quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Os filmes do Oscar: EU, CAPITÃO – 1 indicação

Por Ricky Nobre

Quem não prestar muita atenção nos créditos de Eu, Capitão pode pensar estar diante de um filme africano, provavelmente senegalês, que é a nacionalidade dos primos que partem em busca de um sonho. Mas se trata de uma produção italiana dirigida por Matteo Garrone e com uma equipe composta quase inteiramente por italianos, com poucos departamentos ocupados por africanos, como foi o caso dos figurinos e alguns nomes na elaboração do roteiro. O drama da imigração africana em direção à Europa tem, inevitavelmente, o viés do olhar estrangeiro. 

 

A jornada de Seydou e Moussa (inspirada numa história real) começa como um sonho adolescente e se torna uma descida ao horror. Mesmo alertados sobre o que poderiam encontrar, o desejo de fazer música na Europa e ter um futuro para além da miséria em que vivem os fazem acreditar que os riscos valem a pena. O filme de Garrone é muito bem sucedido em nos envolver com a dupla, especialmente Seydou, que é de fato o protagonista. Desde percalços com a compra de passaportes e subornos, que vai exaurindo os fundos que os dois juntaram por meses, até a violência da polícia e as torturas da máfia que trafica escravizados. Nisso, Seydou comove o público não apenas por sua força, mas por ser uma pessoa que valoriza a vida humana consistentemente por todo o filme e faz disso o principal motor de suas ações e decisões.

 

Mas além de um comentário sobre a Europa não ser o paraíso que eles esperam e outro sobre os governos ignorarem pedidos de ajuda de barcos que não estão em seus mares territoriais, Eu, Capitão se exime de qualquer reflexão sobre a responsabilidade dos países europeus sobre o atual estado econômico e social das nações africanas e que geram justamente essa demanda por imigração e a busca desesperada, não importando os riscos, por uma vida melhor. Da mesma forma que Cafarnaum de Nadine Labaki (que, pelo menos, tinha um olhar nacional, ainda que elitista) retratava com precisão a miséria libanesa, porém sem reflexão alguma sobre suas causas, Garrone mostra a situação africana como algo trágico e lamentável, porém como algo “dado”, quase que natural do lugar, onde qualquer responsabilidade recai, no máximo, nas forças de segurança e grupos criminosos locais, convenientemente, ignorando a ação colonizadora da Europa, que não ficou apenas no passado, mas que atua ainda hoje. 

 

Curiosamente, no único momento em que religião é citada, isso é feito com bastante precisão ao retratá-la como um elemento fortemente unificador dos grupos. O desfecho é uma celebração da coragem e resiliência do jovem Seydou, principalmente de sua valorização da vida de seu povo. É belo, emociona e lança um olhar detalhado e realista da situação dos que ousam se arriscar em uma travessia repleta de perigos e até surpreende em como uma equipe estrangeira consegue se aprofundar de tal forma em uma cultura e ambiente tão diferentes à sua própria. Mas esse olhar estrangeiro peca, em sua base, ao se eximir totalmente do processo. Esta história contada por africanos seria, com certeza, completamente diferente.

 COTAÇÃO:


 

INDICAÇÕES AO OSCAR:

Melhor filme internacional

 

EU, CAPITÃO (Io Capitano, Itália – 2023)

Com: Seydou Sarr, Moustapha Fall, Issaka Sawadogo, Hichem Yacoubi, Ndeye Khady Sy e Venus Gueye

Direção: Matteo Garrone

Roteiro: Matteo Garrone, Massimo Ceccherini, Massimo Gaudioso, Andrea Tagliaferri (com colaboração de: Amara Fofana, Mamadou Kouassi Pli Adama, Arnaud Zohin, Brhane Tareka, Siaka Doumbia, Chiara Leonardi, Nicola Di Robilant)

Fotografia: Paolo Carnera

Montagem: Marco Spoletini

Música: Andrea Farri

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