No início da década de 90, ocorreu um escândalo literário
bastante peculiar. Lee Israel, uma escritora de biografias em delicada situação
financeira, foi descoberta como autora de cerca de 400 cartas falsificadas de
celebridades, as quais ela vendia para livrarias que revendiam artigos
colecionáveis. Sua criatividade em escrever cartas que refletiam o estilo e a
personalidade de famosos tornou o negócio algo bastante rentável no início, mas
acabou também por desmascará-la, uma vez que as pessoas reais, em privado,
muitas vezes não se expressam da mesma forma que suas personas públicas.
Como a história do cinema claramente demonstra, não é incomum
filmes com anti heróis ou mesmo criminosos que conquistam a simpatia do
público, sejam trapaceiros, ladrões de banco ou trambiqueiros em geral. Afinal,
quem não torceria por Butch Cassidy e Sundance Kid vestindo os sorrisos de Paul
Newman e Robert Redford? Mas quando o criminoso é antipático, antissocial e não
tem cara de estrela de cinema, aí é bem mais difícil. E foi com imensa
habilidade que a diretora Marielle Heller conduz essa comédia amarga
brilhantemente protagonizada por Melissa McCarthy, figura fácil nas comédias
americanas nos últimos anos, mas que aqui recebe um desafio bem diferente.
Quase irreconhecível por baixo da caracterização, McCarthy conquista
o público que acompanha e até torce para o sucesso da falsária que luta para
pagar o aluguel e o tratamento médico de sua gata, o único ser vivo com quem
Lee tem um relacionamento saudável. Mas Lee tem sim um amigo, o charmoso
vagabundo Jack Hock, lindamente composto por Richard Grant que acaba sendo
parceiro de Lee, uma vez que ele mais talentoso para vender e negociar preços
do que ela. Apesar do fato de que a parte mais ficcionalizada do roteiro é o
relacionamento entre os dois, a essência permaneceu bem fiel.
Ainda que Heller explore o tom cômico das situações, existe
um tom melancólico que atravessa todo o filme, seja no alcoolismo de Lee ou na
sua forma de afastar rapidamente pessoas que a atraem, seja na própria
fotografia em tons fechados e sombrios. Nessas sutilezas, McCarthy brilha, mostrando
uma grande atriz que ficou confinadas tempo demais apenas em comédias.
Lee Israel só escreveu o livro sobre sua experiência como
falsária após dez anos de muita insistência dos produtores do filme, que já pretendiam
levar a história para o cinema, e mais dez foram necessários até que o filme
saísse. Se toda essa espera foi necessária para que fosse possível o perfeito
casamento entre diretora e atores, então valeu a pena.
COTAÇÂO:
PODERIA ME
PERDOAR? (Can You Ever Forgive Me?, 2018)
Com: Melissa
McCarthy, Richard E. Grant, Dolly Wells, Ben Falcone e Jane Curtin
Direção: Marielle
Heller
Roteiro: Nicole Holofcener e Jeff Whitty, baseado no livro
de Lee Israel
Fotografia: Brandon Trost
Montagem: Anne McCabe
Música: Nate Heller
INDICAÇÕES AO OSCAR:
Atriz: Melissa McCarthy
Ator coadjuvante: Richard E. Grant
Roteiro adaptado: Nicole Holofcener e Jeff Whitty
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