Por Ricky Nobre
É difícil acreditar que já se passaram 24 anos desde o Toy
Story original. O filme marcou o início de uma era que mudou para sempre o
cinema de animação, sendo o primeiro longa-metragem totalmente feito em
computação gráfica. Ainda que os gráficos dos personagens humanos pareçam um
tanto toscos hoje, o filme ainda impressiona nos gráficos, animação e textura
dos brinquedos e das paisagens externas. Apenas 3 anos depois, Toy Story 2
apresentava um salto tecnológico impressionante. De lá para cá, animação em CGI
tornou-se a norma e, ainda que a Disney tenha tentado ressuscitar a técnica no
fraco A Princesa e o Sapo, a secular arte de animação 2D feita à mão está
atualmente abandonada e morta.
Depois que o terceiro filme fechou o ciclo dos personagens
com o menino Andy em 2010, o criador John Lassiter deu a franquia como
encerrada, a menos que aparecesse uma ideia muito, muito boa. Então,
surpreendendo um total de zero pessoas, o quarto filme foi anunciado no final
de 2014, tendo sua data de lançamento adiada duas vezes, de 2017 para 2018 e,
enfim, para 2019. Apesar de desejar retornar à direção, Lassiter passou a
posição para Josh Cooley, pois seu trabalho como chefe criativo da Disney o
impedia de ter tempo para o trabalho. Curiosamente, Lassiter deixará a Disney
este ano. Cooley estreia como diretor após muitos anos como desenhista de
storyboard na Pixar e uma ótima estreia como roteirista em Divertidamente.
Toy Story 4 segue a saga dos brinquedos mais amados do
cinema com a pequena Bonnie, assustada com seu primeiro dia no jardim de
infância. Com uma ajuda discreta de Woody, Bonnie constrói um brinquedo com um
garfo de plástico que ela chama de “Garfinho”. Sem saber direito quem é, com
horas de vida, o pequeno Garfinho só quer saber de se jogar na lata de lixo
pois, afinal, foi de lá que ele veio, e Woody assume para si a tarefa de
mostrar a ele que agora ele é o brinquedo favorito da menina. Não é uma tarefa
fácil e Woody e Garfinho acabam perdidos no meio da estrada durante uma viagem
da família e os dois acabam numa loja de antiguidades onde brinquedos raros
guardam planos sinistros para eles.
Uma novidade do filme é a quantidade de novos personagens e
o espaço que tomam no filme. Ainda que os primeiros filmes, especialmente o segundo,
se concentrassem bastante no Woody como protagonista, aqui ele realmente é o
centro da história como em nenhum outro. Woddy, Garfinho e a bela pastora
Betty, retornando após a ausência no terceiro filme, formam, junto com Gaby
Gaby, o centro do roteiro e da temática do filme. Nessa aventura, personagens
novos como Coelhinho, Patinho e Caboom formam o principal foco cômico, tendo
também papel central na ação. Desta forma, os personagens clássicos da
franquia, juntamente com os antigos brinquedos da Bonnie, assumem uma posição
bem mais coadjuvante do que nos filmes anteriores, ainda que o roteiro se
esforce (com sucesso) em tornar suas participações sempre relevantes e
engraçadas. Cuidado especial foi dado ao personagem Buzz, dando a ele a missão
de encontrar Woody, não o deixando tão de lado quanto os outros. Mesmo assim,
pode-se dizer que é a primeira vez na franquia de Buzz pode não ser considerado
um protagonista.
Especial inteligência foi usada no desenvolvimento de Gaby
Gaby. A boneca dos anos 50 do antiquário, que nunca teve uma criança, é a vilã
com mais “tons de cinza” da franquia. O filme não se furta em mostra-la
verdadeiramente assustadora, com seus macabros bonecos de ventríloquo como capangas,
em um momento para, em outro, jogar uma luz melancólica sobre suas motivações.
Uma das grandes surpresas do filme é a Betty, a pastora de
louça que virou brinquedo perdido e reaparece como uma “mulher vivida”,
experiente e amando a liberdade. A forma como ela é aqui escrita, animada e
interpretada é radicalmente diferente dos filmes anteriores e é brilhante o
resultado, e sua importância para a jornada de Woody é vital.
Mas, como foi dito, o filme é de fato dele, Woody. O
personagem é sempre consistente em sua determinação de jamais deixar nenhum brinquedo
para trás. A diferença é que, aqui, sua obstinação chega ao ponto de ser
questionada por outros personagens e suas motivações podem esconder um
sentimento de obsolescência, de falta de propósito. Numa nova família, com uma
nova criança, ele não é mais o “brinquedo favorito” e lidar com isso não é
fácil para ele, ainda que o sentimento esteja muito além do ciúme e medo de ser
substituído no primeiro filme.
Toda a seriedade desses temas podem dar a impressão de um
filme sisudo e depressivo. Mas é o absoluto oposto. Toy Story 4 é hilário na
maior parte do tempo, e os novos Coelhinho, Patinho e Caboom roubam a cena.
Ainda assim, Toy Story mantém sua tradição de tratar de temas difíceis e
dolorosos tanto para crianças quanto para adultos. Talvez, nunca nenhuma
franquia cinematográfica tenha se engajado tanto em falar para crianças sobre
perdas, despedidas e recomeços, e o faz com impressionante sensibilidade e
razoável complexidade. É uma série que amadurece a olhos vistos junto com seu
público, sem jamais perder de vista os mais jovens. Ainda que a busca de Woody
por identidade tenha ecos do segundo filme, aqui ela acontece num estágio bem
mais avançado do personagem. Nenhum personagem volta a questões já resolvidas
em filmes anteriores, eles seguem sempre adiante. Ainda que alguns temas
retornem, não são repetições, mas novas perspectivas de questões recorrentes da
existência em fases diferentes da vida. A profundidade de tudo isso pode ser
sutil e passar despercebida, mas a emoção é à flor da pele, sempre.
Uma pergunta que domina as discussões sobre o filme é:
precisava? Seria ele realmente necessário, uma vez que o terceiro encerrou com
perfeição o arco dos brinquedos com Andy e amarrava tudo numa trilogia
fechadinha? É compreensível mas um tanto equivocada a questão. A pergunta
deveria ser: é bom? Porque necessárias, poucas coisas são. E as melhores coisas
da vida não são necessárias. Elas são só boas. E assim é Toy Story 4.
COTAÇÃO:
TOY STORY 4 (2019)
Direção: Josh Cooley
História
original: John Lasseter, Andrew Stanton, Josh Cooley, Valerie LaPointe, Rashida
Jones, Will McCormack, Martin Hynes e Stephany Folsom
Roteiro: Andrew Stanton e Stephany Folsom
Desenho de produção: Bob Pauley
Montagem: Axel Geddes
Música: Randy Newman