Por Ricky Nobre
A filmografia de Matthew Vaughn é marcada pelo tom cartunesco, como em Stardust, Kick-Ass e Kingsman (curiosamente, seu filme mais “sóbrio” e “realista” é X-Men Primeira Classe). Portanto, não deveria ser surpresa o estilo impresso por Vaughn em Argylle. Logo na primeira sequência, o diretor deixa muito clara sua proposta, apostando num simulacro deliciosamente cafona e artificial de uma aventura estilo James Bond, onde a tosquice dos efeitos em CGI são parte da diversão. Ao tomarmos contato com o “mundo real” da escritora Elly Conway que cria a aventuras de Argylle, ficamos diante de duas estéticas contrastantes que, à princípio, correm em paralelo, e acompanharão as dificuldades de Elly em concluir seu livro. Mas isso não dura muito.
Talvez a principal característica de Argylle, que guia as decisões criativas em diversos níveis, é a de ser um balaio dos mais diversos clichês do gênero. Desta forma, originalidade não é exatamente a meta, e absolutamente tudo é derivativo e você já viu antes em algum lugar (até mesmo a relação autor/personagem podemos reconhecer de Mais Estranho que A Ficção, saindo dos filmes de espião). E, de forma especialmente divertida, essa enxurrada de clichês é facilitada através do artifício de sucessivos plot twists, eles próprios um grande clichê, e se o público ri a cada absurda reviravolta, essa era a intenção.
É verdade que o público pode levar um tempo para se acostumar ao tom e à proposta. É possível que a principal reviravolta da trama seja um pouco frustrante inicialmente, pois o que parecia a discussão central até aquele momento (as dificuldades do processo criativo e as ansiedades dos autores) parecia bom o suficiente. Mas conforme tudo vai ficando cada vez mais absurdo, somos arrastados nessa correnteza, e não tem mais como voltar. E, nesse processo, a estética cartunesca do mundo de Argylle vai cada vez mais invadindo a “realidade” até que esta se torne ainda mais cafona e superlativa que a ficção.
É bem possível que boa parte do público perceba como defeito todo esse caos orquestrado que não é apenas proposital, mas justamente a proposta de uma grande sátira aos filmes de espionagem, assumindo a fantasia e o absurdo, que é muito bem representado esteticamente, em especial na cena do tiroteio na fumaça (sequência com mais cor do que os últimos 15 anos de entretenimento cinza que Hollywood vem trazendo). É verdade que, mesmo sendo a proposta satírica, a sequência de reviravoltas pode cansar, e aquele último plot twist lá no finalzinho é de fato algo que poderíamos ter ficado sem. Porém, é particularmente bem vindo que, enquanto Henry Cavill exibe seu topete exagerado de Johnny Bravo, não tenha sido exigido de Bryce Dallas Howard que ela “entrasse em forma” para o papel, como costume para este tipo de filme, e ela está de fato excelente e todas as fases de sua personagem.
Argylle investe na sátira aos clichês dos filmes de espionagem, apostando alto nos exageros, e cabe ao espectador curtir ou não a piada. Por vezes o humor perde um pouco o tom e o timing, mas a experiência é bem divertida, e talvez seu aspecto mais ousado seja ser uma sátira que não olha para o gênero com um certo desdém de superioridade, mas que “mete o pé na jaca” de se torna de fato o que satiriza. O principal problema é, na verdade, futuro, com a insinuações de outros filmes dentro desse universo, e fica a questão se tudo precisa mesmo virar uma franquia, se um filme divertido não pode apenas existir sozinho e pronto.
COTAÇÃO:
ARGYLLE: O SUPER ESPIÃO (Argylle, EUA – 2024)
Com: Bryce Dallas Howard, Sam Rockwell, Henry Cavill, Bryan Cranston, Dua Lipa, Ariana DeBose, John Cena, Catherine O'Hara e Samuel L. Jackson
Direção: Matthew Vaughn
Roteiro: Jason Fuchs
Fotografia: George Richmond
Montagem: Tom Harrison-Read e Lee Smith
Música: Lorne Balfe
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