terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

HOMEM-FORMIGA E A VESPA: QUANTUMANIA

Por Ricky Nobre

Este ano, o MCU faz 15 anos. Homem de Ferro (2008) já chegou 10 anos depois de Blade (1998), que foi, de fato, o que começou tudo. Já são 25 anos com os estúdios investindo pesadamente em filmes de super-heróis, mas o que a Marvel realizou foi algo que pensava-se ser impossível no cinema: um universo compartilhado, extenso e coeso como nos quadrinhos. Após o extraordinário ápice de Vingadores: Ultimato (2019), a fase 4 da Marvel foi recebida tanto pelos grandes fãs, quanto pelo público em geral com certa frieza. Alguns acham que a Marvel perdeu a mão. Outros, que a Marvel prometeu uma intrincada conexão entre filmes e minisséries, o que simplesmente não aconteceu, gerando frustração. Outros acham que o subgênero “super-heróis” já está mostrando sinais de esgotamento irreversível. Quanto a isso, é bom salientar que, por maior que seja a base de fãs hardcore da Marvel, quem paga a conta desses filmes multimilionários são os espectadores comuns, que muitas vezes não têm paciência de assistir séries para entender filmes, de ver 30 filmes para entender o 31º ou simplesmente querem ver outra coisa após tantos anos. Enquanto a DC/Warner inicia um planeamento para seu universo só agora, a Marvel lança a fase 5 finalmente apresentando o vilão que ameaçará o multiverso até o fim da fase 6. 

 

O que torna importante ter tudo isso em perspectiva ao analisar Quantumania é termos a noção de todo o caminho percorrido e de como a percepção do público foi sendo forjada ao longo do tempo. Vem à memória a cena de X-Men (2000), com a equipe em seus uniformes pretos, sóbrios, “realistas”, enquanto Ciclope faz piada do quanto Wolverine ficaria ridículo de elastano amarelo. Corta para Quantumania em 2023, com a overdose de cores, formas, seres dos mais bizarros e uma desavergonhada e divertidíssima versão de M.O.D.O.K idêntica às HQs (a origem mudou, mas isso é outra história). A Marvel foi, filme a filme, testando o quão aceitável era ter super-heróis que parecem super-heróis, sem a vergonha de ser extravagante, colorido, absurdo. Se Galactus virou uma nuvem no segundo Quarteto Fantástico da Fox, hoje ele poderia perfeitamente ser o que é: um gigante de armadura púrpura. Quantumania chega como a apoteose desavergonhada de uma franquia que convidou o público a abraçar esse universo pelo que ele é: FANTASIA. 

 

O filme se aproveita ao máximo de toda a liberdade criativa que o “mundo quântico” oferece. Sendo um universo que existe a nível subatômico, existe um espírito de “vale tudo” que o roteiro aproveita muito bem, a começar por um líquido que resolve o problema de comunicação, fazendo todas as línguas serem entendidas. É arbitrário e conveniente, mas também combina muito bem com esse mundo. Os filmes do Homem Formiga são, assim como os dos Guardiões da Galáxia, onde o humor corre mais solto (não, não estamos considerando o crime feito com Thor, que puxou o Hulk junto). Após um ótimo primeiro filme e um fraquíssimo segundo, o diretor Peyton Reed compreendeu que o que o humor do protagonista Scott Lang traz de melhor para essa subfranquia é a leveza, e estendeu essa leveza a todo o conceito do filme, forjando uma aventura familiar, um filme de verão clássico (o próprio nome “Quantumania” já sugere que não é pra levar muito a sério). Existe uma vibe meio Star Wars, principalmente pela grande diversidade de criaturas, de concepções das mais variadas, mas toda a paisagem desse mundo quântico segue uma linha quase do surrealismo, uma coisa meio Miyazaki com LSD, se destacando dentro do MCU que não costuma desenvolver identidades visuais muito marcantes, como foi feito nos filmes do Pantera Negra, outra exceção, e nisso, um diretor de fotografia como Bill Pope fez muita diferença.

 

Ele cumpre muito bem sua função prática dentro do grande plot do multiverso e do vilão Kang, e também equilibra a exata quantidade de drama para dar o senso de perigo necessário e a emoção desse espírito familiar que o filme tem. Os novos personagens são bem superficiais, como era de se esperar, e apenas cumprem sua função na trama (merecíamos mais da Jentorra) ficando o destaque apenas para os já conhecidos, principalmente Kang e Janet, que finalmente tiveram algum espaço para os conhecemos melhor. Como é comum no MCU, por vezes o humor peca um pouco pelo excesso, mas está muito longe dos momentos mais constrangedores da Marvel. O filme chega a sugerir um desfecho um pouco mais radical, um momento de heroísmo abnegado, mas não vai até o fim, provavelmente por não ser conveniente para o papel do personagem nos filmes seguintes, que é a já conhecida desvantagem da Marvel operar como uma única franquia gigante. 

 

O que realmente empolga é o espírito de aventura, de diversão e, como dito, de pura fantasia. Quantumania é uma bela fantasia de ficção científica, uma aventura juvenil de férias que, além de ser uma montanha russa de diversão, consegue arcar com a responsabilidade de iniciar o grande plot da franquia, que culminará em Guerras Secretas em 2026. É divertido, leve e te convida, com seu charme, a aceitar absurdos. Um deleite para os que acham que não há lugar para realismo no reino de fantasia da Marvel.

COTAÇÃO: 



 

HOMEM-FORMIGA E A VESPA: QUANTUMANIA (Ant-Man and the Wasp: Quantumania, EUA – 2023)

Com: Paul Rudd, Evangeline Lilly, Jonathan Majors, Kathryn Newton, Katy M. O'Brian, Michael Douglas, Michelle Pfeiffer e Bill Murray

Direção: Peyton Reed

Roteiro: Jeff Loveness

Fotografia: Bill Pope

Montagem: Adam Gerstel e Laura Jennings

Música: Christophe Beck

Design de produção: Will Htay

 

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