Por Ricky Nobre
Existe algo de muito astuto na forma como Top Gun: Maverick foi concebido. O filme original de 1986, que lançou Tom Cruise definitivamente ao estrelato e consolidou a carreira do diretor Tony Scott em seu segundo longa-metragem, era uma obra muito simples, consistindo basicamente nas dificuldades e rivalidades dos alunos de uma escola de pilotos de elite, com uma bela estética que Scott trouxe da publicidade. A ação desses pilotos em combate só acontece no último ato e é bastante genérica, sendo apenas uma espécie de “batismo” dos recém-formados. O roteiro desta continuação, escrito a dez mãos sob a grande mão de ferro de Cruise como produtor, cria toda uma nova estrutura. Após estabelecer onde o protagonista está em sua carreira, com 15 minutos de projeção o filme já define sua missão, seus riscos, os desafios que os personagens enfrentarão e o que isso pode lhes custar. É um foco preciso desde o início e é o principal elemento que o torna tão diferente do primeiro. Mas o que isso realmente significa na prática é que essa foi a forma de Cruise aplicar neste filme a grande fórmula de sucesso de sua principal franquia. Top Gun: Maverick é basicamente um Missão Impossível de guerra.
Esta é uma das continuações com maior distância temporal de seu filme original: 36 anos. O diretor Joseph Kosinski já havia feito algo semelhante quando rodou Tron: Legacy 28 anos depois do original. Nesta onda de continuações tardias, é muito traiçoeira a corda bamba onde se equilibram a nostalgia das obras originais e a construção de identidades próprias, e os tombos são mais frequentes do que deveriam. Mas aqui, Kosinski maneja tudo isso com muita habilidade. Não se enganem: há muita nostalgia, muita referência ao Top Gun original, sejam citações, fotos, músicas, cenas e personagens. Mas o filme não se apoia nem depende deles, pois sua força vem dos obstáculos da missão e da relação de Maverick com os novos personagens. Inclusive, o filme funciona perfeitamente bem para quem não viu o primeiro, pois tudo o que o público precisa saber (o que não é muito), é recapitulado.
O filme mantém uma tênue, mas constante tensão, pois sempre é relembrada a dificuldade da missão. Nesse ponto, é adicionado um elemento importante em relação ao primeiro. Em Top Gun de 1986, o Departamento de Defesa Americano solicitou mudanças no roteiro para que ele fosse (ainda) mais simpático às forças armadas. Desta vez, porém, não houve interferência e existe um mínimo de perspectiva. Assim, o roteiro conseguiu inserir o fato de que Maverick é o único que realmente se preocupa que os pilotos voltem vivos da missão, o que não parece ser uma prioridade dos comandantes. Isso adiciona tensão às cenas de um protagonista que já tem o perfil de rebelde, mas, principalmente, humanidade.
Enquanto o filme original era basicamente uma glorificação do poder militar dos EUA com um lindo filtro dourado, porém bastante vazio dramaticamente, aqui ele pega o que o anterior teve de mais dramático e constrói boa parte da tensão entre personagens a partir daí, no caso, a relação de Maverick e Rooster, filho de seu amigo Goose, morto no filme anterior numa fatalidade cuja responsabilidade Maverick carrega mesmo sem ter tido a culpa. Ainda que a resolução desses conflitos sejam também um eco dos personagens de Maverick e Ice no original, aqui tudo é dramaticamente mais intenso e com uma ligação mais profunda entre os personagens.
Enquanto que Top Gun foi um dos filmes fundadores de toda a estética dos blockbusters dos anos 80 e 90 vindos do produtor Jerry Bruckheimer, neste novo filme, ainda que Bruckheimer retorne como produtor e a direção de Kosinski tenha ótimo domínio do filme, é o estilo do produtor Tom Cruise quem domina o show. Todos os atores tiveram que aprender a pilotar, pois quase todas as suas cenas nos cockpits dos caças são reais, onde o elenco teve que, por estarem totalmente sozinhos nas filmagens, aprender a operar as câmeras e ajustar a luz, o que impôs uma imensa dificuldade e extensa preparação do diretor de fotografia Claudio Miranda. Esse estilo que privilegia efeitos práticos e filmagens reais em detrimento do CGI vem sendo uma característica dos filmes produzidos por Cruise, e o resultado é uma estética bem menos plastificada e uma ação mais visceral. Porém, ainda que a ação seja mais intensa e o conteúdo dramático seja mais aprofundado, o filme mantém uma leveza de blockbuster de verão extremamente simpática.
Top Gun: Maverick é o maior abismo (ascendente) que já existiu entre um original e sua continuação. Mais que modernizar sua linguagem de cinema de ação, trazendo-a para este século, adiciona-lhe alma. Ainda é uma propaganda descarada do poderio bélico norte americano, com sua superioridade moral e seus inimigos sem nome e sem rosto, mas isso é um padrão de Hollywood desde sempre. O que é revigorante é que o filme resgata essa potência hollywoodiana em ser uma usina de diversão, com o ápice da tecnologia, criatividade e domínio da linguagem do gênero. Top Gun: Maverick é cinemão pipoca de primeira qualidade.
COTAÇÃO:
INDICAÇÕES AO OSCAR:
Melhor filme
Roteiro adaptado: Ehren Kruger, Eric Warren Singer e Christopher McQuarrie
Montagem: Eddie Hamilton
Som: Mark Weingarten, James H. Mather, Al Nelson, Chris Burdon e Mark Taylor
Efeitos visuais: Ryan Tudhope, Seth Hill, Bryan Litson e Scott R. Fisher
Canção original: "Hold My Hand" – Lady Gaga e BloodPop
TOP GUN: MAVERICK (EUA – 2022)
Com: Tom Cruise, Miles Teller, Jennifer Connelly, Jon Hamm, Charles Parnell, Glen Powell, Monica Barbaro, Ed Harris e Val Kilmer.
Direção: Joseph Kosinski
História: Peter Craig e Justin Marks
Roteiro: Ehren Kruger, Eric Warren Singer e Christopher McQuarrie
Fotografia: Claudio Miranda
Montagem: Eddie Hamilton
Música: Harold Faltermeyer, Hans Zimmer e Lady Gaga
Design de produção: Jeremy Hindle
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