Por Ricky Nobre
Um Limite Entre Nós (mais um presente da “criatividade” dos distribuidores brasileiros em traduzir títulos) é mais um filme deste Oscar sobre negritude. Enquanto Estrelas Além do Tempo é o mais previsível e Moonlight certamente o mais alternativo, esta terceira experiência de Denzel Washington como diretor guarda um trunfo precioso: a simplicidade de uma história familiar, onde a qualidade do texto e a dedicação do elenco forjam uma obra cativante.
Num bairro negro no início dos anos 50, o alegre e falastrão lixeiro Troy (Denzel, brilhando) adora contar histórias de autenticidade duvidosa, rir com o amigo Bono (Stephen Henderson) e a esposa Rose (Viola Davis, impecável como sempre), enquanto adia indefinidamente a construção de uma cerca em volta de casa pedida por Rose. O que o tira do sério são os conflitos com o filho adolescente que quer jogar futebol, coisa que ele não o permite fazer sem que mantenha um emprego paralelo. Dentre confissões de sofrimentos e pecados do passado e novos erros do presente, a personalidade expansiva e ao mesmo tempo turrona de Troy irá colocar seu relacionamento com cada um de seus familiares em xeque.
Não é necessário qualquer conhecimento prévio sobre o filme para ter certeza, após meros dez minutos de projeção, que se trata de uma adaptação de peça teatral. Fazer cinema a partir de teatro nunca é um trabalho fácil, principalmente quando a fidelidade ao texto original é a escolha mais acertada. Desta forma, a eloquência dos diálogos, e até mesmo alguns monólogos, a mínima variação de cenários e, particularmente, a flagrante teatralidade da interpretação de Denzel (por mais que seu personagem Troy tenha mesmo uma personalidade teatral) compõem uma obra que raramente vai muito além do teatro filmado. E isso parece ter sido uma escolha deliberada da direção. Sucesso em sua estreia na década de 80 com James Earl Jones como o protagonista, a peça voltou à Broadway na década passada com os mesmos atores desta versão cinematográfica. Desta forma, Um Limite Entre Nós, enquanto cinema, parecer ter a função de apenas eternizar a versão destes artistas do texto original.
A questão racial inevitavelmente se apresenta na trama, seja na luta de Troy para ser promovido a motorista do caminhão de lixo (função exclusiva dos brancos), seja na mágoa que guarda por não ter tido sucesso como atleta, apesar de seu excelente rendimento, justamente por ser negro. Por essa razão, ele desdenha dos sonhos do filho de jogar futebol, pois acredita que não há lugar para negros no esporte, recusando-se a aceitar os argumento do filho e da esposa de que os tempos estavam mudando e atletas negros já eram aceitos e faziam sucesso.
Apesar das questões raciais serem essenciais na trama, o foco é nas relações familiares, no cotidiano, nos laços afetivos, nas mágoas, na humanidade dos personagens. E talvez essa seja a grande e essencial contribuição do filme para os dias de hoje: com elenco 100% negro e o cenário de um bairro negro da periferia, Um Limite Entre Nós fala de dramas que poderiam ter acontecido com qualquer um de nós, mas com especificidades da história dos negros americanos. É um filme sobre uma família negra. E, em sua mais elementar essência, um filme sobre família.
INDICAÇÕES AO OSCAR
Filme
Ator: Denzel Washinton
Atriz coadjuvante: Viola Davis
Roteiro adaptado: August Wilson, baseado em sua peça
Nenhum comentário:
Postar um comentário