A comunidade nerd tem o estúdio Fox em baixíssima conta no
que se refere a seus filmes de super heróis, ainda que X-Men 2 (2003) seja
ainda um dos melhores filmes do gênero já feitos e X-Men Primeira Classe (2011)
seja bastante elogiado. Como isso é possível? Bem, não é muito difícil de
entender. Embora tenha causado enorme impacto em seu lançamento por tratar com
seriedade o universo mutante, X-Men (2000) não é mais tão interessante visto
hoje. X-Men 3 (2006) sofreu com mudança de diretor e um roteiro que insistiu em
contar diversas histórias complexas em um filme curto. X-Men Primeira Classe,
apesar de elogiado, foi responsável pela vergonhosa bagunça cronológica da
franquia, que o ótimo X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido (2014) fingiu
corrigir, o que era, de fato, impossível. X-Men: Apocalypse (2016) chegou com
ares de filmaço, respaldado pelo sucesso dos dois filmes anteriores, e acabou
decepcionando. Isso sem falar dos filmes solo do Wolverine, o Origens (2009) e
Imortal (2013), considerados aquém do esperado pelos fãs. Junte a isso os nada
mais que simpatiquinhos filmes do Quarteto Fantástico, que se alçaram ao status
de obras primas se comparados ao fiasco do reboot do grupo lançado em 2015. Em
resumo, o currículo da Fox nos filmes de quadrinhos é de alguns fabulosos
acertos, uma maioria de medíocres, e algumas tralhas inassistíveis. Até que
chegou o filme de um maluco de vermelho...
Deadpool (2016) chegou bagunçando a forma de se fazer filmes
de heróis. Com personagens e situações excessivamente adaptados, muitas vezes
para tornar os filmes aptos para a classificação 13 anos, os filmes do gênero,
não raro, acabam dando um “gosto aguado” para os que estão acostumado com os
originais impressos. Interpretado e produzido pelo mesmo Ryan Reynolds que
encarnou o personagem tosca e irreconhecivelmente adaptado em Wolverine:
Origens (um dos principais motivos do filme ser tão odiado), Deadpool veio com
classificação 17 anos, muita carnificina, palavrão e put... digo, safadeza,
numa excelente transcrição do personagem dos quadrinhos para o cinema. O
sucesso estrondoso de público abriu os olhos dos executivos da Fox. Hugh
Jackman já vinha interpretando Wolverine desde 2000 e já planejava aposentar as
garras de adamantium. Essa era a última oportunidade de produzir o que os fãs
vinham implorando durante anos: um filme do Wolverine de verdade! E foi
exatamente isso o que fizeram. Logan é o melhor filme do universo mutante desde
X-Men 2 e talvez, em alguns aspectos, o supere. Os aplausos no Festival de
Cannes não foram à toa.
Em 2029 praticamente não restam mais mutantes. Logan (Hugh
Jackman), envelhecido e debilitado, já não aguenta tanto as surras da vida
quanto antigamente. Trabalhando como motorista de limusine, ele cuida
secretamente de um Xavier nonagenário (Patrick Stewart) que precisa de drogas
tarja preta para controlar convulsões que podem ser letais para os que o
cercam. Logan tem a ajuda solitária do velho morlock Caliban (Stephen Merchant),
e tenta juntar dinheiro para comprar um barco e ir para o mais longe dali. Mas os
problemas sempre encontram Logan, e eis que surge Laura (Dafne Keen), de 11
anos, com garras de adamantium, fator de cura e sangue no olho, trazendo atrás de
si Pierce (Boyd Holbrook) e um pequeno exército que a persegue. Os últimos
mutantes partem então em busca de um lugar chamado Éden, um suposto refúgio
para mutantes.
O que mais impressiona em Logan não é o palavreado de
estiva, nem a brutal violência, apesar de ela ser essencial e esperada por quem
realmente conhece o personagem. O que o filme traz de diferente é uma constante
sensação de tragédia, de fracasso. Logan, Xavier e Caliban vivem sob os
escombros esquecidos do sonho de um futuro melhor, onde mutantes e humanos
vivem em harmonia. As paisagens desérticas evocam ambientações e contos pós apocalípticos.
Mas não houve apocalipse. Nada mudou na sociedade, todos vivem bem. O
holocausto foi apenas mutante, nenhum nasce e, pelo que se sabe, todos morreram
e ninguém parece se importar muito. Tudo o que resta a Logan é tentar
sobreviver, e nem isso ele parece se esforçar muito para fazer. Nenhum
personagem mutante no cinema apanhou tanto da vida quanto Logan. A morte e a
perda o perseguem com inclemência. Ele está doente, morrendo e cansado de
perder. Quando a vida joga Laura em seu colo, Logan obviamente recusa qualquer
responsabilidade. Mas esta pode ser sua última chance de fazer novamente algo
que realmente faça diferença. De ser um herói. Muito se falou de que uma
adaptação de O Velho Logan deveria ter Clint Eastwood no papel principal. Isso
não só faz todo sentido, como, de certa forma, se concretiza em Logan. A
semelhança física de Jackman com Eastwood é menos eloquente do que os ecos de
Os Imperdoáveis (1992), onde Eastwood encarna o cowboy envelhecido e decadente
que precisa reunir suas últimas forças para enfrentar homens perigosos. As
cenas de Os Brutos Também Amam (1953) que Xavier e Laura veem no hotel reforçam
o tom de western do filme e prenunciam o destino dos personagens.
James Mangold, que dirigiu Wolverine Imortal recebendo
reações controversas (há quem ache bem melhor do que Origens, outros, pior...)
ganhou carta branca da Fox para fazer o filme que quisesse e não desperdiçou a
oportunidade. Com inteligência e sensibilidade, Mangold, que escreveu o roteiro
junto com Scott Frank e Michael Green, não se deixou seduzir pela saída fácil
de se ater ao “sangue e palavrões” ao forjar seu filme “para maiores”. Ele desenvolve
extremamente bem os personagens naquele momento trágico de suas vidas, dando
chance ao elenco de brilhar como nunca. Jackman dá sua melhor interpretação do personagem
desde que assumiu as garras há 17 anos. Patrick Stewart, excepcional ator shakespeariano,
não tem oportunidade de brilhar assim na tela desde o brilhante episódio final
de Star Trek: A Nova Geração. Flutuando entre a delirante senilidade e a
desolada sanidade, Xavier tenta desesperadamente mostrar a Logan a urgência em
proteger Laura, manda Logan se f... acusando-o de ingrato, finge tomar os
remédios como um velho turrão e guarda soterrada nas profundezas da memória uma
culpa que o corrói. Mas Dafne Keen não brilha menos do que seus colegas com
múltiplas vezes sua idade. Com traços incrivelmente expressivos, Keen imprime
em Laura uma selvageria real, com domínio suficiente das sutilezas da
interpretação para deixar transparecer a inocência e a fragilidade infantil
apenas no momentos certos. Com atores de tamanho gabarito ao seu lado, Keen
consegue tornar o filme tão de Laura quanto é de Logan.
Será imensamente interessante ver como o público perceberá o
filme daqui a 20 ou 30 anos, pois Mangold, além de contar uma belíssima
história sobre a morte de um sonho e o crepúsculo de um herói, também conseguiu
tornar Logan um produto do seu tempo. Numa época em que proclamados fãs de
X-Men infestam a internet vomitando intolerância, racismo, machismo e
homofobia, Mangold tomou a tarefa de relembrar porque Stan Lee criou os
mutantes em 1963, época crucial na luta pelos direitos civis. Com Donald Trump
na presidência dos EUA, Mangold traz um filme onde novos jovens mutantes vêm do
México, são perseguidos e quase dizimados, e têm que lutar, apesar das imensas desvantagens,
não só pela própria sobrevivência, mas para manter vivo o sonho de Xavier de um
futuro de paz e igualdade. Logan é uma verdadeira história de Wolverine e dos
mutantes. Pode ser o fim da jornada de Hugh Jackman empunhando as garras do
carcaju. Mas não é o fim dos mutantes no cinema e, se a Fox realmente aprender
com seus erros e acertos, uma nova era de filmes mais fiéis aos personagens e
suas histórias. Assim como no próprio filme, ficamos com a esperança de que,
apesar das tragédias passadas, uma nova geração sinaliza com um belo futuro.
LOGAN
Com: Hugh Jackman, Patrick Stewart, Dafne Keen, Boyd Holbrook, Stephen Merchant, Richard E. Grantt.
Direção: James Mangold
Roteiro: James Mangold, Scott Frank e Michael Green
Fotografia: John Mathieson
Montagem: Michael McCusker e Dirk Westervelt
Música: Marco Beltrami
COTAÇÃO:
Com: Hugh Jackman, Patrick Stewart, Dafne Keen, Boyd Holbrook, Stephen Merchant, Richard E. Grantt.
Direção: James Mangold
Roteiro: James Mangold, Scott Frank e Michael Green
Fotografia: John Mathieson
Montagem: Michael McCusker e Dirk Westervelt
Música: Marco Beltrami
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