sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

STAR WARS – EPISÓDIO IX: A ASCENSÃO SKYWALKER

Por Ricky Nobre


 ATENÇÃO: OS TEXTOS DESTA SÉRIE SOBRE STAR WARS CONTÉM SPOILERS!!!

Quem está acostumado a acompanhar minhas críticas cinematográficas aqui no Alcateia (sim, vocês três), pode ter percebido que, por uma escolha estilística, não uso a primeira pessoa ao analisar filmes. Considero o “eu” desnecessário, uma vez que a subjetividade de qualquer análise crítica é algo dado, auto evidente. É um pouco elitista e esnobe, mas é o meu jeitinho. Porém, frequentemente, quebro esse hábito em minhas análises de Star Wars. Essa franquia é algo tão pessoal para mim que qualquer tentativa de esconder o “eu” correria o risco de tocar a hipocrisia. E, talvez mais grave, matar a essência da análise. Sempre, SEMPRE que vejo um novo episódio pela primeira vez, eu volto a ter dez anos. Eu saí saltitando de alegria de Ameaça Fantasma. A-ME-A-ÇA FAN-TAS-MA!!! Sim, Jar Jar já foi insuportável logo da primeira vez. Midichlorians pareceu uma péssima ideia logo da primeira vez. Jack Loyd pareceu ser mais uma vítima dos diálogos e direção de atores ruins de Lucas logo da primeira vez. Mas nada disso importava. Não na primeira. E foi assim com todos, e apenas as repetidas exibições sedimentavam tanto qualidades quanto defeitos na minha cabeça e eu podia ter uma opinião racional e equilibrada. Só é possível ver um episódio de Star Wars (e qualquer filme, obviamente) pela primeira vez... uma única vez. É um momento precioso que não tem volta.

 

O episódio IX de Star Wars, A Ascensão Skywalker, foi o primeiro em que fiquei auto consciente da experiência praticamente todo o tempo. Era uma experiência tensa, como se eu tentasse acordar o menino para ver o filme comigo, mas só o adulto assistia. Em algum momento, após cerca de meia hora de filme, acabei relaxando e aproveitando melhor, mas voltou a ficar ruim lá pela última meia hora. Eu sentia como se eu tivesse perdido alguma coisa. Não foi legal.

 

Ser fã de Star Wars é engolir sapo. Cada filme tem algo que você precisa relevar pra poder apreciar tranquilamente. Vejamos:
 
No Ep I: Jar Jar, midichlorians e o muito mal dirigido Jack Loyd (o pequeno Anakin).
No Ep II: o vergonhosamente mal escrito romance entre Anakin e Padme e a inacreditável sequência na fábrica de androides.
No Ep III: a excelente personagem de Padme virando uma parva chorona sem função porque Lucas decidiu cortar todas as suas cenas onde ela fazia ou participava de algo importante.
No Ep IV: as péssima mudanças pós 1997, e um certo anti clímax no contraste da qualidade da luta entre Vader e Kenobi para quem já viu as lutas dos prequels.
No Ep V: absolutamente nada porque esse filme é perfeito.
No Ep VI: as palhaçadas dos Ewoks entrecortando e matando o drama que realmente importava no filme que era o conflito entre Vader e Luke.
No Ep VII: a base Starkiller que abusou da boa vontade dos fãs ao trazer a Estrela da Morte de volta pela terceira vez, inclusive na forma de destruí-la.
No Ep VIII: o humor de SNL de Poe, a total falta de motivo de Hondo esconder sua estratégia, e, principalmente, a forma como muito do que foi estabelecido no Ep VII foi tratado como desimportante.

Que sapos precisamos engolir no Episódio IX?

 

Se eu puder resumir em um único item tudo que me incomodou durante esse filme, seria: a forma transparente com parecia evidente que aquele era um filme feito por pessoas desesperadas. A primeira opinião que vi sobre o filme antes da estreia no Brasil (não tivemos acesso à cabine, infelizmente) foi que parecia dois filmes espremidos em um. Vi esta mesma opinião repetida diversas vezes e é exatamente isso. Em 141 minutos, o filme condensa um quantidade fenomenal de ação, informação e explicações, dando um ritmo até agora inédito na franquia. A necessidade de condensar é tanta que o filme abre com uma clara “sequência de montagem”, que é uma cena que mostra uma ação montada de forma resumida. Muito raramente, o filme reduz a velocidade para respirar alguns minutos e termos um ou outro personagem num momento mais reflexivo. E o filme carece muito disso.

 

A clara impressão é que a Disney entrou em pânico com a recepção mista de Os Últimos Jedi, com parte dos fãs amando e outra parte odiando apaixonadamente, e o imenso fracasso financeiro de Solo. Na tentativa de desfazer o “indesfazível” (eita...), JJ Abrams foi trazido de volta para continuar o que havia feito em O Despertar da Força. E seria bom mesmo se tivesse. Apesar da forçação de barra do planeta Starkiller, o Episódio VII foi uma excelente forma de iniciar a nova trilogia, que funciona tanto como um “filme-homenagem” quanto como uma nova história. Mas, em vez de aceitar o Episódio VIII pelo que ele foi e partir dali, JJ preferiu fazer o que Ryan Johnson fez: negar o que veio antes. Cometendo o mesmo erro e esperando resultado diferente, JJ admite o mínimo possível dos fatos narrados no filme anterior e meio que faz seu Ep VIII e IX espremidos em A Ascensão Skywalker

 

A montagem não é apenas rápida, ela é histérica! A história dá a impressão de ser uma gincana, com os personagens correndo de um lado para o outro executando mini missões que levam a outras que levam a outras, lembrando a estrutura de videogame, só que muito rápido. É aplicada a lógica da montagem publicitária, onde cada décimo de segundo conta e o objetivo é que a cena seja entendida, não sentida. Não há sutilezas, nuances, contemplação de qualquer forma. Lembra, tragicamente, o cinema de Michael Bay, especialmente a série Transformers, onde tudo é constantemente intenso, desde a extrema complexidade dos autobots, até o ritmo da montagem, onde tem sempre algo acontecendo rápido, ainda que não seja importante. E o resultado é o oposto do pretendido. Quando tudo é intenso, nada é intenso. Quando tudo é especial, nada é especial. Quando tudo é importante, nada é importante. Isso transforma A Ascensão Skywalker em uma obra inédita na carreira de JJ Abrams. Pela primeira vez em sua filmografia, Abrams faz cinema ruim. 

 

Isso é resultado direto não apenas da escolha em desenvolver o filme como uma continuação do Ep VII em vez do Ep VIII, mas também, e principalmente, da insistência da Disney em manter a data de lançamento de dezembro de 2019. Quando o segundo filme da série Animais Fantásticos fracassou e foi duramente criticado pelos fãs, a data de lançamento do terceiro foi adiada em um ano para que JK Rowling e a equipe de produção pudessem pensar e planejar com calma a correção de curso. Mas a Disney fez ainda pior: além de não alterar a data, a mudança de diretor ainda atrasou o desenvolvimento em três meses, ou seja, teve ainda menos tempo de desenvolvimento que os filmes anteriores. E isso explica as diversas decisões equivocadas do roteiro. A começar por...

 

Palpatine!!! Esse é o maior erro do filme, trazer de volta o personagem cuja morte marcou a conclusão do arco do personagem Anakin Skywalker. Com Snoke morto, Abrams achou que precisava de um novo chefão e tirou da manga o vilão da trilogia prequel, sem considerar que Kylo Ren poderia SIM ser o vilão principal. Absolutamente NADA impediria Kylo de ser o grande vilão do filme e ainda assim se redimir no final. E ser o vilão principal era exatamente o caminho que o personagem percorreu no filme anterior. Mas então Kylo Ren remenda sem motivo algum a máscara que ele destruiu apenas para levar o personagem de volta ao ponto que ele se encontrava no Ep VII. Se algo do filme anterior foi mantido, foi o elo com Rey, porque isso se mostrou imensamente conveniente para o roteiro de JJ. 

 

Num parêntesis, se a desenvoltura de Rey te incomodou nos filmes anteriores, se prepare, porque ela não é mais nem Mary Sue. Ela é James Bond. Ela pode fazer qualquer coisa que quiser! E, particularmente, não acho isso um problema. A iminente derrota de Rey frente a Kylo antes da intervenção de Leia mostra que ela não era, de fato, tão infalível assim.

 

Mas se é pra trazer Palpatine de volta, então que seja. Mas Palpatine não está ali. A caracterização do mestre Sith segue uma lógica razoável, ainda que não seja exatamente explicada. Repete-se apenas a informação de que o lado negro é capaz de coisas que não são consideradas naturais. Certas características necromantes do lado negro já eram claras na trilogia prequel, então não é totalmente absurda a sua volta. E ele volta realmente meio morto vivo. A maquiagem lembra, mais do que nunca, um cadáver, e seu plano em morrer e transferir-se para Rey só reforça que sua volta em seu velho corpo é como que uma gambiarra da Força que precisa de uma solução mais permanente. Mas isso vem às custas de um Darth Sideous totalmente irreconhecível. Seja como senador Palpatine, seja como Mestre Sith, o personagem sempre mostrou enorme verve, sagacidade, ironia, deboche, crueldade, sadismo e um gigantesco prazer em ser ele mesmo. No Episódio XI, Palpatine é o que parece: um cadáver animado. Sem vida. Sem faísca. Sem nada do que o tornava a melhor coisa da série toda vez em que aparecia. Ao gigante Ian McDiarmid não sobrou nada além de ler as falas que lhe deram com a voz que inventou para o personagem. Um trágico desperdício.

 

Quanto a outras coisas questionáveis do roteiro, muitas não são ruins em si, mas são vítimas da total falta de tempo em estabelecê-las satisfatoriamente. Rey é uma Palpatine? Poderia ser legal, mas é uma informação jogada. Finn ser sensível à Força? Poderia ser legal, mas é totalmente jogado, parecendo mera desculpa para esta ou aquela cena andar. Parece que Chewie morreu? Cinco minutos depois aparece vivo. Rey parece ainda mais em conexão com o lado negro (como sugerido no filme anterior, olha só, mais uma coisa foi levada em conta)? Excelente para ser desenvolvido, mas não há tempo, o filme tem que correr. Talvez, com 40 minutos a mais, fechando as três horas de duração que Vingadores: Ultimato teve coragem de encarar, muitos desses problemas seriam bastante suavizados e alguns até solucionados. Mas o desespero faz as pessoas tomarem decisões idiotas. E Ascensão Skywalker foi feito por pessoas desesperadas. 

 

E tem o fanservice... Eu realmente amo fanservice! Amo mesmo!!! E até pra mim pareceu demais. Não é a quantidade, mas a pertinência. Muita coisa é jogada só pra estar ali. A medalha do Chewbacca é uma cena minúscula totalmente desconexa com qualquer outra, jogada nos últimos minutos de filme. E é tudo jogado porque... Isso. Não há tempo! E a correria e a decisão de fazer qualquer coisa para não desagradar ninguém depois das polêmicas do Episódio VIII geraram um filme totalmente destituído de senso de perigo. Você não teme realmente por ninguém ali. Você sabe que tudo ficará bem no final. O destino de Kylo talvez seja a única coisa um pouco menos previsível. Já a de Leia era inevitável pela própria questão da morte da atriz. Aliás, as cenas reaproveitadas de Leia tem graus bem variados de sucesso. Por vezes, as cenas são meio desconjuntadas e percebe-se que foram escritas em volta do material existente. 

 

Pelo texto até aqui, dá a impressão de que o filme não tem qualidade redentora alguma. Mas não é bem assim. O problema é que tudo que o filme tem de bom ou potencialmente bom fica mal desenvolvido. Foi muito divertido ver finalmente Rey, Finn e Poe se aventurando juntos e foi uma pena não termos podido ver isso antes nos filmes anteriores. C3PO está em seu melhor momento em toda a saga, o que não é dizer pouco! Mas até seu personagem sofre das decisões exageradamente seguras do roteiro e tudo parece ser soterrado na histeria da narrativa, assim como novos personagens interessantes que não temos tempo de conhecer devidamente. Nisso, a personagem Rose se torna vítima da contenção de danos da Disney e praticamente desaparece do filme após ser tão criticada no filme anterior. Além de desnecessário, foi algo bastante ofensivo à própria atriz que suportou muito bullying de fãs radicais. 

 

Se em algum lugar da sala de montagem existir uma versão de três horas de A Ascensão Skywalker, onde ideias boas e pausas dramáticas e poéticas foram sacrificadas ao deus do desespero da Disney, seria muito, muito bom se pudéssemos assistir futuramente. Como está, o Episódio IX conclui a saga Skywalker de forma muito menos épica do que o esperado. Como está, o filme é um festival de retcon (e esse sabre do Luke que a Rey usa sendo que ele foi DESTRUÍDO no filme anterior?), contenção de danos e fracasso de planejamento. Em algum lugar ali, num filme montado como cinema e não como trailer, existe uma história emocionante. Mas tem coisas que não tem explicação, como porque Ben e Anakin não apareceram no final para Rey. Mas o último take... ah, o último take é tão na mosca que se ele tivesse concluído um filme realmente bom seria capaz de matar qualquer fã de amor...

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

MELHORES e PIORES de 2019 - Vlog Alcateia #140



Tamus aí mais um ano, aos trancos e barrancos, para falar bem e mal dos filmes e séries de 2019 

Obrigado pela companhia de sempre e nossos votos de BOAS FESTAS e um Feliz 2020 

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Dica de leitura: A Mansão da Colina - Chá das Cinco #302

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Contagem progressiva para Star Wars. Episódio de hoje: OS ÚLTIMOS JEDI.


Por Ricky Nobre


ATENÇÃO: OS TEXTOS DESTA SÉRIE SOBRE STAR WARS CONTÉM SPOILERS!!!

Nem sempre é fácil amar Star Wars. Sempre foi assim. As pessoas esquecem, mas o Episódio V não foi, de início, a unanimidade que é hoje. Parte da crítica não recebeu bem e parte do público não gostou do tom sombrio, da rápida resolução do triângulo Luke-Leia-Han (sim, havia shippers pros dois lados) e a paternidade de Luke foi considerada desde uma mentira do personagem até uma apelação do roteiro. O Episódio I teve recepção bem mista. As crianças amaram, a crítica elogiou muito dentro do hype cool da volta de Star Wars e a maioria dos fãs antigos odiou. E, sendo realista, qualquer episódio da saga já sofreu críticas dos mais variados teores. E ainda que a internet já existisse por ocasião dos prequels e tenha sido uma arena de muita discussão sobre Star Wars, a saga não havia enfrentado um inimigo tão implacável como os que emergiram nos últimos dez anos: as redes sociais.

 

O Episódio VIII não poderia ter exposto de forma mais precisa a forma como a Disney conduziu o planejamento e a produção da franquia Star Wars sob sua tutela. Mas é necessário contextualizar. Na pós produção de Rogue One, outra pessoa foi chamada para reescrever parte do roteiro e refilmar 40% do filme pois o resultado não estava satisfatório. Perto do fim das filmagens de Solo, os diretores foram demitidos e outro foi contratado para refilmar 80% do filme seguindo o roteiro previamente aprovado. Três meses antes do lançamento do Ep VIII, Colin Trevorrow, que escreveu uma versão do roteiro do Ep IX e dirigiria o filme, foi demitido por “diferenças criativas” pois sua visão não estava de acordo com a dos produtores. Então, não se enganem: tudo que está em Os Últimos Jedi, todas as cenas polêmicas, tudo o que os fãs odiaram e que se apresentaram como um problema para JJ Abrahams resolver no EP IX, tudo isso não é fruto de falta de gestão da Lucasfilm. Eles realmente acharam que tudo ali eram boas ideias.

 

Na melhor (ou pior, sei lá...) das hipóteses, é um planejamento ruim, onde se pede para artistas completamente diferentes contribuírem com ideias sem que haja uma história central bem básica já preparada. Quando Lucas terceirizou os roteiros dos Ep V e VI, ele tinha uma sinopse extensa e sólida para cada filme, cabendo aos roteiristas desenvolver as cenas, os diálogos e estruturar o roteiro. Mas a base estava ali. Sim, ele não tinha tudo na cabeça desde o início. Foi escrevendo o V que ele decidiu que Vader era Anakin. Foi escrevendo o VI que ele decidiu que “o outro Skywalker” era Leia. Mas era a história dele. O problema da Lucasfilm da Disney é planejamento. Eles acreditam que têm um plano, mas o plano deles é não ter plano. E o plano parece ser na base do “faz aí e depois a gente diz se gostou”. Com apenas dois anos entre cada filme da trilogia, e mais um spin off entre cada episódio, não parece ser uma tática muito segura.

 

E por que estou falando tudo isso? Porque Episódio VIII está sendo considerado o mais divisivo de todos. Existem os fãs que fazem defesas verdadeiramente apaixonadas de Os Últimos Jedi. Mas temos que reconhecer que aqueles que detestam este filme o fazem com uma dedicação jamais vista e são incontáveis os canais no Youtube que foram criados com o único objetivo de odiar o filme, seu diretor e roteirista e, muito especificamente, sua produtora Kathleen Kennedy e a própria Disney. Tentar falar deste filme como se isso não estivesse acontecendo (sim, o filme já tem dois anos, mas todo dia é um vídeo novo de alguém odiando a fase Disney de Star Wars) é tapar o sol com a peneira. Se aqui apresento a MINHA visão do filme, não tem como, ao menos em parte, fazê-lo à luz de seus aspectos mais polêmicos.

 

Então, vamos lá. O Episódio VIII é um filme muito divertido, belissimamente filmado e, destacadamente, um dos mais emocionais da saga. Tudo o que acontece é sentido pelos personagens e a interação e os laços entre eles são fortes. A luta de sabres no salão de Snooke é sem dúvida a mais brutal e insana da saga, onde o predomínio do vermelho rima com a ação nas areias salinas na batalha de Crait. A breve aparição de Yoda (novamente como marionete!) é aquela mais pura sabedoria que vimos principalmente no Ep V. Kylo Ren continua um personagem fascinante e, provavelmente, o mais bem desenvolvido desta trilogia até agora. E tem a subversão de expectativas... Ah, há tanto a falar sobre isso!

 

Rian Johnson parece ter escrito este episódio, com total anuência da Lucasfilm, como uma reação à principal crítica dirigida ao Episódio VII: o quanto ele era derivativo do IV e, de certa forma, mais do mesmo. Desta forma, Johnson se sentiu livre para fazer tudo o que NÃO se esperava. Lá pela metade do filme, Luke diz textualmente a Rey: “Isso não vai acontecer da forma que você pensa”. Era o próprio Johnson falando. O sucesso dessa abordagem é altamente debatível.

 

Primeiramente, Luke. A forma como Luke é introduzido é provavelmente a mais representativa do principal problema do Episódio VIII. O encontro ente ele e Rey na última cena do Ep VII teve enorme poder emocional não apenas no público mas nos próprios personagens. Rey mal conseguia conter as lágrimas ao estender o sabre de luz. Neste filme, em sua primeira cena, Luke arremessa o sabre sobre os ombros. Ele poderia ter devolvido a Rey. Poderia ter jogado no chão com uma expressão grave. Mas ele joga sobre os ombros como uma piada, um deboche. Uma clara indicação do quanto aquilo não significa nada para ele. E quando ele debocha do sabre e de Rey, debocha dos fãs. E essa abordagem se repete em vários momentos. 

 

Com a intenção de subverter expectativas, o roteiro, na verdade, desfila uma longa lista de coisas que para o público eram importantes, uma vez que o filme anterior e a própria mitologia da saga assim as construíram e, simplesmente, as nega. Quem afinal era Snooke e como ele ergueu a Primeira Ordem? Não é importante, mata o vilão antes de explicar qualquer coisa. Como Maz conseguiu o sabre de Anakin e porque ele chamou Rey? Qual a conexão entre eles? Não é importante, destrói o sabre. E uma que enfureceu muita gente: após toda a expectativa construída sobre a origem de Rey e a identidade dos seus pais... Não, isso não é importante. Ela é filha de bêbados. E a partir disso, começo a traçar minhas impressões sobre o que eu não acho tão ruim ou que é realmente bom dentre tudo que foi criticado.

 

Rey não ter nenhuma descendência especial me parece muito bem vindo e vai contra o clichê do “escolhido” ou de alguém especial pela linhagem. Rey estar se construindo como heroína e futura jedi vinda do NADA me parece um arco muito mais interessante. Meu único problema com isso é que o filme anterior pareceu construir essa questão com uma ideia em mente, de ela ser alguém específico. A forma com Kylo e Maz perguntam “quem é a garota?” dá a impressão de que eles acham que possa ser alguém em particular. Mas enfim... depois de todo o falatório isso tem grandes possibilidades de ser mudado no próximo e último episódio.

 

Quanto a Luke, é sabido que o próprio ator Mark Hammil odiou o que foi feito com o personagem. É perfeitamente compreensível. Talvez, na ânsia de ser “afrontoso” e “inesperado”, Johnson não tenha sido cuidadoso com roteiro e direção ao estabelecer que, sim, Luke Skywalker, mesmo sendo um jedi experiente, poderia perfeitamente cometer um erro gravíssimo e simplesmente não conseguir lidar com ele. Pode ser difícil de imaginar o Luke que obstinadamente tentou tirar o pai da escuridão tenha pensado, por um segundo que fosse, que matar o sobrinho fosse a melhor saída. Mas, por vários segundos, um Luke desesperado tentou (e quase consegui) matar o pai quando este lhe mostrou a presa fácil que sua irmã, sem preparação nem treinamento, seria para o lado negro. Não é nada estranho que Luke acredite que os jedi são uma ordem falida que precisa acabar. Foi a arrogância e os sucessivos erros dos jedi que permitiram que Palpatine triunfasse. Talvez o que mais pese contra Luke no Episódio VIII seja nossa plausível expectativa de um velho jedi mais sábio e sem a auto estima tão esmagada. Yoda é quem vem, em mais uma bela lição, lembrar o grande professor que é o fracasso. “Nós somos o que eles se tornam. Este é grande fardo do mestre”. Obi-Wan passou pela mesma coisa. E se ele se isolou depois disso, foi por razões políticas, não pessoais.

 

E falando em fracasso... nada dá certo para ninguém no Episódio VIII. E precisamos falar do personagem de Poe, pois ele difere imensamente do apresentado no filme anterior. Aqui, ele é arrogante, prepotente, indisciplinado e inconsequente. Sua insistência em derrubar o encouraçado ainda que ao custo de TODOS os bombardeiros da Resistência (não vou entrar no mérito de que as bombas “caem” no espaço, Star Wars é fantasia...) chega a ser inacreditável para quem tinha uma impressão totalmente diferente dele. Mas é fato que isso acontece. Muitas vezes precisamos de tempo para realmente conhecer uma pessoa e não é absurdo que Poe seja tudo que vimos do Ep VII e também o que vimos neste. Quanto ao motim contra a Almirante Hondo, já temos aí uma das mais graves falhas de roteiro deste episódio. Em absolutamente momento algum o silêncio de Hondo quanto ao plano de evacuação é justificado. Nada, absolutamente nada justifica isso. Para manter a trama que levou ao motim liderado por Poe, era essencial que Hondo tivesse um motivo real para seu silêncio. A consequência dessa confusão é que a Resistência é dizimada, o que parece ter sido feito também mais para chocar e surpreender sem pensar se sobraria alguém para o próximo filme.

 

Passando para Finn e Rose, a trama paralela de Canto Bight não merece ser tão odiada quanto é, ainda que não contribua com a trama principal pelo tanto que dura. Sua função, além de apresentar aos heróis um hacker que NÃO é o que eles queriam, é servir como comentário político e ampliar a visão do panorama social que envolve o conflito entre a Primeira Ordem e a Resistência. Ao mostrar uma elite econômica que explora a população e os animais e lucra vendendo armas para os dois lados da guerra, o filme nos remete à trilogia prequel, que tornou a política algo intrínseco a Star Wars. Talvez a diferença seja que naquela trilogia toda exposição e comentário político construía e explicava a trama. Aqui, parece solto, sem consequência. Se tem alguma utilidade, é mostrar um povo oprimido pela Ordem, além dos próprios membros da Resistência. Mas Finn e Rose também falham, graças à traição de DJ. Muito se criticou que tudo isso não levou a nada, mas a verdade é que a vida também é assim. Às vezes você faz o melhor que pode e a recompensa não vem. O fracasso é o grande tema deste episódio e do quanto é necessário insistir em seguir adiante.

 

Finn e Rose também protagonizam uma das cenas mais equivocadas do filme. Disposto a destruir a arma que possibilitaria a invasão da antiga base rebelde, Finn decide se sacrificar direcionando seu veículo contra a arma. Johnson erra tragicamente ao compor uma cena altamente emocional, onde o espectador, ao mesmo tempo que lamenta a morte eminente do herói, aceita o belo e honrado fim... porque a cena é belíssima... E novamente no fetiche do diretor por quebrar expectativas, Rose evita a manobra de Finn, quebrando a expectativa que a própria narrativa do filme acabou de criar segundos antes. A frase supostamente impactante que se segue sobre “venceremos não matando quem odiamos mas salvando quem amamos” não faz o menor sentido, pois era exatamente isso que Finn tentava fazer: salvar todos que amava destruindo a arma inimiga. Um sacrifício tão honrado quanto o de Hondo.

 

E o que dizer da Capitã Phasma? Uma grande promessa não cumprida do Ep VII, aqui só serve para, rapidamente, fechar um arco do Finn, que a derrota. E morre. E pronto. E é isso... 

 

O filme também procura desenvolver os personagens de Rey e Kylo de forma entrelaçada ao criar uma união mental entre os dois. Luke se choca ao ver a forma desprendida como Rey atende ao chamado e explora o lado negro na ilha, mas é justamente a relutância de Luke em treiná-la que torna a relação com Kylo atraente. Ela se sente só, e Kylo está ali. Aliás, Kylo está ali com um plano, ainda que a conexão mental tenha sido inesperada para ele. Ele forja uma conexão, uma simpatia, uma narrativa onde ambos estão sós. Posteriormente, da mesma forma que Snooke manipulava seu ego, ora humilhando-o, ora pondo fé em seus atos, Kylo tenta manipular Rey basicamente com dois discursos: em como ela não era ninguém, era lixo como seus pais, mas não para ele. Para ele, ela é especial, imprescindível. Outro, é o discurso da subversão. Da mesma forma como o filme subverte várias tradições de Star Wars, Kylo propõe o fim de tudo: da Ordem, da Resistência, dos Sith, dos Jedi. “Deixe tudo morrer”. O discurso é de revolução, mas a proposta é velha, é fascista, é a mesma feita por Palpatine a Anakin, depois por Anakin a Padme e novamente por Vader a Luke: junte-se a mim e juntos governaremos a galáxia. É a mesma proposta de poder onde aquele que propõe terá fatalmente supremacia sobre o outro. Aqui, Johnson parece sugerir que a proposta de subversão e destruição do “antigo” do próprio filme não é real, mas superficial. Uma proposta de vilão. Mas ainda que Rey guardasse por Kylo a mesma esperança de redenção que Luke guardava pelo pai, ela sabia que aquele não era o caminho. Ainda que a morte de Snooke tenha sido prematura, ela serviu de estopim para a sedimentação de ambos os personagens: o vilão Kylo Ren e a heroína Rey.

 

E esse texto despropositadamente longo, totalmente fora do padrão das minhas análises anteriores, é reflexo da impossibilidade de analisar o Episódio VIII como se eu morasse numa ilha, isolado da histeria digital que se formou em torno deste filme, o que tornou boa parte do texto numa espécie de resposta às principais críticas feitas ao episódio. Mas não podemos nos iludir de que isso não passa de simples críticas a um filme problemático. Muito do ódio que Star Wars vem recebendo é por supostas tentativas de Disney de “lacrar” adicionando uma “agenda progressista” à franquia. O problema de Canto Bight não é a sequência supostamente atrapalhar o ritmo do filme, mas sim pelo seu teor político, algo que não teria lugar em Star Wars (esse povo viu os prequels?). O problema do motim de Poe não é porque o roteiro falhou completamente em convencer que o silencio de Hondo era necessário, mas porque o roteiro quis colocar uma oficial feminazi humilhando o pobre herói branco e hétero... E a personagem Rose foi tão odiada que a própria atriz fechou sua conta no Twitter, tamanho o assédio online que sofreu. E esse ódio é intenso e não dá pra assistir um punhado de vídeos sobre Star Wars no Youtube sem que o site te sugira incontáveis vídeos com esse teor. Tem até um incrivelmente intitulado “Como a justiça social destruiu Star Wars”. Não está fácil viver nessa década.

 

O Episódio VIII é um ótimo filme, mas que contém alguns erros graves, alguns que comprometem o filme em si, outros que comprometem a coesão da história desta última trilogia. Jamais teria acontecido se a Lucasfilm tivesse posto um (ou dois) escritores que ficassem responsáveis pela trama completa da trilogia, em vez de entregar toda a estrutura de um episódio a alguém que não teve participação alguma na criação do anterior e que desrespeitou, com certa indisfarçável alegria, o que foi feito antes. E só posso concluir dizendo que o tão odiado voo espacial de Leia (que foi apelidada de Leia Poppins) é uma cena linda que me fez chorar no cinema e eu amo toda vez que vejo. Pronto, falei.