Por Ricky Nobre
Aaron Sorkin é um mestre das palavras. Criador e roteirista das séries Westwing e Newsroom, Sorkin se destacou no cinema com os roteiros de A Rede Social e Steve Jobs. Nestes, assim como no de A Grande Jogada, sua estreia na direção, existe um padrão claro: histórias reais, ligadas às biografias de figuras proeminentes, onde o autor se sente completamente à vontade para florear a realidade a seu critério. Com o argumento de tornar as histórias mais próximas da “essência” da realidade do que dos fatos em si, Sorkin cria incidentes, inverte a ordem de eventos, inventa personagens e situações. Isso não é, de forma alguma, novo na forma como Hollywood filma “histórias reais”. Até certa medida, são artifícios úteis e, até mesmo, necessários para que uma história mais complexa caiba nas limitações de um filme entre 2 a 3 horas. Mas Sorkin se notabilizou, além dos seus diálogos marcantes e elaborados, por abusar desse recurso.
Os Sete de Chicago traz a história do julgamento de cunho claramente político, onde Nixon queria usar sete ativistas que participaram das manifestações durante a convenção do Partido Democrata em Chicago, em 1968, como exemplo de uma oposição a qual não toleraria em seu governo, onde a demanda principal dos manifestantes era o fim da guerra no Vietnã. Num jogo de cartas marcadas, onde o veredito é decidido previamente ao julgamento, a defesa dos réus nada contra a maré, onde cada prova, cada argumento em favor dos acusados parece não servir de nada.
Os Sete de Chicago começou como um projeto de Steven Spielberg há 15 anos, quando este pediu a Sorkin que desenvolvesse um roteiro sobre o famoso julgamento. O projeto foi sendo adiado por diversos motivos, incluindo uma greve de roteiristas, até que o cineasta desistiu do filme e Sorkin acabou assumindo a produção. Talvez a maior qualidade do filme, além de trazer um fato tão marcante da História dos EUA ao público atual, seja o resgate das noções de democracia, direitos civis e humanos e liberdade, principalmente em momentos em que essas noções são negadas e combatidas, e Sorkin sabe muito bem o quanto isso ressoa no contexto político atual. Uma discussão muito pertinente é sobre as diferentes visões dos ativistas, polarizadas principalmente em Tom Hayden, o personagem pragmático de Eddie Redmayne, um idealista sim, mas que acredita que o sistema funcione a ponto de lutar para mudar a realidade social dentro deste mesmo sistema, e o iconoclasta Abbie Hoffman, vivido por Sacha Baron Cohen (em excelente forma), que crê que o sistema foi feito para funcionar contra qualquer mudança real, e que, se tudo não passa de um circo, então ele será o palhaço que esfrega a realidade na cara de todos. E um vê o outro como ameaça para uma revolução real.
Sorkin continua brilhando nos diálogos, mantendo seu estilo onde assuntos sérios são tratados com uma verve, uma acidez tão precisa, que o tom humorístico se torna inevitável. Construir um drama de tribunal sobre os sete de Chicago como se fosse, em boa parte, uma comédia é um risco que só quem tem um texto afiado como ele pode correr. Da mesma forma que em seus roteiros anteriores, é possível argumentar que ninguém, no mundo real, fala daquele jeito. Mas este é seu estilo, a marca de um filme de Sorkin. Ele, porém, sabe o limite de seu humor e, a partir de determinado ponto, onde um personagem é humilhado ao extremo em plena corte, o humor torna-se quase inexistente.
A montagem é inteligente ao trabalhar depoimentos, testemunhos, conversas e flashbacks, formando um tecido narrativo que conta a história de forma inteligente e envolvente. Por vezes, porém, o filme se detém apenas para que algum personagem fale, mas seria esperar demais que o Sorkin diretor não demonstrasse momentos de paixão pelo próprio texto. O elenco em geral, se sai muito bem, com destaque ao juiz vivido pelo grande Frank Langela, que compõe uma mistura de demência e crueldade que, por vezes, são indiscerníveis, mais uma vez, ecoando em figuras do presente. O personagem do promotor Richard Schultz, vivido por Joseph Gordon-Levitt, se destaca por fugir do clichê do antagonista unidimensional, mas o fato é que o promotor real era tão inflexível e fiel ao seu chefe quanto era de se esperar, e qualquer resquício de ética e humanidade vinda dele é a típica ficção de Sorkin, assim como a policial infiltrada que é, ela própria, totalmente ficcional, e serve para sintetizar o trabalho de todos os policiais infiltrados nas manifestações.
Mesmo com as liberdades criativas, o filme se mantém forte em sua proposta e seu impacto. A grande falha, porém, vem em sua conclusão. O clímax do julgamento, próximo ao veredito, não é apenas uma cena muito vagamente baseada no que outro personagem (o pacifista Dillinger) tentou fazer no julgamento real mas foi imediatamente impedido. A cena é montada exatamente como o mais antigo e cafona clichê de momento emocional e edificante de um filme desesperadamente pedindo por um Oscar. É tão, mas TÃO brega e constrangedor que destoa de todo o restante do filme. Se poderia até argumentar que faz parte do estilo irônico do Sorkin, mas não. Não faz. A intenção é séria e esvazia a linguagem e a força do filme.
Aaron Sorkin não é um mau diretor, mas está longe de outros que dirigiram seus roteiros, como David Fincher e Danny Boyle. Em Os Sete de Chicago ele demonstra talento e mão firme, mas o final só convence aos que têm altíssima tolerância à cafonice hollywoodiana. Ainda assim, é capaz de gerar reflexões e discussões importantes. Com um diretor mais refinado, poderia ser um filme poderia atingir um patamar bem mais elevado, verdadeiramente à altura dos temas que aborda.
COTAÇÃO:
INDICAÇÕES AO OSCAR:
Melhor filme
Ator coadjuvante: Sacha Baron Cohen
Roteiro original: Aaron Sorkin
Canção original: "Hear My Voice" de Daniel Pemberton
Fotografia: Phedon Papamichael
Montagem: Alan Baumgarten
OS SETE DE CHICAGO (The Trial of The Chicago Seven, EUA / Reino Unido / Índia – 2020)
Com: Eddie Redmayne, Alex Sharp, Sacha Baron Cohen, Jeremy Strong, John Carroll Lynch, Yahya Abdul-Mateen II, Mark Rylance, Joseph Gordon-Levitt, Frank Langella, Danny Flaherty, Michael Keaton, Noah Robbins e Caitlin FitzGerald
Direção e roteiro: Aaron Sorkin
Fotografia: Phedon Papamichael
Montagem: Alan Baumgarten
Música: Daniel Pemberton
Design de produção: Shane Valentino
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