por Nanael Soubaim
Há anos que queria falar a respeito, sem gancho e sem um blog específico para isso. Hoje, entre os lobos, e quebrando o jejum de mais de um mês sem internet em casa, que me custou até serviços que poderia ter conseguido, vou falar de um dos heróis mais incompreendidos da história, mas ao mesmo tempo um dos que mais amadureceram com o tempo.
Bruce Wayne era um menino comum, com pais comuns, que formavam uma família comum, mas dotados de uma fortuna incomum, além de um incomum senso de caráter e aparente desapego. Só assim para explicar eles terem entrado em um beco escuro, quando poderiam ter simplesmente dito a Alfred que se congelasse do lado de fora, até saírem.
Bruce estava no auge da primeira infância, se preparando para a segunda, época em que o caráter do indivíduo está praticamente formado. Um milionário no auge da grande depressão que é acostumado a respeitar a criadagem, desde a mais tenra idade, não poderia dar em cousa ruim... mas em parte deu.
Bruce era um menino muito feliz, contrastando com a situação em que o resto do mundo se encontrava, pois parece que só as empresas Wayne não estavam quebrando. Esta felicidade foi destruída de forma brusca, em um cenário de filme de terror, um beco escuro numa noite fria, pelas mãos de um homem frio e pragmático, tão pragmático que poupou o menino, por acreditar que não lhe ofereceria perigo... Mal sabia ele.
Ver seus pais caírem naquele cenário, fez cair também tudo em que acreditava até então. Pode-se dizer que Bruce, mesmo poupado, morreu com seus pais, pois jamais conseguiu sair daquele beco escuro.
Criado pelo mordomo Alfred, que tomou o cuidado de não ocupar o lugar deixado pelo pai, apenas fazendo um papel de tio, por assim dizer, o ex-agente secreto tratou de distrair a mente do pequeno patrão, de tudo o que pudesse destruí-lo. Obteve sucesso parcial, porque aquele menino, mais tarde, passaria a viver perenemente à beira do abismo, como os bandidos que passaria a combater, só que lutando do outro lado.
A relação com o mordomo consolidou o caráter que ele moldou, quando tinha os pais, mas também injetou-lhe altas doses do raciocínio frio e estratégico, típico de espiões de elite. Lembremos que a característica de Batman, é justo o uso de seu raciocínio afiado, em oposição à beligerância explícita dos criminosos comuns.
Ainda crescendo, e ainda sobre a convivência em casa, a distância social que Alfred fez questão de manter acabou gerando uma carência afetiva no menino, que ainda não tinha identidade, mas ainda aceitava ser chamado de Bruce; aquele cujo espírito ainda hoje vaga pelo beco onde foi morto com seus pais. Um carente afetivo tem tanta necessidade de receber, quanto de oferecer proteção e bem-estar. Audrey Hepburn era assim, tanto que ela só se encontrou, quando passou a trabalhar sem tréguas pelas crianças pobres.
Sempre ocupado, e certamente com horários certos e contados para tudo, em uma disciplina militaresca, o pequeno dono da casa conseguiu se manter longe dos vícios da sociedade moderna. Ele certamente foi levado a festas e outros eventos sociais, talvez uma tentativa de Alfred em não exagerar no rigor de sua educação. Mas já era tarde. Aquele a quem chamavam de Bruce usava seus conhecimentos para estudar as pessoas, enquanto aprendia a ser falso e dissimulado, algo muito útil para modular a voz e conseguir que não o identificassem como Batman, quando estivesse em trajes civis.
Não é difícil deduzir que ele chegou a uma conclusão muito triste, no decorrer de seus estudos e as análises da alta sociedade; o seu algoz e aquelas pessoas, embora separados por muros e muito dinheiro, eram praticamente iguais. Aqui temos um traço do lado negro do menino, que deve ter forte influência de escorpião, ele é vingativo. Só que, depois de aprender o suficiente sobre a sociedade, percebeu que não poderia se vingar de todos os larápios, não sem se tornar um serial killer. A disciplina capricorniana o ajudou a controlar este lado negro, mas também a potencializá-lo muito.
Mesmo com toda a assistência de Alfred, Batman teve tudo para não prestar, para se tornar um chefe de um grupo de extermínio, talvez até um deputado para acobertar seu grupo. É aqui que vemos o efeito do livre-arbítrio, ele escolheu ser bom. Não ser "bonzinho", não conseguiria mais nem que quisesse, e não queria. Ele decidiu ser o espelho de seus inimigos, fazendo-os pagar pelos seus crimes sem se tornar um deles, só não sabia ainda como. Esta foi a vingança suprema.
A inspiração vinda de morcegos de uma caverna abaixo de sua mansão, foi o estalo de que precisava. Aquilo tinha tudo a ver consigo. Poderia continuar a usufruir do disfarce de Bruce Wayne, que de quebra bancaria a missão de sua vida. Se alguém aí ainda não notou, ele só se apresenta e se comporta como o magnata em público, na privacidade ele age como quando uniformizado. O nome daquele homem é Batman.
Quando está só ou a sós com quem conhece seus segredos, ele nada tem a ver com o que apresenta ao mundo. é taciturno, introspectivo, às vezes até rude, capaz de varar o dia inteiro imerso em suas reflexões, planejando bem para poder agir com eficácia. Ou seja, a frieza e o pragmatismo necessários a um bom agente secreto, como Alfred ensinara, talvez sem perceber. Seu talento para conciliar dois avatares completamente diferentes, é um bom exemplo de libriano em que um lado manipula o outro, exigindo que seja livre...
Dick Grayson foi o divisor de águas, porque deu ao cavaleiro das trevas a chance de atenuar sua carência afetiva, e ainda amortizar a dor do orfanato. Aqui, agindo como um canceriano da pura, ele passa a cuidar do ex-acrobata, cuja família foi assassinada tentando proteger o público, para que sua identidade não fosse revelada. Estavam fazendo o que ele faria no mesmo lugar, só que morreram. Mea culpa, mea máxima culpa, o fantasma de Bruce Wayne voltava a assombrar Batman.
Quem conhece bem um canceriano, sabe que ele é capaz de te fazer se sentir culpado com uma facilidade gigantesca. Batman usou esta faceta obscura para exigir de Dick, tudo o que ele poderia oferecer, mas também tratou de protegê-lo como a um filho... Ou como gostaria de ter protegido seus pais. O carinho e a proteção são proporcionais à exigência, especialmente quando o garoto se torna Robin. As piadinhas maldosas sobre a sexualidade dos dois, refletem bem o que Batman pensa da sociedade. Se Robin fosse uma moça, o acusariam de tê-la forçado a abortar uma pá de vezes.
Se bem que aqueles trajes são mais próprios para uma moça...
Robin, ao contrário de Batman, teve tempo para concluir sua formação de caráter. Se nas primeiras aventuras, ele servia para atenuar a violência com que seu tutor age, com o passar do tempo foi absorvendo o caráter sombrio e introspectivo, embora preservando a espontaneidade que ajuda a sustentar a máscara de Bruce Wayne. É uma simbiose. Dick evita que o chamado Bruce enlouqueça e ponha todo o seu trabalho a perder.
Aliás, enlouquecer é uma tendência permanente. Seu caso mal resolvido com Selina, a Mulher Gato, é um exemplo claro. Eles são quase idênticos, só que ela descambou para o mundo do crime, embora às vezes tenha rompantes de generosidade. Talvez seja justo sua loucura controlada, que torna Selina tão atraente para ele, por ver nela o que pode lhe acometer a qualquer momento. De certa forma, esse romance esquizofrênico é um modo de ele cuidar de si mesmo, tentando pô-la na linha; mais ou menos como se dissesse para o espelho "Não se atreva a ultrapassar esta linha!".
O Coringa, no outro extremo, representa tudo o que ele combate. Nunca consegue livrar-se dele, mas o mantém sempre sob vigilância e relativo controle. Relativo pois, é notório, às vezes o psicopata consegue furar o cerco e apronta. Mantê-lo vivo é um risco calculado, pois consegue fazer com seu inimigo, tudo o que gostaria de fazer com seus egoístas pares de alta sociedade. Coringa, assim, personifica a parte mais doente e degenerada do tecido social.
Não nos esqueçamos de Alfred, responsável directo pela sua formação, e a única pessoa no mundo que realmente conhece Batman. Afinal, trocou suas fraldas. Dentre os cinco, é o mais sóbrio e mentalmente são, por vezes o conselheiro de seu patrão.
Há um quinto elemento auxiliar, uma das poucas cousas boas das edições recentes. Batman passa a fazer dueto con grande freqüência com Lorde Kal-El, aka Clark Kent, aka Super Homem. Kal é tudo o que Batman seria hoje, se Bruce não tivesse morrido no beco. Mesmo sendo indestructível, capaz de mover planetas, vive de forma modesta, trabalhando onde tem mais facilidade para saber onde precisam de sua ajuda. Tem a humildade de reconhecer que não é onipotente, onisciente, nem onipresente, aceitando com alegria a ajuda do já amigo. Trata-se de um personagem que evoluiu pouco porque, bem, ele jé é praticamente perfeito. A índole herdada, mas a educação recebida na terra, moldaram um caráter incorruptível. Kal não precisa da ajuda de ninguém, mas aceita os préstimos intelectuais e marciais de Batman. Ele representa não só a pessoa que o cavaleiro das Trevas gostaria de ser, mas também a sociedade em que gostaria de viver.
Kal-El dá raiva em muita gente por causa desse grau de elevação moral, espiritual, et-cétera e tal, mas suas virtudes têm em Batman/Bruce um admirador tão intenso quanto discreto. Aliás, vocês Lobos sabem que uma pessoa como o kriptoniano, teria ajuda pessoal do próprio Criador, então nem todos os demônios do universo chegariam perto dele... Deixa p'ra lá.
O que aconteceria, então, a um espírito atormentado como Batman, no desencarne? Não está claro? Provavelmente há uma legião de exús poderosos ao seu redor, protegendo-o o ajudando-o em sua sina de vingador. Ele será um exú que valerá por uma legião inteira, dedicado a manter os seres das trevas em seu devido lugar, até o último deles se convencer de que deve aceitar ajuda e reparar seus erros.
Batman é a própria personificação do mundo pós-crise, dos anos trinta. sua figura é essencialmente art-déco, que embora seja encantadora, traz consigo todo o pessimismo e comedimento de uma época em que o mundo estava tentando se recuperar de um trauma grave, sem perceber que logo cairia em outros. Se querem conhecer um pouco desta pessoa que se chama ora Bruce, ora Batman, mas não sabe realmente quem é, estudem o período de 1927 a 1946. Vale à pena.