O mundo acaba. Mas não em fogo, água, meteoro ou invasão alienígena. Acaba com um imenso, estranho e inesperado terremoto, que simplesmente destrói tudo. Exceto um prédio no coração de Seul, que fica inexplicavelmente de pé. O Hwang Gung Apartments se torna então o centro da história, que é muito mais sobre a tragédia humana do que sobre catástrofes naturais. Pessoas começam a chegar. Mandá-las embora é sentenciá-las à morte, pois o frio é implacável. Deixá-las ficar é perigoso, pois podem tomar os lares de quem já vive lá. E haverá recursos para todos?
Com direção de Tae-hwa Eom, que também assina o roteiro ao lado de Lee Shin-ji, a produção é cuidadosa, com uma fotografia belíssima, delicada, mesmo em meio a escombros. As atuações são sensíveis e os personagens são muito bem construídos, tornando muito fácil a identificação. As questões que o filme levanta são muito sérias, sendo uma alegoria sobre as decisões que estamos tomando enquanto civilização. O “nós” contra “eles” só tem um tipo de desfecho e o conforto de uns em detrimento da desgraça de muitos não pode trazer nada de bom. O quanto precisamos nos destruir por dentro para manter o que temos do lado de fora? Quem podemos nos tornar em uma situação de crise? Uma frase é muito emblemática no filme, dita por uma das personagens mais perigosas, disfarçada de mulher sensata e tranquila:
“Só podemos ser generosos se estivermos bem”.
Uma frase que impõe uma condição para se exercer a ética, moral e bondade que cai perfeitamente na boca da personagem que está organizando os moradores, uma espécie de síndica, uma ratazana traiçoeira que sabe muito bem manipular o grupo com uma fala mansa. Reconhecemos muitos reflexos no espelho. Um conselho é formado, um líder é escolhido, a votação sobre o que fazer não é consciente, as pessoas nem sabem o que significa o que estão votando, mas o palco está montado. Os que discordam precisam se manter em silêncio, e se descobertos, são considerados traidores, enquanto os que “fazem o que tem que ser feito” são celebrados como heróis num sistema que confere conforto e alegria a alguns às custas do sofrimento e morte de outros. Enquanto tudo está bem, fecha-se os olhos ao que acontece fora do condomínio. E se você não estava ali antes, não terá chance de entrar.
Interessante que tenham escolhido um prédio de moradores de classe média. Não classe média alta. Nem classe média baixa. Mas a média mais mediana que se consegue imaginar. A classe que se ressente tanto de pobres quanto de ricos e se orgulha de ter a escritura de um dois quartos com empréstimo de vida toda no banco. Impossível não pensar na situação de imigrantes em vários países do mundo.
A história escala, assim como as decisões de cada personagem os afastam de quem foram e os aproximam de uma versão, em certos pontos de vista, mais glamourosa. A cena do personagem do Delegado cantando e dançando no karaokê mesclada com a tragédia pessoal que o colocou naquele lugar é brilhante, assim como seu posicionamento diante de uma enorme árvore morta e seca durante seu discurso.
Mas não pense que você não vai rir de vez em quando. Eu sempre critico um pouco filmes que não conseguem colocar humor. Por mais trágica que seja a situação, um comentário bem humorado e bem colocado é um tempero desejável. Mas há de se ter talento pra fazer isso, ou a receita desanda e o bolo sola. No caso de Sobreviventes, o humor está na dose certa, e é bem discreto, não destoando em nada do momento trágico vivido pelos personagens.
Imperdível na tela grande.