessantes do que realmente foram, mantendo até mesmo a
trivialidade das conversas vazias durante a viagem. Até mesmo o encontro deles
com uma moça americana (que também interpreta a si própria) em Veneza é
reproduzido, mesmo que não tenha qualquer impacto na história que está sendo
contada.
Quanto o ataque finalmente chega, ele é rapidamente
resolvido (como foi na realidade), mas tem a vantagem de ser de fato muito bem
filmado. É o ponto alto de um filme que falha em construir uma sensação real de
“crescendo” de tensão da aproximação de um perigo eminente. A maior parte do
tempo, 15h17: Trem Para Paris é uma espécie de “pós-reality show”, que reencena
a realidade com uma trivialidade que poderia ser muito interessante, mas
funciona apenas parcialmente em sua primeira metade e entra em colapso quando
os amigos chegam na Europa. A participação do cidadão francês no evento é
praticamente apagada e sua história sequer é contada, em parte porque ele
preferiu o anonimato por questões de segurança, o que acaba se tornando muito
conveniente para manter o protagonismo da história com os americanos, algo que,
vejam vocês, é ironizado em uma cena em Berlin, no bunker de Hitler. O pouco
planejamento e a curta duração do filme (com 94 minutos é o filme mais curto do
diretor), Trem para Paris talvez revele o peso da idade em Clint. Ou, talvez,
apenas a teimosia em tirar um filme de onde não tinha.
COTAÇÃO:
15h17: TREM PARA PARIS (The 15:17 to Paris)
Com: Spencer
Stone, Anthony Sadler, Alek Skarlatos, Ray Corasani, Judy Greer, Jenna Fischer
e Isabelle Risacher Moogalian.
Direção:
Clint Eastwood
Roteiro: Dorothy
Blyskal, baseado no livro de Spencer Stone, Anthony Sadler, Alek Skarlatos e Jeffrey
E. Stern
Fotografia: Tom Stern
Montagem: Blu Murray
Música: Christian Jacob
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