Por Ricky Nobre
Poucos eventos marcaram a memória do mundo no século XX como
o assassinato de Kennedy. Seus efeitos no imaginário dos EUA são incalculáveis.
Da mesma forma, Jacqueline Kennedy mudou a imagem da primeira dama, tornando-se
até mesmo ícone de moda. Jackie é a primeira cinebiografia a se concentrar
nessa figura que confunde-se com a própria imagem da década de 60.
Natalie Portman dá vida à Jackie, nesse projeto que já foi
de Darren Aronofsky, mas que foi assumido pelo chileno Pablo Larrain, que não é
estranho ao cinema de conteúdo político. Aqui, por outro lado, a política é um
mero pano de fundo, pois o foco é na pessoa de Jackie, numa obra que se
concentra em seus momentos mais íntimos, como na bela sequência em que ela está
sozinha na Casa Branca, ouvindo Camelot, bebendo e separando, aos prantos, os
pertences a serem levados em sua obrigatória mudança, pois precisa dar lugar ao
novo presidente Johnson. Outras diversas cenas que expõem sua fragilidade, como
ela limpando o sangue do marido do rosto depois de horas de um dia
interminável, suas conversas com um padre (John Hurt, em seu último trabalho) ou
quando precisa dizer para os filhos muito pequenos que o pai morreu, contrastam
com a imagem severa, fechada e austera que forja para si na presença do
jornalista da revista Life que a entrevista durante o filme.
O olhar estrangeiro de Larrain (é curioso como diversos
filmes sobre ícones americanos foram dirigidos por cineastas de outros países)
garante ao filme um toque, mesmo que sutil, além da cinebiografia ordinária que
sai da linha de montagem hollywoodiana. A forma como a câmera segue Portman é
profundamente intimista, com closes longos e contínuos, em momentos em que tudo
que a cerca se esvai e o protagonismo pleno é o da emoção. Tal a confiança na
emoção como narradora e em Portman como seu veículo, que cerca de um terço das
cenas do filme foram feitas a partir do primeiro take filmado, quando o
instinto do ator está mais aguçado, sem o refinamento das repetições. A música
de Mica Levi, por vezes fluida, por outras incômoda, jamais escondida pela
mixagem, é outro elemento que concentra-se de forma dedicada ao frágil e
conturbado estado psicológico e emocional da personagem.
Assim, o filme procura retratar o papel de Jackie na imagem
sui generis que os Kennedy tinham frente ao povo americano, não apenas ao
ajudar a forjar a aura de “casal moderno e festeiro da Casa Branca”, mas também
ao conceber um funeral-espetáculo que se tornou motivo de muito embates,
críticas e fofocas. Um filme, no fundo, simples, que pode decepcionar quem
esperava algo muito mais espetacular para retratar um Kennedy. Mas até os
Kennedys, “big as life” como eram, também eram apenas pessoas.
INDICAÇÕES AO OSCAR
Atriz: Natalie Portman
Música original: Mica Levi
Um comentário:
As pessoas me inspiram mais do que os mitos.
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