Por Ricky Nobre
O filme de guerra é um gênero que existiu desde que existe
cinema. O óbvio cenário na imensa maioria deles é, evidentemente, o campo de
batalha, seja ele alguns milênios antes de Cristo ou em algum conflito ainda
existente nos nossos dias. Poucos, entretanto, se concentraram na guerra depois
da guerra, na vida das pessoas depois que cessa o fogo, sendo Os Melhores Anos
de Nossas Vidas (1946) e Amargo Regresso (1978) dois dos mais famosos exemplos.
O mais recente filme de François Ozon, o mais popular cineasta francês dos
últimos anos, retrata justamente esse drama da dolorosa adaptação de um povo
após a guerra, seja dos combatentes, seja dos familiares que perderam filhos,
maridos e pais.
Em 1919, após a Primeira Guerra Mundial, a jovem alemã Anna
(Paula Beer) vive enlutada pela morte de seu noivo Frantz no conflito, enquanto
mora com seus sogros, que a acolhem como filha. Uma dia, numa das rotineiras
visitas ao túmulo do noivo, Anna vê um estranho que traz flores e presta
homenagens a Frantz. Após alguns dias, o rapaz entra em contato com a família e
se apresenta como Adrien (Pierre Niney), jovem francês que foi amigo de Frantz
em Paris. Inicialmente, o pai de Frantz repele violentamente o rapaz por causa
da rivalidade entre a Alemanha e a França na Guerra. A mãe e Anna, porém,
acolhem o rapaz, atraídas pela forte ligação que ele parece ter com o saudoso
filho e noivo, o que acaba levando o próprio velho pai a aceita-lo também como
amigo da família. Em meio ao preconceito dos moradores da pequena cidade com a
presença de um francês entre eles, a relação entre Adrien e a família de
Frantz, especialmente Anna, se estreita e intensifica, enquanto a real natureza
da ligação entre Adrien e Frantz permanece nebulosa, e esta revelação pode
trazer consequências irreversíveis para todos.
O principal desafio de Ozon em Frantz (na realidade, uma
refilmagem não creditada de Não Matarás, de 1932) parece ser o de celebrar a
vida numa obra com a sutil mas constante presença da morte. Anna vive um luto
sem fim pelo noivo e sua alegria e desejo de viver desapareceram. Adrien é um
jovem de aparência extremamente frágil, tanto física quanto emocionalmente, e seu
desejo por uma conexão com a família de Frantz parece ser sua única razão de
viver. Na mesma medida, a alegria e o riso voltam à casa de Anna e seus sogros
com a presença do jovem francês que conta histórias dos dois amigos em Paris. Conforme
os fatos se desenrolam e informações se revelam, Ozon expõe a tragédia e a
insanidade da guerra à medida em que o ódio e a morte se estendem e cristalizam
até anos depois da violência brutal das batalhas. Uma insanidade desumana capaz
de trazer desejo de morte até para os que sobreviveram.
A fotografia em preto e branco simboliza essa ausência de
vida e ganha força justamente nas poucas cenas em cores que, inicialmente,
parecem representar a alegria que a memória de Frantz traz mas, na realidade,
simboliza o próprio personagem e sua presença na vida dos que ficaram. O grande
desafio dos personagens não é apenas viverem após a perda e a tragédia, mas
também com as próprias escolhas que fizeram. No restaurante em que o pai de
Frantz (que vive atormentado pela culpa de ter insistido para que o filho se
alistasse) se reúne com os amigos, ele repele os comentários rudes dos
companheiros em relação a Adrien e a acolhida que o velho deu a um francês, que
para eles é, obviamente, algoz de jovens soldados alemães. O pai repreende os
amigos dizendo: “Quando nossos filhos matam mil franceses, nós comemoramos bebendo
cerveja. Quando jovens franceses matam mil alemães, os pais deles comemoram
bebendo vinho. Somos uma geração de pais que bebe à morte dos filhos”. Ano que
vem, completará 100 anos do fim da Primeira Guerra Mundial e Ozon nos desafia a
encontrar as diferenças entre o drama de seus personagens e a forma como se
lida hoje na guerra com a morte dos nossos e do outro.
FRANTZ, 2016.
Com: Pierre Niney, Paula Beer, Ernst Stötzner, Marie Gruber
e Cyrielle Clair.
Direção: François Ozon
Roteiro: François Ozon e Philippe Piazzo (baseado no filme
de Ernest Lubitsch “Não Matarás”, 1932)
Fotografia: Pascal Marti
Montagem: Laure Gardette
Música: Philippe Rombi
COTAÇÃO:
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