Por Ricky Nobre
Para o público brasileiro, que não faz ideia de quem foi o
apresentador infantil Fred Rogers, o novo filme da diretora Marielle Heller
pode não ter tanto impacto ou interesse. O programa MisteRogers' Neighborhood
foi ao ar entre 1968 e 2001, um dos mais longos da história da TV. Nele, com
seu estilo suave e simpático, Mr. Rogers falava de todo o tipo de assuntos com
crianças em idade pré escolar, ensinando-as a lidar com os mais variados
sentimentos e foi um fenômeno que encantou diversas gerações de crianças
americanas com simpatia, fantoches e músicas fofinhas.
O novo filme da diretora de Poderia Me Perdoar? é muito
livremente baseado no artigo da revista Esquire publicado em 1998, onde o
jornalista Tom Junod narrava como o trabalho de entrevistar Rogers teve uma
influência profundamente marcante em sua vida. Apesar da essência se manter, a
história diverge tanto da experiência de Junod que até o nome do personagem foi
mudado. No filme, Lloyd Vogel é um jovem pai que tem sérios problemas de
relacionamento com seu próprio pai, que chega às raias da violência física. Com
uma reputação de sempre falar mal de seus entrevistados em seus textos, ele já
não consegue quem aceite ser entrevistado por ele. Mr. Rogers aceita recebê-lo
e acaba, com seu trato social extremamente peculiar, fazendo Lloyd
confrontar-se com seus medos e sua raiva do pai.
Sabendo das grandes diferenças do roteiro com o jornalista
real, é curioso perceber que Mr. Rogers e sua forma de lidar com as pessoas é
muito mais fiel à realidade. Ele sempre foi considerado uma pessoa difícil de entrevistar
pois ele passava a maior parte do tempo conversando e procurando ser amigo da
pessoa em vez de responder às perguntas. Tom Hanks dá seu show habitual na
difícil tarefa de retratar essa personalidade incomum, que mescla uma aparência
de extrema ingenuidade com pensamentos de profunda sabedoria e uma genuína
vontade de ajudar.
O fascínio que Mr. Rogers gera em Lloyd, um homem de
sentimentos conturbados e personalidade reservada, leva o jornalista a querer
se aprofundar mais e mais na pessoa e no trabalho daquele que deveria ser, a
princípio, apenas um texto de alguns parágrafos, levando-o a um processo de
autoconhecimento. Uma abordagem interessante do filme é começar a apresenta-lo
como um episódio normal de Mr. Rogers, sendo Lloyd e seus problemas de raiva e
rancor o assunto do dia. Até as transições entre as cenas, quando muda o local
da ação, são feitas com cenas de maquetes como no programa original. O
contraste entre o turbilhão de Lloyd e seu realismo cru e a serenidade de
Rogers com seu tom irreal de “terra do faz-de-conta” é bem trabalhado, com
espaço para sutilezas que mostram o próprio Rogers lidando com sentimentos
negativos em alguns momentos, detalhes que só são possíveis graças ao excelente
trabalho de Hanks.
Um Lindo Dia na Vizinhança consegue com sucesso algo que
poderia facilmente cair no ridículo ou na condescendência, que é traçar um
paralelo entre as inabilidades de adultos de lidarem com suas emoções com as de
crianças que ainda não aprenderam a fazer isso. O filme, ao mesmo tempo em que
celebra o legado de Mr. Rogers, que ensinou diversas gerações de crianças a
conhecerem as próprias emoções e lidarem com diversos problemas da vida,
retrata as dificuldades vividas por adultos que não amadureceram essas
habilidades na época correta, mas mostra, também, que nunca é tarde para
aprender, e que tristeza, raiva, vergonha, são coisas que sempre farão parte de
nossas vidas, porém cabe a nós não permitirmos que esses sentimentos nos dominem.
COTAÇÃO:
INDICAÇÃO AO OSCAR:
Melhor ator coadjuvante: Tom Hanks
UM LINDO DIA NA VIZINHANÇA (A Beautiful Day in the
Neighborhood, 2019)
Com: Matthew
Rhys, Tom Hanks, Chris Cooper, Susan Kelechi Watson e Maryann Plunkett.
Direção: Marielle
Heller
Roteiro: Noah
Harpster e Micah Fitzerman-Blue
Fotografia:
Jody Lee Lipes
Montagem: Anne
McCabe
Música: Nate
Heller
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