Por Ricky Nobre
Ainda não sabemos como historiadores, jornalistas e a
população em geral irá se lembrar deste período atual daqui a 30 ou 40 anos,
mas podemos agora dizer que estamos em um momento muito delicado com uma
crescente simpatia mundial por ideais fascistas. Já a algum tempo, também temos
discussões cada vez mais intensas sobre os limites do humor e do quanto certos
tipos de humor ofensivo devem ou não ser evitados. Neste contexto, o cineasta
neozelandês Taika Waititi realizou aquele tipo de filme capaz de destruir
carreiras. Não pelo que o filme é, mas pela forma como poderia ser percebido.
O jovem alemão Jojo (Roman Griffin Davis), de 10 anos, faz
parte de Juventude Hitlerista durante a 2ª Guerra. Ele é tão obcecado pelo
Terceiro Reich que seu amigo imaginário é o próprio Adolph Hitler (Taika
Waititi). Sua mãe (Scarlett Johansson), uma mulher alegre e vibrante, tenta
lidar com o fanatismo do filho e com a ausência do marido, que Jojo sabe que
está no front. O mundo do menino estremece quando encontra Elsa (Thomasin
McKenzie), uma menina judia escondida em seu porão. Mesmo odiando judeus, Jojo
não a denuncia, por medo de que o governo julgasse que ele e a mãe a estavam
escondendo. A relação entre os dois trará grandes conflitos internos ao menino.
Waititi sempre teve seu humor peculiar. Aqui, ele não se
furta a momentos que muitos possam achar desconfortáveis, como lançar mão de
humor com crianças se ferindo seriamente, ou sobre a alegria com que nazistas
realizam tarefas corriqueiras, como ensinar a crianças que judeus são demônios e
queimar livros. Hitler como amigo imaginário e coach motivacional de Jojo é o
tipo de brilhantismo que pode escapar a quem tem restrições em como lidar com
sua figura histórica e com o nazismo em si. O Hitler afetado e pateta não é
tanto uma crítica ao homem em si (embora também seja) quanto é a interpretação
que uma criança tem do “mito”, dentro de sua lógica infantil e de sua
necessidade de criar um substituto para sua figura paterna.
Em sua forma, o que mais chama a atenção é a imensa semelhança
com a linguagem e a estética de Wes Anderson. Muito além de uma simples
bizarrice, foi uma escolha consciente que compõe a sátira que Waititi constrói,
por mais incomum que seja um cineasta utilizar da iconografia de um
contemporâneo seu como elemento básico de seu filme, ainda que se trate de uma
sátira. É muito curioso notar que, enquanto vários críticos julgaram que ele
passou dos limites, muitos fãs do cineasta acharam que ele se conteve de seu
humor habitual mais escrachado e iconoclasta. Com uma visão específica do que
queria, Waititi não joga piadas fora. Elas sempre são uma peça de sátira ao
fascismo em suas diferentes faces e expressões. Ele também não se furta a
surpreender o público já relaxado com o humor do filme e, sem aviso, acertar o
espectador na cara com momentos trágicos, não nos deixando esquecer da natureza
sombria do alvo de sua sátira.
Nada disso funcionaria tão bem sem o excelente elenco.
Apesar do personagem de Sam Rockell carecer de melhor desenvolvimento e Rebel
Wilson ser só uma figurante de luxo, quarteto principal é excelente,
principalmente o jovem Davis, capaz de muita solidez tanto da comédia quanto no
drama. Destaque também para o (segundo) melhor amigo Yorki (Archie Yates),
engraçado e fofo, um nazistinha que vai conquistar muitos corações.
Waititi estava perfeitamente ciente do vespeiro em que se
metia. Ele chegou a declarar que o motivo pelo qual ele próprio interpretou
essa versão cômica de Hitler foi porque sabia que seria impossível encontrar um
ator que aceitasse fazê-lo. E, embora parte de crítica, principalmente a
americana, tenha criticado pesadamente o filme, alguns até classificando-o de
antissemita, o sucesso junto à maioria dos críticos, ao público e em mostras e
festivais provou que o roteirista e diretor sabia o que estava fazendo.
COTAÇÃO:
INDICAÇÕES AO OSCAR:
Melhor filme
Atriz coadjuvante: Scarlett Johansson
Roteiro adaptado: Taika Waititi
Montagem: Tom Eagles
Figurino: Mayes C. Rubeo
Direção de arte: Ra Vincent e Lee Sandales
JOJO RABBIT (2019)
Com: Roman Griffin Davis, Taika Waititi, Scarlett Johansson,
Thomasin McKenzie, Sam Rockwel, Rebel Wilson e Archie Yates.
Direção e roteiro: Taika Waititi
Fotografia: Mihai Malaimare Jr.
Montagem: Tom Eagles
Música: Michael Giacchino
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