sábado, 5 de março de 2022

Os filmes do Oscar: OS OLHOS DE TAMMY FAYE – 2 indicações

Por Ricky Nobre

Escândalos envolvendo políticos e religiosos costumam ter um forte impacto popular e midiático, provavelmente pela percepção da hipocrisia de manter um discurso que é avesso à prática. Não é fácil para o cinema, em um assunto como esse, esquivar-se de clichês e maniqueísmos, e o clássico Entre Deus e o Pecado (1960) de Richard Brooks seja talvez o melhor exemplo de complexidade ao tratar do tema. Os Olhos de Tammy Faye tenta de alguma forma seguir por esse caminho, mas apenas para a personagem Tammy. Ela e seu marido Jim Bakker foram a grande sensação do tele evangelismo nos anos 70 e 80, até que um grande escândalo de desvio de verbas (além de outros de cunho sexual) pusesse fim ao seu império. Tammy Faye, por sua personalidade e visual excêntricos, foi motivo de piada por muito anos, principalmente após o escândalo, e o filme se esforça ao máximo para jogar uma luz diferente sobre sua vida e sua história.

 

O diretor Michael Showalter (de Doentes de Amor) se arrisca ao estruturar seu filme como uma comédia (com tons dramáticos), levando em conta que é justamente o humor às custas da imagem pública de Tammy Faye que ele procura rejeitar e rever. O tom humorístico que permeia o filme procura dar leveza e uma certa credibilidade a um assunto que muitos do público consideram ridículo e até mesmo desonesto por definição. Tammy é mostrada como uma jovem verdadeiramente engajada com a evangelização desde que percorria a estrada com Bakker de cidade em cidade, enquanto, nesse mesmo período, este já era retratado com alguém que não era confiável para tratar de dinheiro. 

 

Tammy é retratada com duas características principais. A primeira é um real amor pela evangelização e pelas pessoas. Em diversos momentos do filme ocorrem choques entre autoridades religiosas e a postura de Tammy em relação a sexo, inclusão da população LGBT na igreja, sinceridade sobre a AIDS em plenos anos 80 e a noção de que a igreja é para todos. A segunda é uma ingenuidade quase infantil sempre que a questão financeira era abordada. No filme, Tammy parece não ver nada de errado no fato do casal estar nadando em dinheiro e luxo enquanto projetos financiados pelo público que doa diariamente por telefone permanecem sistematicamente atrasados. E essa ingenuidade parece capaz de isentá-la de qualquer responsabilidade sobre o ocorrido. 

 

O filme não se aprofunda em nada no que se refere aos escândalos financeiros, sexuais ou ao papel do tele evangelismo na política, principalmente na eleição de Reagan. Quem quiser algo mais aprofundado deve procurar o documentário homônimo realizado em 2000, no qual este filme se baseia. Mas o roteiro não deixa o espectador completamente deslocado nesses assuntos e dá dicas mínimas, porém precisas, espalhadas pelo filme. O foco é na personalidade esfuziante e luminosa de Tammy. E se isso é o suficiente para criar um filme charmoso, e até mesmo fascinante em alguns momentos, é graças ao monumento é que o trabalho de Jessica Chastain (que também produz o filme). Não apenas a maquiagem que a torna irreconhecível, mas a total imersão da atriz em sua personagem, que carrega o filme não só nas costas, mas na cabeça, no colo, na ponta dos dedos. Ela até mesmo canta todas as músicas do filme.

 

O filme é tão da personagem quanto é da atriz e o trabalho é de um nível tão excepcional que é capaz de suprir o vácuo deixado por todos os outros aspectos do caso que não são explorados e de todos os demais personagens que não são aprofundados. De certa forma, os demais religiosos do filme caem nos clichês dos quais Tammy é protegida pelo roteiro e direção. Por vezes, Tammy parece um oásis de luz e sinceridade, cercada de aparências de decência e hipocrisia cristã por todos os lados. Enquanto era cercada de mentiras e traição, Tammy era cobrada e julgada por ser real. E ela permaneceu real no seu mundo imaginário até o fim.

 

COTAÇÃO: 

 

INDICAÇÕES AO OSCAR:

Atriz: Jessica Chastain

Maquiagem e cabelo: Linda Dowds, Stephanie Ingram e Justin Raleigh

 

OS OLHOS DE TAMMY FAYE (The Eyes of Tammy Faye, EUA – 2021)

Com: Jessica Chastain, Andrew Garfield, Cherry Jones, Vincent D'Onofrio, Mark Wystrach e Sam Jaeger

Direção: Michael Showalter

Roteiro: Abe Sylvia

Fotografia: Mike Gioulakis

Montagem: Mary Jo Markey e Andrew Weisblum

Música: Theodore Shapiro

Design de produção: Laura Fox

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