Por Ricky Nobre
O sucesso do livro Little Women (Mulherzinhas, no título
brasileiro), de Louisa May Alcott, é algo verdadeiramente raro. Lançado em
1868, ele permanece conquistando, geração a geração, meninas e jovens mulheres,
mesmo hoje em dia, 150 anos depois de sua publicação inicial. É também um dos
livros mas obcessivamente adaptados para as telas. Teve nada menos que seis
versões para o cinema (1917, 1918, 1933, 1949, 1994 e 2019) e incontáveis
adaptações para a TV, entre filmes, séries, minisséries e até duas séries
japonesas diferentes em anime e uma série turca adaptada para os dias atuais! Esta
mais recente versão vem sendo desenvolvida desde 2010, com diversas roteiristas
e diretoras trabalhando no projeto sem sucesso (deu até tempo de sair mais duas
versões para a TV...). Quando Greta Gerwig, após seu sucesso com Lady Bird, foi
convidada para escrever e dirigir a nova versão, o projeto finalmente
desempacou.
Jo March em quatro versões.
Uma das principais características desta nova versão e das
que mais se diferencia das demais adaptações é sua estrutura narrativa
acronológica. Originalmente, o livro foi lançado em duas partes: a primeira
narrando a juventude das quatro irmãs e a segunda, o início da idade adulta. Gerwig
alterna essas linhas de tempo com constantes flashbacks, apresentado diversas
situações já definidas para, posteriormente, mostrar suas origens. A princípio,
o público pode se confundir um pouco com as idas e vindas e até demorar para
perceber a mudança de tempo, o que é passado e o que é futuro mas, com o
desenvolvimento, fica mais fácil acompanhar. Ajudando a diferenciar as épocas e
refinando o tom da narrativa, Gerwig usa cores quentes e douradas no passado,
uma época, mesmo com as dificuldades, mais simples e inocente, e tons azulados
e frios no presente, refletindo as incertezas das personagens. Esta não foi a
única escolha criativa das cores: cada irmã tem sua própria paleta de cores que
compõe seus figurinos.
Adoráveis Mulheres de Gerwig é uma experiência muito bela
visualmente, com uma fotografia com ares de pintura clássica dos séculos XVIII
e XIX. Sem qualquer arroubo moderninho estilo Maria Antonieta de Sophia
Coppola, a cineasta discute a condição feminina na sociedade americana do
século XIX e, com sutileza e sem discursos pobres, sua relevância hoje. Nas
personalidades e destinos de cada irmã, temos a que se recusa a jogar pelas
regras que foram impostas pela sociedade machista; a que tem consciência de
que, nessa realidade, o casamento é uma escolha econômica consciente; e a que
sonhou casar por amor, ter uma família e cuidar dos filhos. São todas escolhas
válidas não apenas refletindo o que cada uma sonha para si mesma mas quais
lutas cada uma está disposta a lutar e em qual intensidade. E é muito
interessante como Gerwig escolhe essa abordagem que dá um olhar contemporâneo
ao filme, porém mantendo uma estética clássica.
E a essa estética contribui muitíssimo a música de Alexandre
Desplat. Não seria surpresa alguma se Gerwig tivesse textualmente pedido para
que Desplat se tornasse John Williams e este o fizesse sem ressalvas. Não
apenas o estilo musical e orquestral evoca Williams mas também suas escolhas de
scoring, sobre como e quais cenas representar musicalmente, e tudo isso sem que
se pareça uma imitação, mas sim o trabalho de um compositor maduro baseado no
estilo de um mestre. O resultado é belo, romântico e adorável como o próprio
filme, e Desplat cada vez mais se firma como uma das melhores coisas da música
de cinema atual.
O elenco é perfeito, com destaque especial à Saoirse Ronan (que
caminha para se tornar o alter ego recorrente de Gerwig nas telas) e Florence
Pugh, cuja carreira teve uma ascensão meteórica recentemente e entrega aqui uma
Amy que, se é quase tão “pirralha irritante” na juventude quanto nas versões
anteriores, como adulta é determinada, firme e lúcida e Pugh a defende
belissimamente.
Mas é no final que Gerwig tira seu ás da manga. Partindo do
fato de que a autora Louisa May Alcott baseou sua protagonista Jo em si mesma, a conclusão
deixa o destino amoroso da personagem deliberadamente em aberto: teria ela
seguido o destino descrito no livro, ou o que a autora queria antes da
imposição do editor? A forma como este final é apresentado é esperta, bela e
ligeiramente irônica e fecha o filme em si mesmo de forma perfeita. E fins
perfeitos são uma raridade. O trabalho de Greta Gerwig, apesar de bom, foi um
tanto superestimado em Lady Bird. Aqui, ela se cresce incrivelmente como
roteirista e diretora e garante que as meninas e mulheres dos próximos 20 anos
terão uma bela versão de Little Women para chamar de sua.
COTAÇÃO:
INDICAÇÕES AO OSCAR:
Melhor filme
Atriz: Saoirse Ronan
Atriz coadjuvante: Florence Pugh
Roteiro adaptado: Greta Gerwig
Música original: Alexandre Desplat
Figurino: Jacqueline Durran
ADORÁVEIS
MULHERES (Little Women, 2019)
Com: Saoirse
Ronan, Emma Watson, Florence Pugh, Eliza Scanlen, Laura Dern, Timothée Chalamet,
Chris Cooper e Meryl Streep.
Direção e roteiro: Greta Gerwig
Fotografia: Yorick Le Saux
Montagem: Nick Houy
Música: Alexandre Desplat
Direção de arte: Jess Gonchor
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