Por Ricky Nobre
Todd Haynes sempre teve uma preferência de lançar um olhar
ao passado para tratar de questões do presente, em filmes como Velvet Goldmine, Não Estou Lá e Longe do
Paraíso. Carol guarda grande
semelhança com este último. No filme de 2002, uma dona de casa branca na década
de 50 se via envolvida com seu jardineiro negro enquanto seu marido tem casos
com outros homens. Em Carol, uma
jovem vendedora de brinquedos se percebe completamente fascinada por uma
cliente que vai procurar um presente de natal para a filha. A história é
baseada no livro O Preço do Sal, levemente
autobiográfico, lançado em 1952 pela escritora Patricia Highsmith, porém sob
pseudônimo. Ela só admitiu a autoria em 1990, quando relançou o livro com um
novo posfácio e com o título Carol.
Em Longe do Paraíso
existia um sentimento de ameaça social constante tanto pela homossexualidade do
marido da protagonista, quanto pelo seu envolvimento amoroso com o amigo negro.
Em Carol, apesar das consequências sociais do amor lésbico entre Therese e
Carol serem graves e determinarem os rumos da trama, existe uma surpreendente
leveza na paixão lenta e delicadamente construída. Enquanto Longe do Paraíso era um forte drama, Carol, apesar dos momentos dramáticos, é
de fato um romance.
Therese é tímida, meio desajeitada, com pouco dinheiro no
bolso e apaixonada por fotografia, onde árvores, pássaros e objetos lhe parecem
bem mais interessantes de receberem seu olhar do que pessoas. Mas, para ela,
Carol é uma visão. Com um porte, uma exuberante elegância que só Cate Blanchett
e um figurino dos anos 50 podem alcançar, Carol é tão chique e cool fumando ao volante de seu Packard
1949 quanto cozinhando o almoço da família. Família, aliás, partida. Em
processo de divórcio, Carol inicia o flerte com Therese enquanto seu marido
insiste para que voltem. Confusa, Therese chega a perguntar a seu namorado se
ele já se sentiu atraído por outro homem. Lentamente, ela se deixa envolver por
Carol, que parece sempre saber o que quer, enquanto ela mal sabe o que quer
para o almoço. Numa cartada baixa, o marido de Carol ameaça tirar a guarda da
filha apresentando provas dos relacionamentos lésbicos de Carol, apoiado nas
leis de decência da época, e aí se estabelece o grande drama do filme.
É muito curiosa a escolha de Haynes em não espetacularizar a
opressiva homofobia da época. Quando confrontados com o tema, os personagens
não perdem a linha, como se estivessem diante do demônio, o que é inesperado,
pois, ainda que a homofobia persista hoje, contar esta história ambientada há
60 anos atrás é, geralmente, um artifício para jogar luz sobre preconceitos que
já foram mais ferozes antes. Porém, com este olhar, o filme mantém a ameaça da
homofobia institucionalizada (e medicalizada) sobre as protagonistas, mas
também constrói uma atmosfera mais leve, mais romântica, mais doce, ainda que
este romance continue precisando se manter encoberto, reservado.
Incompreensível foi a decisão da Weinstein em apresentar Rooney
Mara à Academia como atriz coadjuvante (sim, não é a Academia que decide, mas o
estúdio), sendo sua Therese é o olhar principal do filme, é a partir dela que
enxergamos Carol e os próprios sentimentos de Therese. Blanchett chega a ter
seis minutos a menos de presença na tela, mas apenas ela foi indicada a atriz
principal.
Carol é mais um
filme deste ano rodado em 16mm, mantendo a granulação da película e uma paleta
de cores que nos transporta no tempo. Tendo os anos 50 como inspiração, não tem
como errar: tudo é lindo. A música de Carter Burwell (indicado ao Oscar pela
primeira vez, enfim!) fala sempre em que os personagens estão em silêncio,
tendo especial impacto na última imagem do filme, onde o olhar de Blanchett irá,
sem dúvida, derreter seu coração.
INDICAÇÕES AO OSCAR:
Atriz: Cate Blanchett
Atriz coadjuvante:
Rooney Mara
Roteiro adaptado: Phyllis Nagy, do livro The Price of Salt de
Patricia Highsmith
Música original:
Carter Burwell
Fotografia: Ed
Lachman
Figurino: Sandy
Powell
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