Por Ricky Nobre
No Oscar do ano passado, o cineasta mexicano Alejandro
Iñárritu saiu consagrado com a vitória de seu Birdman, que lhe deu os prêmios de melhor filme, diretor e roteiro.
Este ano, ele volta como favorito. O
Regresso soma 12 indicações, porém a grande questão fica se a Academia
gostará da ideia de premiar Iñárritu dois anos seguidos. Talvez, se essa
hesitação for real, outros filmes menos cotados acabem por se sair melhor na
premiação.
De fato, é preciso um gosto específico para apreciar o
cinema do mexicano que arrebatou Hollywood. Desde seu primeiro filme que o
projetou mundialmente, Amores Brutos,
passando por 21 Gramas, Babel e Biutiful, Iñárritu mostra uma predileção por dramas esmagadores.
Ele testa ao máximo a resistência emocional de seus personagens, enquanto
explora e esgarça os limites do quanto é possível representar cinematograficamente
o mais extremo sofrimento da alma humana e, talvez, de como fazê-lo sem cair na
caricatura do dramalhão e, consequentemente, na paródia involuntária.
Paradoxalmente, de forma intencional ou não (é discutível),
Iñárritu não envolve completamente seu público no horror dos personagens.
Enquanto ele arranca invariavelmente interpretações memoráveis e abnegadas de
seus atores e a empatia do público com eles é inevitável, uma certa distância é
mantida, uma frieza formal, talvez, que contrasta com incêndio emocional dos
personagens.
O Regresso é um
projeto que chegou a andar de mão em mão até chegar em Iñárritu. É conhecida
dos americanos a história de Hugh Glass (Leonardo Di Caprio, querendo muito
mesmo seu Oscar), mercador de peles que em 1823 foi abandonado para morrer por seus
companheiros e que, milagrosamente, após incontáveis obstáculos, sobreviveu
para contar a história. No filme, a vilania é concentrada em Fitzgerald (Tom
Hardy, sempre um camaleão), homem egoísta e cruel, cujas ações são a grande
força motriz que mantém Glass no inabalável propósito de sobreviver.
Formalmente, O
Regresso é sublime. Iñárritu filma com absoluta maestria, conduzindo a
câmera com precisão e enorme inteligência através das superfícies gélidas do
oeste americano, sem uma única lâmpada iluminando as cenas. Todo fotografado
com luz natural, são fogueiras e tochas que iluminam as cenas noturnas,
extraindo enorme realismo e firmando um compromisso estético que é essencial
para transportar o público para aquele ambiente, com o auxílio da excepcional
mixagem de som, repleta de detalhes perfeitamente equilibrados. Tudo aparece na
tela exatamente como foi filmado, com intervenções digitais apenas em momentos
absolutamente essenciais, como a queda do cavalo do penhasco ou na sublime
sequencia do ataque do urso. Não deixa de ser revigorante ver não apenas Iñárritu,
mas Miller em Mad Max e JJ Abrahams
em Star Wars optarem por CGI apenas
em cenas em que ela é indispensável, filmando elementos ao vivo o máximo que
podem. São esforços assim que podem, gradualmente, ir salvando Hollywood de um
verniz fake que o cobriu na última década.
Tudo é magistralmente controlado. Talvez até demais. Leva
tempo para reconhecer o compositor japonês Ryuichi Sakamoto no comando da
trilha musical. Quem se lembra de seu trabalho em filmes de Bertolucci como O Céu que Nos Protege e O Pequeno Buda percebe que seu estilo
habitual foi controlado e sintetizado de tal forma que chega a parecer uma caricatura
minimalista dele mesmo, com os temas aparentemente reduzidos às notas
rigorosamente essenciais. Tivesse o diretor deixado Sakamoto mais solto, talvez
aflorasse uma emoção mais incontrolável e sabemos que, na Hollywood de hoje,
melodia é cafona, e Iñárritu é super sério e cool. Podemos também voltar à ideia inicial do quanto o seu cinema
mantém-se livre da caricatura de dramalhão, mesmo com o constante sofrimento
dos personagens e a música mais emotiva poderia representar uma manipulação das
emoções do público que seria completamente desinteressante para o diretor.
Mas então chegamos a aspectos do roteiro (ausente da lista
de indicações) que poderiam por isso em xeque. A saga impressionante de Hugh
Glass poderia ser vista como um triunfo da vida em si, a luta pela
sobrevivência no mais inóspito dos ambientes, o que de fato corresponde ao
pouco que se sabe sobre o personagem real. Ao dar a Glass um filho que ele
nunca teve na história real e a Fitzgerald uma crueldade atroz, o roteiro
transforma a luta pela vida em uma luta por vingança. Não que isso seja
exatamente um problema. Contos de vingança sempre fizeram parte da história do
cinema, desde Era Uma Vez No Oeste
num extremo até A Vingança de Jennifer
no outro. Porém, com interpretações do nível que DiCaprio e Hardy oferecem, o
envolvimento emocional do público e o desejo de catarse acabam, de alguma
forma, florescendo, ainda que Iñárritu mantenha seu controle habitual. A
decisão de Glass no filme em manter firme seu propósito de vingança em oposição
ao Glass real que perdoou os dois homens que o abandonaram, reforça a visão de
mundo sombria e pessimista de Iñárritu, coerente com sua filmografia, pois uma
luta pela vida por amor à própria vida seria luz demais em seu cinema que sempre
mostrou a escuridão que acompanha a alma humana.
INDICAÇÕES AO OSCAR:
Melhor filme
Diretor: Alejandro Iñárritu
Ator: Leonardo DiCaprio
Ator coadjuvante: Tom Hardy
Montagem: Stephen Mirrione
Fotografia: Emmanuel Lubezki
Maquiagem
Direção de Arte
Figurino
Efeitos visuais
Edição de som
Mixagem de som
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