Por Ricky Nobre
Guillermo del Toro faz filmes de monstros. Algumas vezes eles são a real ameaça (como em Blade 2 e Círculo de Fogo), em outras são ambíguos (Labirinto do Fauno), mas outras são os heróis marginalizados por sua aparência (como Hellboy e A Forma da Água). Porém, mesmo naqueles em que os monstros são de fato ameaçadores, é tema recorrente em seu cinema a noção de que os monstros de verdade são os seres humanos. Em O Beco do Pesadelo, Del Toro dá um passo adiante: as pessoas são as vítimas e os monstros de si mesmos.
Nesta adaptação do livro de William Lindsay Gresham, que já foi filmado em 1947 com Tyrone Power, acompanhamos Stanton, um homem sem dinheiro e sem lar que encontra trabalho, teto e uma família em um parque de diversões. Enquanto a Segunda Guerra se iniciava na Europa, Stanton aprende técnicas de “mentalismo” e fica fascinado com as possibilidades. Seu sonho é criar um grande ato que o deixe rico, e para tal se utiliza não apenas de seu grande talento e inteligência para golpes, mas também de limites éticos muito flexíveis.
O filme possui duas metades radicalmente diferentes. A primeira do parque tem ritmo lento, apresenta e constrói diversos personagens, e vai aos poucos desvendando o protagonista, que inicialmente é um mistério tanto para os demais personagens quanto para o público. Aos poucos, vai se estabelecendo uma forte identificação de Stanton com o que o parque tem de mais sombrio, como as técnicas de golpes e a capacidade de explorar pessoas em seus momentos mais vulneráveis, seja a fé dos visitantes, seja a vida de viciados. Ali, Stanton descobre seu talento e seu propósito. Isso o leva à segunda metade do filme, urbana e mais classicamente noir, com golpes de altos riscos, dinheiro sujo, mistério é, é claro, a femme fatale.
Del Toro é mestre nos visuais de seus filmes e aqui ele é especialmente esmerado. A direção de arte e a fotografia são lindíssimos e a música de Nathan Johnson é eficiente e climática, apesar de não particularmente inspirada. O excelente elenco é um grande trunfo, com especial destaque para David Strathairn como o velho mentalista que abandonou as antigas práticas quando sua consciência não aguentava mais, caindo no alcoolismo. Talvez o único aspecto mais problemático do filme seja, inesperadamente, a atuação de Cate Blanchet. É uma interpretação tão pesada que esmaga tudo o que, potencialmente, deveria ser o destaque de seu personagem: a sensualidade, o mistério, a beleza... talvez apenas a inteligência da personagem consiga se destacar um pouco, ainda que suas motivações sejam muito pouco claras.
A chave para compreender o filme, seu protagonista e sua marcha sombria e resolutamente fatalista até o final está na forma como Stanton lida com seu passado e seus demônios internos, seja seu pai, outras figuras paternas, sua arrogância e seus segredos obscuros, incapaz de se libertar de seu egoísmo e ressentimentos. Stan termina por fechar um círculo perfeito. Ele é o golpista e a vítima. Del Toro, seja com seus monstros perversos, seja com os monstros heroicos, sempre apresentou algum feixe de luz na escuridão. Aqui são só abismo e trevas. As trevas da alma que não sabe perdoar e seguir a vida e só sabe devolver ao mundo todo o mal que recebeu. É para o que ele nasceu.
COTAÇÃO:
INDICAÇÕES AO OSCAR:
Melhor filme
Direção de arte: Tamara Deverell e Shane Vieau
Fotografia: Dan Laustsen
Figurino: Luis Sequeira
O BECO DO PESADELO (Nightmare Alley, EUA/México/Canadá – 2021)
Com: Bradley Cooper, Rooney Mara, Cate Blanchett, Toni Collette, Willem Dafoe, Richard Jenkins, Ron Perlman, Mary Steenburgen, David Strathairn e Mark Povinelli
Direção: Guillermo del Toro
Roteiro: Guillermo del Toro e Kim Morgan, baseado no livro de William Lindsay Gresham
Fotografia: Dan Laustsen
Montagem: Cam McLauchlin
Música: Nathan Johnson
Design de produção: Tamara Deverell
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