Por Ricky Nobre
A Disney está fora de controle! Não apenas quer dominar o
mundo comprando Hollywood inteira, como também está numa fissura contínua e irrefreável
em criar versões live action de praticamente todos os seus clássicos de
animação. O que começou como uma excelente e original ideia em Malévola, acabou
como uma enxurrada de adaptações cada vez mais próximas às originais, muito
pouco acrescentando para justificar a refilmagem de clássicos. É aí que entra
Dumbo de Tim Burton como um delicioso (e, como é de Burton, sombrio e
melancólico) alívio nesta linha de montagem de onde já despontam em breve
Alladin, Rei Leão e Mulan.
Disney realizou Dumbo em 1941, vindo diretamente do
fenomenal fracasso comercial de Fantasia (1940). Seu filme anterior, Branca de
Neve e Os Sete Anões (1937), mudou absolutamente todas as regras que se tinham
como sólidas em animação e foi um sucesso arrasador. Empolgado, Disney
superestimou a predisposição do público em assistir um longo filme episódico com
muita animação experimental. Desta forma, em Dumbo, Disney deu uma guinada
drástica de volta à simplicidade. Ainda que tenha se permitido enfiar o pé na
jaca do experimentalismo na sensacional sequência dos elefantes cor de rosa,
Dumbo contava uma história extremamente simples, de forma direta, com canções
originais divertidas para agradar as crianças, tudo numa metragem bastante
curta (apenas 62 minutos).
Ao revisitar este clássico 78 anos depois, Burton realiza um
filme completamente diferente do original ao mesmo tempo em que é uma adaptação
perfeita. Ao decidir não ter animais falantes, os personagens principais se
tornam o cavaleiro Holt (Colin Farrell) seu casal de filhos Milly (Nico Parker)
e Joe (Finley Hobbins), que se tornam os responsáveis pelo pequeno Dumbo,
rejeitado pelo dono do circo em decadência Max Medici (Danny DeVito, sensacional)
pelo motivo que já conhecemos: as orelhas gigantes. Ambientado em 1919, o filme
mostra o empenho das crianças em encaixar Dumbo no ambiente circense, que é
mostrado como uma grande família.
A jogada de mestre de Burton foi fazer uma adaptação
razoavelmente fiel (dentro da nova proposta, obviamente) do filme original até
a história se esgotar, na metade do filme. A partir daí, temos uma espécie de “Dumbo
2”, onde um magnata do entretenimento (Michael Keaton) fica sabendo do sucesso
de Dumbo e procura Max oferecendo comprar não apenas Dumbo mas também todo o
circo e torná-lo sócio. A partir daí, é uma história completamente nova, porém
sem nenhuma sensação de quebra de continuidade, mas apenas o desenvolvimento
natural da história.
Dumbo tem muitos trunfos, a começar pelo elenco, com destaque
especial para De Vito, Keaton, Eva Green e as crianças. Aí entra também o bebê
elefante. Dumbo é uma mistura perfeitamente equilibrada de realismo com cartum.
Magistralmente animado, ele mantém uma impressionante expressividade sem
qualquer lapso de exagero. Como é uma infância sofrida (e é um filme de
Burton), ele carrega constantemente um olhar triste e melancólico, seja pelo
bullying que sofre, pela saudade da mãe, ou pelas tentativas frustradas em se
adaptar. Seu jeito de bebê é absolutamente encantador e conquista o público sem
nenhuma dificuldade. A temática do filme original é mantida ao tratar da
riqueza que existe no “diferente”, que tem reflexos em todos os componentes do
circo, em especial o personagem de Farrell, que se mantém um grande cowboy
mesmo tendo perdido o braço na guerra.
Os filmes de Burton sempre têm aquela fotografia que nos dá
a impressão de que não precisaria necessariamente ser tão sombria o tempo todo.
Aqui, não é exceção, mas o fotógrafo Ben Davis acaba administrando isso muito
bem, evidenciando a belíssima direção de arte. O compositor Danny Elfman, que
não anda particularmente inspirado nos últimos anos, realiza aqui seu melhor
trabalho em muito tempo, e é um dos principais elementos da força emocional do
filme. Burton escolhe com muita inteligência suas referências ao filme
original, seja a utilização da pena, a sequência inicial do trem, do ratinho
Timóteo, ou a forma de reproduzir a inesquecível sequência de Dumbo com a mãe
presa, ao som de Baby Mine. O tom melancólico de Dumbo (o filme e o personagem)
é extraído não apenas da própria história mas também desses ecos agridoces do
passado, onde o saudosismo das referências do filme original reverberam
emocionalmente no público. O filme tem algumas ressalvas a serem feitas, como
sua solução em reproduzir a cena dos elefantes cor de rosa, que parece meio deslocada
e um tanto inexplicável no sentido prático. A mais problemática, porém, é uma tola e preguiçosa solução do roteiro para que estabelecesse o cenário do clímax. O personagem de Keaton assume contornos de vilão caricato dos mais tolos e anacrônicos, depondo contra a estabelecida inteligência do personagem (e até a do público). Perto da conclusão, desce muito quadrado.
Tim Burton é o tipo de cineasta que tem um estilo tão
marcante que seria possível identificar um filme seu mesmo sem créditos. Em Dumbo
isso não é diferente, e o estilo visual, musical e dramático do filme
representam a quintessência do diretor. Com uma filmografia rica porém
inconstante, por vezes Burton se atrapalha em seus próprios clichês e pode até
se tornar uma caricatura de si mesmo. Isso definitivamente não é o caso de
Dumbo. Um filme lindo, divertido, profundamente emocional e melancólico e,
ainda assim, alegre e otimista. Burton não poupou esforços em demolir as
defesas emocionais do público mais casca grossa, então leve seu pacotinho de
lenços. Um espetáculo deslumbrante para crianças e adultos.
COTAÇÃO:
DUMBO
(2019)
Com: Colin
Farrell, Michael Keaton, Danny DeVito, Eva Green, Alan Arkin, Nico Parker e Finley
Hobbins
Direção: Tim Burton
Roteiro: Ehren Kruger
Fotografia: Ben Davis
Montagem: Chris Lebenzon
Música: Danny Elfman
Desenho de produção: Rick Heinrichs
Direção de arte: Andrew Bennett e Dean Clegg