por Ricky Nobre
ATENÇÃO: OS TEXTOS DESTA SÉRIE SOBRE STAR WARS CONTÉM SPOILERS!!!
Não há outra forma de dizer isso, além de bem direta: Star Wars
é um verdadeiro clássico do cinema. Assim como os contemporâneos e
amigos pessoais de Lucas criaram na década de 70 clássicos
inquestionáveis, como Spielberg com Tubarão, De Palma com Carrie, Scorcese com Taxi Driver e Coppola com O Poderoso Chefão, ele criou Star Wars ou, como os brasileiros acima dos 40 conhecem, Guerra nas Estrelas.
Se hoje ele não é percebido desta forma, a culpa é do próprio criador.
Ao alterar sistematicamente o filme desde 1997, com mudanças menores em
2004 e 2011 (da mesma forma com os dois filmes seguintes), George Lucas,
em sua busca por diminuir o abismo técnico e estético com a trilogia
prequel, foi descaracterizando seu trabalho, tola e inutilmente tentando
esconder que se tratava de um filme produzido em 1977,
descontextualizando-o do momento histórico altamente relevante pelo qual
Hollywood passava naquela década.
O
desejo de Lucas de tornar a saga uma experiência capaz de ser apreciada
como uma história única, do episódio I ao VI, não apenas o levou a
intermináveis alterações, mas modificou também a percepção do público.
Espremido entre os excelentes episódios III e V, Uma Nova Esperança (como foi rebatizado em 1981) tem seu frescor e extraordinária originalidade diminuídos e ofuscados. E era isso que Guerra nas Estrelas era originalmente: um filme maravilhosamente simples, divertido e, pela forma como reciclou tudo que veio antes dele, novo!
Desde
fins da década de 60, a cultura ocidental foi bombardeada por uma
enorme descrença nos governos, desesperança no futuro e cinismo diante
da realidade. O cinema e as artes em geral refletiam isso. O simplismo
maniqueísta bem x mal já não convencia ninguém. Os finais felizes não
apenas deixaram de ser uma regra como passaram soar como uma mentira.
Filmes como Chinatown, Um Dia de Cão, Perdidos na Noite, Rede de Intrigas, Operação França e tantos outros pareciam sepultar o verniz otimista e moralista da Hollywood clássica.
Então,
dois anos após o fim da guerra do Vietnã, fato que mudou radicalmente a
percepção dos americanos em relação ao seu governo, aparece um conto
simples sobre um rapaz fazendeiro, uma princesa guerreira, um
contrabandista, um velho meio eremita meio mago e um vilão oculto numa
armadura sinistra que ocuparam um lugar muito especial no imaginário do
público. Um filme escapista de aventura e fantasia, com o bem e o mal
muito bem definidos e inquestionavelmente separados. Um filme com forte
apelo infantil, porém realizado com excelência tal que seria capaz de
conquistar adultos sem esforço. E em vez de ser rechaçado por um público
já entregue à desesperança e ao cinismo, foi calorosamente abraçado,
como que libertando a todos de uma asfixia.
Não
vamos entrar no mérito das dificuldades absurdas enfrentadas por Lucas
na produção do filme. Basta dizer que, analisando todas as histórias
escabrosas da produção, podemos dizer, sem nenhum medo de errar, que foi
um absoluto milagre o filme ter ficado pronto. E mais miraculoso foi
ter alçado o primeiro lugar em bilheteria mundialmente.
"E para de andar com seus amigos rebeldes maconheiros! Já pro seu quarto!"
Como todos sabem, esta pequena fatia da grande história de Star Wars
foi escolhida para ser filmada primeiro pois Lucas acreditava que era a
que melhor se adaptava para funcionar como um filme único. Ele sabia o
que estava fazendo. Apesar de ter esse ambicioso plano de múltiplos
filmes, ele procurou cativar o público com uma história mais simples,
direta que pudesse começar e terminar de forma independente. Lucas
sempre soube ganhar dinheiro.
Porém,
uma vez que estamos nessa série de postagens analisando a saga em ordem
cronológica da história, como de fato é este Episódio IV e como ele se
conecta com os anteriores? Sendo honesto, muito bem em alguns momentos,
muito mal em outros.
O
grande problema deste filme assistido à luz da trilogia prequel é que o
encanto de sua ingenuidade original, responsável por seu enorme
carisma, se apaga, ofuscado pelo intenso drama do Episódio III e pela
prévia perda de inocência do público, pois ele já sabe que bem e mal ali
não são uma certeza definida, um estado permanente, inerente. Ver Darth
Vader e saber que ali está Anakin Skywalker dá ao público de hoje uma
dimensão talvez até mais condizente com o espírito dos anos 70, mas que o
filme original, em seu estado puro, venceu e conquistou. De certa forma
compreende-se perfeitamente os que preferem a trilogia original ser
assistida antes dos prequels. Num macrocosmo, a escuridão da nova
trilogia (primordialmente, o Episódio III), obscurece a inocência do
Episodio IV. Em microcosmo, a analogia é perfeita: tecnicamente, por
mais que Lucas futuque obsessivamente a trilogia original e este filme
em particular, o abismo técnico e estético é incontornável. Simplesmente
aceitá-lo, por mais doloroso que possa ser para o criador, causaria
menos danos. Ao afogar Mos Esley com figuras CGI, inclusive em tolas
situações cômicas, torna os efeitos especiais e criaturas originais
ainda mais datadas do que já são, tirando até um pouco da dimensão da
absoluta maravilha que é o design deste filme e do testemunho histórico
daqueles que foram, disparados, sem concorrência, os melhores efeitos
especiais já vistos até aquele momento. Múltiplos são os depoimentos do
impacto dos primeiros segundos de filme, com o destroyer imperial
passando lentamente pela tela. Ninguém jamais havia visto nada parecido. Por outro lado, mais recentemente, com a produção dos filmes intermediários, a percepção se altera novamente. A simples cena final de Rogue One, onde Leia recebe os planos roubados e diz que ali está a esperança, acende uma luz sobre o Episódio IV, como quem diz que está na hora da luz voltar não só àquela galáxia, mas à própria franquia.
Exatamente
da mesma forma, a história sofre. Apesar de ter a história na cabeça em
linhas gerais, Lucas não pensou em tudo previamente. E ao escrever os
prequels, não se importou com inconsistências. Ver Obi-Wan sem
reconhecer R2D2 é absolutamente incompreensível para um espectador novo
(o que só reforça o erro que foi insistir em pôr os androides nos
prequels). Vader fica numa posição estranha, não parece ser "O" homem de
confiança do imperador, mas um capanga de luxo (Leia chega a comentar
sobre Tarkin "segurar a coleira de Vader"). Por outro lado, a super
clássica fala "acho sua falta de fé perturbadora" e sua respectiva cena,
cresce enormemente ao sabermos estar ali Anakin, inabalável em suas
convicções, alertando a todos o quanto a arrogância tecnológica é
"insignificante diante do poder da Força". Definitivamente, é a cena que
mais se beneficia com os prequels.
Incontornável
também é a tão esperada revanche entre Vader e Obi-Wan. A luta dos dois
foi exatamente o que poderia ser em 1977, com um ator sexagenário e um
fisiculturista numa armadura, sem nenhuma das facilidades atuais de CGI,
que fizeram atores bem mais velhos tornarem-se mestres espadachins nos
filmes mais recentes. Embora perfeitamente satisfatória para a época, a
luta entre os dois torna-se um constrangedor anti clímax. Quem acabou de
ver no filme anterior uma batalha épica, que parecia travada no próprio
inferno, pode ter uma imensa decepção ao ver a revanche os antigos
amigos. E isso não é culpa de ninguém. É simplesmente o que é.
Entretanto, chama a atenção Obi-Wan chamando Vader de “Darth”, como se
fosse um primeiro nome e não um título de um lorde Sith. Deixa claro que
era uma parte da história que Lucas ainda não havia pensado.
Com
tudo isso, podemos compreender também aqueles que preferem ver apenas a
trilogia original, e sem nenhuma das alterações posteriores, algo que
Lucas tenta evitar a todo custo. Em 2006 a trilogia original inalterada
foi lançada finalmente em DVD, porem a partir de uma master feita em
1993, com qualidade técnica sofrível. Hoje já está fora de catalogo, mas
dá pra achar nos torrents da vida, assim como as "edições
desespecializadas" em que fãs reconstruíram as versões originais em
excelente qualidade, num esforço hercúleo.
Star Wars
chegou aos cinemas exatamente no momento certo para ser avidamente
absorvida pela cultura pop, tornando-se mesmo uma parte essencial dela. É
inquestionavelmente um trabalho muito pessoal de Lucas. Ali, ele forjou
o mais perfeito amálgama de todas as suas influências como artista: os
filmes de Kurozawa, os seriados de Flash Gordon e Buck Rogers, westerns,
filmes sobre a segunda guerra mundial, e uma fascinação obsessiva pela
obra de Joseph Campbell. E da mesma forma em que ele pegou toda essa
cultura pré-existente e transformou em algo totalmente novo e original,
John Williams fez exatamente o mesmo ao tomar o romantismo do século
XIX, o estilo clássico dos compositores de Hollywood, morto e enterrado
nos anos 70, e promover um renascimento das grandes trilhas sonoras
sinfônicas, porém imprimindo-lhes modernidade. Esse foi o nível de
compreensão de Williams sobre o que Lucas estava tentando fazer com Star
Wars. Não é a toa que, na batalha sangrenta que foi cada fase da
produção do filme, a música foi a único setor que não apenas não
apresentou problemas e atingiu suas expectativas, como as superou.
Em
ultima análise, com ou sem prequels, com ou sem novas cenas e efeitos
CGI, com ou sem contexto histórico, o que permanece no episódio IV?
Permanece uma história heroica, simples, engraçada, divertida, com
visuais que impressionam quase 40 anos depois, música espetacular,
elenco perfeitamente escalado, um vilão histórico e, como não podia
faltar, alguns diálogos bem estranhos (como os atores viviam dizendo no
set, “quem é que fala desse jeito?”).
E antes que se esqueça,
HAN SHOT FIRST!!!
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