quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Os filmes do Oscar - MAD MAX: A ESTRADA DA FÚRIA (10 indicações)

Hoje tem sessão dupla! Duas críticas de Mad Max.




Mad Max, Além da Estrada Continua
por Antero Leivas

Western pós-apocalíptico - Houve uma época que Mel Gibson era galã e o cinema australiano pouco difundido e divulgado por aqui. O ano de 1979 marcou um tento na "violência plástica" das telonas. Estreava Mad Max, surpreendendo a todos com sua câmera tensa, além de desastres automobilísticos e atropelamentos variados. Dois anos depois, Mad Max 2, a Caçada Continua aprimorou personagens e veículos e teria rendido boas miniaturas, se fosse costume na época, além de ser o melhor da trilogia. 


Em 1985, Mad Max, Além da Cúpula do Trovão, trazia de volta ao cinema a Acid Queen Tina Turner e fechava a saga com um Max rodeado de infantes, emulando o bestseller teen O Senhor das Moscas. Ao final, três filmes distintos: o primeiro, o drama de um policial que perdeu a família, vingando-se estrada afora; o segundo num futuro distópico e original, batalhando pela vida contra inimigos motorizados. Finalmente o longa de numero 3, que querendo ousar na temática, fora um take ou outro, ficou aquém de seus predecessores. 


Foram necessários 30 anos para a franquia ser retomada. Em verdade, pode ser encarado como um remake, pois não há numeração alguma no título MAD MAX, A ESTRADA DA FÚRIA. A idade parece ter feito muito bem a George Miller (70 anos e alguns desenhos animados), muito mais lapidado nas suas eternas funções de produtor, roteirista e diretor. Tal um aperfeiçoamento da parte II da primeira trilogia (alguém duvida que esta também tornar-se-á serializada?), a tal estrada é um verdadeiro desfile de veículos e tipos "humanos" dos mais bizarros. Com a diferença que Max Rockastanski é agora apenas mais um lutando pela sobrevivência e não o bambambam apresentado anteriormente, mesmo por que, implacável por implacável, os tempos são outros e (Furiosa, a personagem de) Charlize Theron tá muito mais pra guerreira intrépida do que (o Max contido de) Tom Hardy. 

Apesar dos vários exageros em torno deste, Mad Max voltou para ficar e merece sim, mais três filmes da série, porém "melhor filme do ano"? Não. Não mesmo.



O enredo todo mundo sabe, né? O mundo são rodovias desérticas, cercadas de montanhas, dunas e motores por todos os lados. A água e a gasolina (ou diesel ou, vai saber, álcool. Combustíveis em geral) são os bens maiores desta sociedade e o maluco do Max busca suas maneiras de sobreviver, chocando-se, literalmente ou não, com os mais insanos vilões e seus veículos monstruosos. A mulherada se faz presente de maneira tão significativa, que o filme poderia rodar (ops) muito bem, somente com elas. Fotografia esplendorosa e atuações corretas, além de muita, mas MUITA ação real, praticamente sem recursos artificiais. Deve levar TODOS os prêmios técnicos no Oscar. Mais que isso só como azarão. 

Mad Max vive! E sem Mel Gibson. E se bobear, sem Max...




A insanidade do poder
Por Ricky Nobre

Alguns poderão se perguntar: como um blockbuster milionário acaba com dez indicações ao Oscar e um lugar entre os dez melhores do ano da revista francesa Charriers du Cinema, sendo que os outros nove da lista são “filmes de arte”?


Desde 2001, George Miller tenta retomar a franquia Mad Max, com todo tipo de complicações possíveis, inclusive mudanças climáticas que criaram um campo florido no deserto onde o filme seria rodado, por dois anos seguidos. Tudo parecia dar errado por mais de dez anos. Mas, por vezes, as coisas parecem acontecer no momento certo. Ao retornar ao mundo pós-apocalíptico que inspirou tantos outros, Miller repensa, redefine e reinventa não apenas os mundos distópicos, mas o próprio cinema de ação. Do alto de seus 70 anos, ele apenas fez o que uma nova geração supostamente fresca e criativa tem se mostrado incapaz de fazer. 



São inúmeros os lampejos de brilhantismo de Miller em Estrada da Fúria. Mas vamos nos concentrar no elemento central, que é a forma como ele constrói a comunidade para onde Max (Tom Hardy, honrando o papel ícone de Mel Gibson) é levado logo no início e seu implacável regente Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne). Num mundo devastado por radiação nuclear, um ser humano saudável torna-se um bem incalculável. A figura de regente salvador, com seu discurso político messiânico, é uma das ferramentas de Joe para dominar a massa de miseráveis que vivem em sua cidadela, onde ele controla a água, os poucos alimentos, as fontes de energia. Ali ele mantém em cárcere as mais belas e saudáveis mulheres para serem suas parideiras, na sua interminável busca por ter a maior quantidade possível de filhos saudáveis. Presas a cadeiras e equipamentos de ordenha, mulheres tornam-se produtoras do mais precioso alimento em tempos de total escassez: leite materno. No topo de um monte, ele mantém uma área verde irrigada particular onde ele produz alimento para a elite. Grande parte da população jovem da cidadela possui tumores que lhes garante uma curtíssima expectativa de vida, e tornam-se soldados destemidos que fazem tudo por seu líder, com a garantia de que serão recebidos com glórias nas portas de Valhalla. O próprio Joe usa uma máscara demoníaca que esconde um respirador que o mantém vivo e uma armadura que protege sua pele repleta de tumores. 


Todos esses preciosos detalhes e mais incontáveis outros são mostrados de forma a sempre evitar o óbvio, sem explicações detalhadas (ou qualquer explicação que seja). Eles formam uma tapeçaria de insanidade que espelha o monólogo inicial de Max (“Não sei quem é louco. Eu ou todos os outros”) e cabe ao expectador ir desvendando e interpretando cada um. A absurda complexidade e riqueza do subtexto político torna-se a própria estética do filme ao ser traduzida num constante e intoxicante panorama de loucura. A insanidade do mundo de Estrada da Fúria, a ferocidade dos personagens que vivem como se não houvesse amanhã e o ontem nunca tivesse existido fazem do filme uma obra verdadeiramente visceral! A ação é rigorosamente incessante, sublime e planejada nos mais ínfimos detalhes e o fato de Miller conseguir ter inserido qualquer subtexto mais complexo nessa overdose de movimento já é uma verdadeira proeza por si só. 

 
Toda essa simbologia de uma estrutura de poder cruel, totalitária, populista e messiânica dá origem ao forte feminismo do filme, aclamado e odiado por diversos segmentos do público. De início, salta aos olhos que, além de um guerreiro vira-casaca e do próprio Max, todos mocinhos do filme são, de fato, mocinhas. São todas mulheres, desde a implacável Furiosa (Charlize Theron, perfeita), passando por guerreiras e anciãs do deserto e chegando às belíssimas esposas que fogem da escravidão (“nossos filhos não serão guerreiros”). Mas a apoteótica perseguição às fugitivas expõe o menos óbvio. Joe move pesados e inestimáveis recursos materiais para reaver as esposas, sob protestos de seus assessores. Mas elas têm valor inestimável num mundo de pessoas miseráveis e doentes. A dominação e escravidão das mulheres é um elemento chave na estrutura de poder de Immortan Joe, que inclui a posse e racionamento da água (que ele chama de Aqua-Cola) e promessas de McBanquetes no Valhalla. Esse é o verdadeiro feminismo do filme: sem o controle sobre as mulheres, o sistema de poder de Joe desmorona. 


Toda essa complexa estrutura de poder, tão reconhecível nos dias de hoje, fica soterrada sob pesados escombros de insanidade. A loucura do mundo que atormenta Max, tanto quanto os fantasmas e a culpa do passado, é sentida e absorvida pelo público que se intoxica com ela. A maior genialidade de A Estrada da Fúria é levar o público numa jornada onde ele começa espantado com um mundo insano para depois ir desvendando que o sistema gerador e motor dessa loucura possui semelhanças aterradoras com nosso mundo. Assim como a insanidade daquele mundo parece óbvia apenas para Max, a insanidade do nosso pode também estar muito bem disfarçada enquanto vivemos cercados de coisas absurdas que achamos normais. Tal qual um dos “garotos de guerra”.

É assim que se faz um dos melhores filmes da década. 



INDICAÇÕES AO OSCAR

Melhor filme

Diretor: George Miller

Montagem: Margaret Sixel

Fotografia: John Seale

Edição de Som

Mixagem de som

Direção de arte

Maquiagem

Figurino

Efeitos visuais


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