Por Ricky Nobre
Como foi comentado na crítica de Raya, os lançamentos da Disney de 2021 têm em comum as influências que seus produtores tiveram dos filmes do Studio Ghiibli. Especificamente, o italiano Enrico Casarosa, diretor de Luca, declarou em entrevista o impacto que o cinema de Hayao Miyazaki teve em seu filme (o nome da cidade ser Portorosso já dá a dica). No entanto, ainda que essas influências sejam concretas e formem a identidade do filme, a ausência de uma característica especifica acaba por fazer de Luca uma experiência não completamente bem-sucedida.
Na Riviera Italiana dos anos 60, o jovem Luca vive no fundo do mar com sua família de criaturas marinhas, mas sempre com curiosidade sobre a superfície, apesar dos avisos de sua mãe. Quando ele conhece Alberto, que vive na superfície a um tempo, ele descobre que, ao sair da água, passa a ter a aparência de humano. Ao visitar a pequena cidade de Portorosso, ele entra numa corrida para poder comprar uma lambreta e, junto com o amigo, viajar pelo mundo.
A história é muito simples e bem pequena. Apesar dos ecos iniciais de A Pequena Sereia, Luca passa a se assemelhar mais com Ponyo, revelando a principal inspiração do diretor. Essa simplicidade da história leva a um ritmo mais lento, mais longe da histeria típica da animação americana, vinda da potencialização do estilo hollywoodiano de roteiro onde tudo tem que ser objetivo e cada cena só pode existir se “levar a história adiante”, excluindo qualquer tempo a ser investido em atmosfera, em contemplação, em conhecer os personagens através de cenas simples (para quem quiser se aprofundar, sugiro esse excelente vídeo do Max Valarezo “Hayao Myiazaki e a importância do vazio)”. Alguns podem perceber o filme como arrastado e isso talvez seja pelo roteiro ainda tentar manter uma aparência de “agilidade”, principalmente com os diálogos, ou seja, não entrando totalmente de cabeça em um ritmo mais lento, ou ainda, provavelmente, pela expectativa do público em relação a um filme da Pixar.
Mesmo assim, Luca cumpre muito bem o seu papel de ser uma obra mais simples e leve do estúdio. Os personagens são excelentes e cativantes. Luca tem pinceladas muito divertidas de Bob (o do Mundo Fantástico), com sua fértil imaginação sobre as maravilhas do mundo terreno que ele acabava de conhecer. Giulia é uma luz no filme com seu otimismo e alegria. O grande problema do filme, que o impede de ser um marco na Pixar e um perfeito exemplo da influência de Miyazaki no estúdio, vem de outro personagem, o vilão Ercole.
Ercole falha em todos os aspectos. Ele não é ameaçador, nem assustador, dada sua construção complemente caricatural e tola. Sendo tão exagerado e particularmente burro, o personagem podia conquistar pelo humor, se não fosse completamente sem graça. Um vilão que não é nem assustador nem inteligente precisa ser engraçado. E com um vilão que é com certeza o pior que já saiu da Disney/Pixar, o filme deixa a pergunta se não teria sido muito melhor seguir outro exemplo do Miyazaki e apresentar uma história sem vilão. A figura do antagonista que não é “mau” (como foi muito bem usada neste mesmo ano em Raya) ou mesmo a total ausência de uma figura específica que assuma esse posto, daria uma leveza ainda maior para o filme ao mesmo tempo em que o tornaria mais realista, no sentido de que as dificuldades muitas vezes não vêm necessariamente de uma figura específica, mas de uma mentalidade, uma cultura ou um conjunto de situações. Porém, essa abordagem, se tivesse sido utilizada, comprometeria o segundo problema do filme: seu desfecho.
Luca está sendo lido por uma grande parcela do público como uma simbologia do preconceito contra LGBTs. E não é uma análise absurda. A conclusão do filme deixa isso razoavelmente claro e é um toque ao mesmo tempo simpático e sensível. Outra leitura que leva essa simbologia a um nível mais literal (uma suposta atração romântica entre Luca e Alberto) soa mais forçada mas vem sendo discutida. Enfim, a conclusão simplista dada ao próprio vilão (sim, tudo sobre ele é ruim), acaba por influenciar ou, na melhor das hipóteses, refletir a solução simplista dada ao horror que a população da cidade tem dos “monstros marinhos” (tentando evitar spoiler, mas é do nível de “ah, tá, eles são legais”). Ao ligar a perpetuação do preconceito à intransigência de um único vilão ridículo, o filme sugere que a solução para esse problema é simples e tola.
A ausência do personagem Ercole talvez empurrasse o roteiro para uma solução menos tola e mais complexa. Mas talvez não. O que fica ao final de Luca é uma sensação muito terna e simpática de amor e fraternidade. Mas poderia ter ido bem além.
COTAÇÃO:
INDICAÇÃO AO OSCAR:
Melhor longa de animação
LUCA (EUA – 2021)
Com: Jacob Tremblay, Jack Dylan Grazer, Emma Berman, Saverio Raimondo, Maya Rudolph e Marco Barricelli
Direção: Enrico Casarosa
Roteiro: Jesse Andrews e Mike Jones
Fotografia: David Juan Bianchi e Kim White
Montagem: Catherine Apple e Jason Hudak
Música: Dan Romer
Design de produção: Daniela Strijleva
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