quinta-feira, 11 de maio de 2023

Legião: Não é o que parece

 Por Eddie Van Feu

 



    A produção super bonita da Darkside chama a atenção de longe, com uma capa vermelha demoníaca afasta crente e uma bela diagramação interna. A história é vendida na capa (que é, na verdade, a contracapa, como a continuação do clássico O Exorcista (cuja crítica você lê aqui). SQN. O demônio na capa também compõe a propaganda enganosa, já que a entidade em questão não é a mesma do filme original. Talvez fosse mais justo dizer que Legião é uma spin off de O Exorcista. Mas não mudem a capa. Além de um excelente trabalho de pontilhismo, é excelente para manter crentes chatos, católicos exagerados e testemunhas de Jeová à distância no metrô.



  
    Em Legião, acompanhamos o detetive Kinderman e o padre Dyer, dois personagens satélites de O Exorcista. Dez anos depois, os dois se tornaram amigos e acompanhamos diálogos divertidos e inspirados tanto de Dyer, que já era uma brisa de ar fresco em O Exorcista, quando com Kinderman. Porém, crimes terríveis e misteriosos ocorrem na cidade e Kinderman tenta entender como eles podem ter a assinatura de um serial killer morto há vários anos.

    Então, como eu já expliquei, não é uma continuação de O Exorcista. Eu mesma li esse antes do primeiro livro e deu para entender tudo perfeitamente, já que as conexões com o livro clássico são realmente muito pequenas. Mas, se você for ler os dois, leia na sequência para aproveitar melhor os personagens que vão surgir no segundo livro. Eu li de trás pra frente porque sou rebelde (e porque eu não sabia que tinha O Exorcista na minha biblioteca. Renato que me avisou depois).

    Agora, vou destruir mais uma ilusão. Não é um livro de terror. É um livro policial com toque sobrenatural. Então, se você espera um terrorzão mesmo, cuidado, pode se decepcionar. Eu tive que esperar até o último terço do livro para que algo levemente sobrenatural começasse a acontecer.

    Vi muitas pessoas reclamando do personagem principal, o Kinderman. Muitos o acharam chato, confuso e irritante em suas divagações sem sentido. Pois eu o achei adorável. Sim, as divagações são, na maioria das vezes, sem sentido, mas eu as achava divertidas e possuíam um quê de filosofia. Dyer ainda era meu preferido, e o assistente de Kinderman, Atkins, virou meu crush. As relações são tão bem construídas quando os personagens, como pontes firmes, que nos levam de um ponto a outro da história enquanto ela avança.






 
    Uma surpresa nos aguarda e eu a considerei chocante, e envolve o lado sobrenatural e o assassino em questão. Algumas coisas ficaram sem explicação, mas deu para entender a maior parte do rolé. As mortes são sentidas, especialmente uma que me foi inesperada e doeu como um soco no coração. Deu pra perceber que o autor tem algum problema com a letra K. O Geminiano sempre matava pessoas cujo nome começava com K. Todos os personagens principais de seus três livros começam com K (Padre Karras, Kinderman e Dr. Kane).

    A melhor coisa do livro não é a trama. Mas a forma com que o autor escreve. É bem humorado, poético e triste. Enquanto Karras tentava descobrir, no primeiro livro, se havia alguém por trás de todo esse caos, Kinderman tem certeza de que esse caos não poderia se sustentar sem alguém por trás dele. Tentar compreender como pode haver tanto mal, e por que a gerência dessa bagaça não faz nada sobre isso, é o mote dos dois livros. É mais do que uma luta do Bem contra o Mal. É a beleza da amizade, a capacidade de continuar a ver o bem em atitudes simples bem a nossa volta. Até mesmo o luto nada mais é do que o amor que persiste. Kinderman diz que que seu amigo morto era um poema. Na verdade, ele é uma poesia com cara de beagle.

    Outra coisa que continua excelente é a pesquisa do autor, que dá uma aula sobre problemas mentais e de saúde, sem parecer pedante ou chato. No mais, a tradução está ótima, a revisão também, a capa é nota dez e minha única ressalva é a falta dos travessões, que foram substituídos por aspas que ficaram parecendo mariposas atrapalhadas espalhadas pelas páginas. O excesso de palavras judaicas usadas por Kinderman também me pareceram desnecessárias e cansativas.

    Então, se você gosta de um texto bem escrito e não tem medo de crimes policiais com detalhes estranhos, esse será um prato cheio pra você! Pra mim, foi!


Legião, de William Peter Blatty
Ano: 2017 / Páginas: 320
Idioma: português
Editora: DarkSide Books



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