Por Ricky Nobre
Pode confiar que não tem erro: é batata! Se quiser ver os
melhores filmes deste Oscar, basta procurar os que têm apenas uma indicação. O
diretor e roteirista Mike Mills construiu Mulheres do Século Vinte levemente
baseado em suas experiências de juventude e de sua própria mãe. Em 1979,
Dorothea (Annette Bening) é uma mulher de 55 anos, ativa, inteligente, que cria
sozinha seu filho Jemie (Lucas Jade Zumann), de 15 anos. Ela luta para entender
o rapaz e o mundo em que ele está inserido, muito diferente daquele em que ela
foi criada. Julgando-se sem referências para um mundo em tão rápida mudança,
com uma juventude que ela não compreende, ela pede a ajuda de Julie (Elle
Fanning), amiga do filho e vizinha de 17 anos, e Abbie (Greta Gerwig),
fotógrafa de 24 anos que aluga um dos quartos de Dorothea e luta contra um
câncer.
Tudo neste emocionante e adorável filme funciona à
perfeição, a começar pelo roteiro, detentor da única indicação que o filme
recebeu e que, se houvesse justiça nesse mundo, levaria a estatueta pra casa. Não
é nada fácil escrever um filme sem trama, principalmente por não ser possível
usar as fórmulas e truquezinhos dos manuais. Assim como Abbie fotografa objetos
que lhe pertencem na tentativa de criar um retrato geral de si mesma, o filme é
uma série de retalhos, extremamente bem costurados, da vida dos personagens
naquele período em particular. O retrato resultante é não apenas o daquelas
pessoas, ou de uma época, mas também, e principalmente, daquelas pessoas
descobrindo a vida, vida esta indissociável daquele momento da história. Não é aleatória
a escolha do ano em que o filme se passa. O último ano da década de 70 é um
símbolo dos últimos momentos de um período efervescente na revolução dos
costumes, direitos civis, revolução sexual, feminismo. Em determinado ponto, a
narração de Dorothea chama a atenção para o fato de que os personagens, naquele
momento, não faziam ideia de que o movimento punk e todo o espírito dos anos 70
estavam de fato dando seus últimos suspiros, pois a Era Reagan estava aguardando
logo adiante, iniciando uma década marcada pelo conservadorismo e
individualismo.
É fascinante como o filme mostra essas mulheres do século
20, principalmente na derrubada de alguns mitos e pressuposições. Dorothea foi
sempre uma mulher forte e à frente de seu tempo. Alistou-se e treinou para ser
piloto de caça na Segunda Guerra, mas as guerra acabou antes que ela
conseguisse terminar o treinamento. Divorciada sem neuras, trabalha, cria o
filho e monitora diariamente seus investimentos em ações. Mas tem dificuldades
em lidar com os livros feministas que lê, e ofende-se terrivelmente quando
Abbie começa a falar de menstruação como um assunto corriqueiro. Abbie é
independente, saiu de casa cedo para cursar faculdade, possui profundo conhecimento
teórico do feminismo e enfrenta o câncer com bravura. Mas precisa montar um
teatrinho para sentir-se confortável no sexo, e a possibilidade de não ter filhos
a fragiliza e entristece. Julie ainda é menor de idade, mas tem vida sexual
bastante ativa. Sendo filha de psicóloga, gosta de analisar as pessoas e até
faz isso muito bem. Mas nunca teve orgasmo com garoto nenhum. Não são clichês
de mulheres modernas. São mulheres reais. Tudo isso é obra não apenas no
excelente roteiro mas também do elenco impecável, onde Benning pode se juntar à
Amy Adams para dar queixa contra roubo de indicação.
Mas o filme não é só das mulheres. O jovem Jamie, alter ego
de Mike Mills, aprende sobre a vida justamente através destas três mulheres. Ele
conhece o movimento punk e a vida noturna com Abbie, tenta lidar com a
amizade de infância que se transformou em paixão não correspondida por Julie e
tenta ajudar a mãe, pois acredita que ela se dedica tanto à felicidade dele,
enquanto ela mesma não é feliz. E há também William (Billy Crudup), outro
inquilino de Dorothea, remanescente da cultura hippie, que mesmo fascinado
pelas mulheres e com facilidade de levá-las para a cama, não consegue forjar
ligações duradouras com elas.
Sem a pretensão de fazer um filme feminista, Mills admite que
é uma visão masculina das mulheres daquela época ao colocar Jamie como
protagonista junto com Dorothea. Como o próprio Mills disse, é uma homenagem às
mulheres que o tornaram o homem que ele é. As narrações, a estrutura da montagem,
as fotos de época, a música (punk rock acompanhando os personagens jovens e os
sucessos dos anos trinta e quarenta com Dorothea), tudo isso funciona como a
perfeita encadernação de um belíssimo, emocional e fascinante álbum de
memórias. Mulheres do Século 20 é um filme lindo e adorável.
INDICAÇÃO AO OSCAR:
Roteiro original: Mike Mills
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