Por Ricky Nobre
Seja qual for a sua opinião sobre o cinema de Yorgos
Lanthimos, haverá de concordar que o que se pode esperar dele não é o trivial. À
primeira vista, um filme de época retratando a corte britânica nos tempos da
Rainha Anne, a última dos Stuart, com suas intrigas amorosas e políticas, não
se parece em nada com o estilo do diretor, sendo, talvez, uma indicação de ter
se moldado a um cinema mais comercial e palatável. Nada mais longe da
realidade.
O objetivo de A Favorita não é, de forma alguma, retratar ou
discutir as particularidades sociais ou políticas num cenário de poder em um
determinado momento histórico da Inglaterra. A relação histórica entre a Rainha
Anne, Lady Sara e a criada Abgail é apenas o ponto de partida para um conto que
começa mostrando como laços de afeto e de poder se entrelaçam e se confundem e
termina revelando-se uma história de amor e tragédia.
O trio central de atrizes é perfeito, equilibrando-se na
cruel corda bamba entre sátira e drama que Lanthimos as impõe, onde, pela
primeira vez, dirige um roteiro que não escreveu. Muito hábil é também a
capacidade delas e do diretor em criar e subverter percepções de “heroína” e “vilã”,
“forte” e “fraca”, “fiel” e “traidora”, enquanto acompanha uma multidão de
homens orbitando as decisões de importância nacional que são tomadas por essas
três mulheres.
O cinema de Lanthimos é sempre desconfortável. Começando pela
escolha de enquadramento e lentes, com uso massivo de grande angulares, que
constantemente localizam seus personagens em seu ambiente. Seja a cozinha, o
quarto real, o parlamento, os corredores suntuosos ou mesmo uma corrida de
patos, o cenário sempre aparece por inteiro, e “onde” o personagem está parece
sempre ser de importância crucial. O desconforto das inevitáveis distorções nos
movimentos de câmera com essas lentes sugere a instabilidade que Abigail traz à
corte, ou, talvez, apenas ilustre e represente um olhar bizarro sobre os
acontecimentos. O uso das grande angulares chega ao extremo das lentes “olho de
peixe”, quebrando qualquer possibilidade da estética se acomodar na impressão
do “filme de época” comum. A trilha sonora, repleta de músicas clássicas do
período, dá lugar em momentos chave para as composições originais de Komeil S.
Hosseini, que são basicamente repetições de notas desesperadoramente
obcessivas. Até mesmo os créditos são apresentados com alinhamento justificado
extremo que, se formam belos quadrados ao longe, torna também a leitura uma
tarefa exaustiva.
Mas o desconforto mesmo está no detalhes, nas inseguranças
das personagens, até em seus atos mais ousados e, principalmente, na forma como
não saem como planejados. Esse desconforto pode parecer óbvio, principalmente
em cenas como a bizarra dança de um casal que não é só anacrônica com parece
extraída de um quadro de humor tosco. Mas, na maioria das vezes, é sutil, sem
dar ao espectador a noção exata de onde vem. A cena final, longa, trágica e
excruciante, carregada de um sentimento de fatalidade, é o ponto máximo da
obstinação de Lanthimos em não nos deixar relaxar com o que vemos. As personagens
parecem todas tomar as decisões erradas e o arrependimento vem tarde demais, ou
é simplesmente irrelevante.
Logo na primeira cena, a rainha convida sua dama favorita,
Lady Sara, a cumprimentar seus coelhos de estimação, que ela bizarra e
tragicamente batizou com os nomes de todos os seus 17 filhos mortos, frutos, em
sua maioria, de abortos espontâneos. Sara diz: “Não vou fazer isso. É macabro. Eu
te amo, mas não vou fazer isso”. No que a rainha protesta: “Mas se você me
ama...”. Ao que Sara responde: “Amor tem limites”. E a rainha conclui: “Não
deveria ter”. Não se engane com as disputas de poder de A Favorita. É DISSO que
o filme se trata.
COTAÇÃO:
A FAVORITA (The Favourite, 2018)
Com: Olivia
Colman, Rachel Weisz, Emma Stone, James Smith, John Locke e Nicholas Hoult
Direção: Yorgos
Lanthimos
Roteiro: Deborah Davis e Tony McNamara
Fotografia: Robbie Ryan
Montagem: Yorgos Mavropsaridis
Música: Komeil S. Hosseini
INDICAÇÕES AO OSCAR:
Melhor filme
Diretor: Yorgos
Lanthimos
Atriz: Olivia
Colman
Atriz coadjuvante: Rachel Weisz
Atriz coadjuvante: Emma Stone
Roteiro original: Deborah Davis e Tony McNamara
Fotografia: Robbie Ryan
Montagem: Yorgos Mavropsaridis
Figurino: Sandy Powell
Direção de arte: Fiona Crombie e Alice Felton