Por Ricky Nobre
O cinema de animação em sua forma mais comercial,
majoritariamente voltada ao público infanto-juvenil, tem como tema recorrente o
jovem herói com um sonho aparentemente impossível e, geralmente, precisa
enfrentar a família ou mesmo toda sua comunidade para perseguir seus objetivos
e, não raro, volta triunfante para o lugar de onde partiu com o louros da
vitória e da aceitação de seus pares. Seguir esse roteirinho já garantiu o
sucesso de muitos filmes, citando apenas Como Treinar Seu Dragão e Moana como
exemplos recentes. O que separa Rock Dog de seus antecessores mais bem
sucedidos é a originalidade e inteligência ao tratar de uma história básica tão
batida. Qualidades essas que essa coprodução China-EUA apresenta em quantidades
bastante reduzidas.
Bodi é um jovem cão mastim tibetano que deveria suceder seu
pai na tarefa de proteger um pequeno vilarejo de ovelhas nas montanhas contra
os lobos cinzentos. Apaixonado por música, o jovem decide deixar o vilarejo e
partir em direção à cidade em busca do grande rockeiro Angus Scattergood, com
quem ele acredita que aprenderá tudo sobre rock.
A ideia de uma animação sobre um rapaz que ama rock é
fascinante. O roteiro escrito pelo diretor Ash Brannon é levemente baseado no
quadrinho Tibetan Rock Dog, de autoria do músico chinês Zheng Jun. mas é
difícil de acreditar que estamos falando do mesmo co-diretor e roteirista de
Toy Story 2 e Tá Dando Onda. O filme é extremamente clichê, até mesmo para um
filme infantil. Todos os animais representam fielmente os seus clichês de
personalidade (com uma divertida exceção para os dois lobos capangas que chegam
a ser simpáticos) e chega a ser incômoda a insistência da piada recorrente
sobre a burrice das ovelhas, dando a entender que, como um povo simples de
vilarejo, precisam mesmo de alguém mais forte e, principalmente, mais
inteligente para defende-los. De toda a grande gama de personagens, apenas uma
é feminina, com uma participação bastante limitada, apesar de ser uma das
únicas que simpatiza com Bodi em sua aventura na cidade. A mistura de tudo isso
com um poder místico dominado pelo pai de Bodi, e que ele supostamente deveria
ter herdado, parece bastante fora do lugar dentro de uma história que é cerca
de 70% urbana e contemporânea, apesar de servir às metáforas de “força interior”
e “verdadeira essência” que compõem a mensagem final do filme.
De todos, o personagem do gato Angus acaba se tornando,
disparado, o mais interessante do filme, bastante consistente em sua
construção. Seu carisma e talento contrastam muito bem com seu ego gigante, sua
vaidade e falta de escrúpulos e sua jornada e aprendizado acabam sendo quase
tão interessantes e bem resolvidas do que os do herói Bodi. A extrema
ingenuidade de Bodi, aliás, pode ser irritante ou encantadora, dependendo da
visão do espectador, mas é bem consistente com o total isolamento no qual vivia
antes de sair da sua vila.
No final, beeeem no finalzinho, prevalece a mensagem do
valor da arte e da cultura sobre o militarismo e de que a força que faz uma
pessoa brilhar é diferente em cada um e ninguém pode te dizer qual é, a não ser
você mesmo. Mas ela fica misturada a várias outras mensagenzinhas não tão
legais, principalmente no que diz respeito aos clichês dos personagens (como as
das sempre burras ovelhas). Faltou talento ao roteiro para misturar de forma
orgânica e convincente os elementos díspares do filme, como rock n’ roll,
aventura urbana, poder místico, lobos mafiosos e a simplicidade de um vilarejo
nas montanhas tibetanas. Ao custo de 60 milhões de dólares, arrecadou apenas um
terço disso em todo o mundo. Faltaram melhores personagens, melhores diálogos e
situações mais criativas e bem amarradas. Pode agradar aos pequenos e aos que
assistem totalmente sem expectativas. Mas uma animação sobre um jovem cão que
ama rock merecia algo muito melhor.
ROCK DOG, 2016
Vozes originais: Luke Wilson, Eddie Izzard, J.K. Simmons, Lewis
Black, Sam Elliott, Mae Whitman e Matt Dillon
Direção e roteiro: Ash Brannon
Montagem: Ivan Bilancio e Ed Fuller
Música: Rolfe Kent
Desenho de produção: Elad Tibi
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