Por Ricky Nobre
Arte é uma espécie de alquimia. Existe muito de
transformação no ato e no resultado do esforço artístico. Os conceitos de fazer
arte e de criar são indissociáveis, porém, cai-se frequentemente no equivoco do
artista que “cria do nada”. Nunca vem do nada. Tem sempre algo antes.
O Quarto de Jack
(reconheçamos a simpatia do título nacional) pode dar a impressão de ter sido
baseado em algum dos diversos casos de sequestros prolongados e suas
resoluções, mas o livro original de Emma Donoghue, assim como o roteiro
adaptado por ela mesma, não é baseado em nenhum caso específico. Isso pode ter
aberto, logo de cara, a possibilidade de uma abordagem mais delicada e até doce
de uma experiência que só pode ser compreendida como horrenda e profundamente
traumática.
Joy (Brie Larson) vive a oito anos prisioneira do “velho
Nick”, numa cabana de 3m x 3m no quintal da casa do sequestrador. O filme
começa no dia do aniversário de cinco anos de Jack (Jacob Tremblay,
sensacional), nascido no “quarto”. Narrando basicamente do ponto de vista do
menino, o diretor Lenny Abrahamson pinta com cores suaves a infância feliz de
uma vida que nunca conheceu o mundo real onde existissem outras pessoas de
verdade (as da TV são de mentira) além dele, da mãe e do velho Nick. A tensão e
o medo daquela existência absurda explodem vez ou outra, porém a beleza da
relação de Jack e Joy ilumina o filme, assim como os esforços tocantes dela em
tornar aquela vida algo que faça sentido para o filho.
Num spoiler leve, porém necessário, é preciso falar da
inteligência em não tornar a fuga daquela prisão, após oito anos de cativeiro,
a grande resolução do filme. Ela ocorre exatamente na metade. A segunda parte
do filme explora a readaptação de Joy ao mundo exterior e a descoberta de Jack
de que esse mundo e todos que estão nele existem afinal. Talvez o público sinta
uma leve queda de qualidade em relação à fantástica primeira parte, porém a
mudança de ritmo era inevitável.
Inquestionavelmente, o conceito de arte é rico e
extremamente variadas são suas formas de existir. A percepção e (por que não
dizer, já que somos todos humanos, afinal) o julgamento do que é arte não só é
uma discussão rica como também interminável, porém existe um certo consenso na
busca da beleza, embora o conceito desta seja outra discussão interminável. Daí,
chegamos à decisão de Abrahamson de investir na beleza, inocência e delicadeza
nesse conto de horror. Fosse um filme de Iñarritu, teríamos um tour de force esmagador de drama, dor e
sofrimento e, embora eles existam, inclusive levando personagens a ações
desesperadas, eles não são o filme. Abrahamson pode apenas ter procurado
suavizar seu filme para que mais pessoas conseguissem vê-lo, alguns podendo
argumentar que em detrimento da força de seu conteúdo. Mas talvez ele tenha tentado
dizer que um olhar inocente e fresco pode tornar o coração mais leve para dizer
adeus ao passado.
INDICAÇÕES AO OSCAR
Melhor filme
Diretor: Lenny Abrahamson
Atriz: Brie Larson
Roteiro adaptado: Emma
Donoghue, baseado em seu livro.
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