Por Ricky Nobre
O grande acerto de Rian Johnson em Entre Facas e Segredos (2019) foi ser ao mesmo tempo uma paródia das histórias de mistério de Agatha Christie e um filme de mistério genuíno, com as emoções e reviravoltas do gênero, além de seguir a fórmula de elenco estelar usada em adaptações das obras da escritora para cinema ao longo dos anos. Seu sucesso levou a Netflix a encomendar duas continuações e a primeira delas traz de volta o detetive Benoit Blanc que sempre parece estar perdido, mas só parece.
Parte da graça e da esperteza do filme é o quanto a metáfora da “cebola de vidro” é óbvia e exagerada. A ideia de que não importa quantas camadas o mistério tenha, é possível vê-lo no centro é tão literal quanto parece, e o primeiro personagem suspeito que muitos do público podem supor como o culpado, será provavelmente aquele desvendado no final. O mistério vai se desenrolando, muitas revelações são feitas, mas a resposta está lá desde o início, transparente. Desta forma, a grande surpresa não está no final, mas no meio. Se na primeira metade o filme se prende e apresentar os personagens, a situação e pôr a trama em movimento, é a partir da segunda metade que, com uma revelação inesperada, toda a perspectiva do que vimos vai sendo alterada, e é aí que Johnson mostra boa parte do que tornou o filme anterior tão bem-sucedido.
Johnson cria um visual excelente para o filme que, para além do apurado senso estético, é uma perfeita representação do mundo de ostentação retratado. Como o esperado, o elenco dá real vida ao filme, com personagens que beiram o caricato, sem caírem num ridículo involuntário, sendo a medida certa para o tom cômico do filme e a dimensão dos assuntos abordados. E nesse elenco é preciso destacar o brilhantismo de Daniel Craig que não poderia ter criado um personagem mais distante de seu Bond, que o elevou ao estrelato.
Mais do que a revelação de “quem matou”, Johnson se concentra em como o poder torna-se algo destrutivo, principalmente o do dinheiro. Todo o passado que interliga aqueles personagens tem origem no que eles foram capazes de fazer não pelo amigo, pela pessoa do bilionário, que é, aos moldes de outro bem em evidência no mundo hoje, essencialmente desonesto e pouco inteligente, mas pelo poder que o dinheiro lhe dá. E não é por acaso que cada personagem representa aspectos específicos do que é controlado pelo poder do dinheiro, como ciência, política e redes sociais. E se um determinado personagem faz algo impensável bem próximo ao final por pura vingança pessoal, isso só pôde ser feito porque a arrogância do bilionário tornou possível, criando as ferramentas para tal. Johnson escancara um mundo em que o capital a tudo controla, independente da capacidade e inteligência de quem o detém, e que o único ato de rebeldia possível é pôr tudo abaixo.
COTAÇÃO:
INDICAÇÃO AO OSCAR:
Roteiro adaptado: Rian Johnson.
GLASS ONION: UM MISTÉRIO KNIVES OUT (Glass Onion, EUA – 2022)
Com: Daniel Craig, Edward Norton, Janelle Monáe, Kathryn Hahn, Leslie Odom Jr., Kate Hudson, Dave Bautista, Jessica Henwick e Madelyn Cline
Direção e roteiro: Rian Johnson
Fotografia: Steve Yedlin
Montagem: Bob Ducsay
Música: Nathan Johnson
Design de produção: Rick Heinrichs
Nenhum comentário:
Postar um comentário