Por Ricky Nobre
Histórias de grandes tragédias pessoais costumam ter uma
abordagem padrão em Hollywood. Geralmente, servem como base para filmes
“inspiradores”, que mostram personagens passando por experiências traumáticas e
enfrentando enormes dificuldades para, no final, deixarem uma bela mensagem
sobre fé, persistência e superação. Isso absolutamente NÃO descreve Manchester
à Beira Mar.
Lee (Casey Affleck, sensacional) é um faz tudo num
condomínio que leva uma vida monocórdica, fazendo reparos em apartamentos em
troca de um salário mínimo e um quartinho pra dormir. Quando o irmão que sofria
de uma doença cardíaca acaba falecendo, Lee descobre que este havia determinado
em testamento que ele deveria tornar-se o tutor do sobrinho (Lucas Hedges), sem
jamais ter discutido isso com o irmão. Lee passa algumas semanas cuidando do
sobrinho na casa deste, mas pretende levá-lo para sua própria casa, numa cidade
vizinha, para morar permanentemente com ele, sob os veementes protestos do
garoto que não vê motivo para se afastar de sua escola e de todos os seus
amigos.
O filme do escritor e diretor Kenneth Lonergan não é feito
de momentos arrebatadores, muito pelo contrário. Salvo talvez uma única cena de
profundo impacto dramático, Manchester à Beira Mar é feito de frases, gestos e
ações simples, mas carregadas de emoção dolorosamente contida. Nisso, o texto
contido e discreto, que prefere dizer muito com pouco, depende muito de seu
elenco, e Lonergan foi extremamente feliz ao escalá-lo. O filme, de fato,
deveria ser dirigido e interpretado por Matt Damon. Mas uma série de atrasos o
deixou apenas como produtor, e Lonergan assumiu a direção do roteiro que
escreveu e Affleck acabou ficando com a oportunidade de mostrar o gigante de
ator que é. Toda a raiva, culpa, tristeza, frustração e medo de Lee são
expressos com impressionante atenção aos detalhes, olhares, posturas corporais
e com o desconfortável silêncio do personagem. Lucas Hedges também se sai muito
bem e Michelle Williams prova porque uma personagem com tão pouco tempo na tela
precisava de uma atriz do seu calibre para interpretá-la, mostrando mais uma
vez porque é uma das melhores e mais subestimadas atrizes de sua geração.
Os flashbacks que contam a vida de Lee antes de se tornar um
faz tudo recluso entremeiam a narrativa muitas vezes sem uma separação temporal
clara, e é preciso atenção do espectador para separar passado e presente sem se
confundir. Mas a principal dica que entrega claramente o que é passado e futuro
é o próprio Lee. No passado ele é leve, engraçado, amoroso, vivo. No presente é
fechado, vivendo no automático, falando o mínimo possível e arrumando brigas em
bares absolutamente sem motivo algum. A trilha musical é composta apenas com
peças clássicas, algo que às vezes apresenta problemas. A cena-chave que mostra
a grande tragédia da vida de Lee acontece ao som do Adágio em Sol Menor, de
Albinoni, peça excessivamente conhecida, o que pode gerar alguma distração.
A tragédia que mudou a vida de Lee e que passou a defini-lo
é a mesma que inicialmente o faz pensar que a melhor decisão é incluir o
sobrinho em sua vida de zumbi, sem objetivo. Mas também pode ser a que o fará
tomar sua decisão final, talvez não a certa, mas a melhor que ele pode tomar.
Manchester à Beira Mar não é um filme sobre superações exemplares. É sobre
pessoas comuns vivendo com dores profundas e tentando fazê-lo da melhor forma
possível. Se sua impressão será de um final triste que é feliz ou de um final
feliz que é triste, depende apenas de você.
INDICAÇÕES AO OSCAR
Filme
Diretor: Kenneth
Lonergan
Ator: Casey
Affleck
Ator coadjuvante: Lucas Hedges
Atriz coadjuvante:
Michelle Williams
Roteiro original:
Kenneth Lonergan
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