quinta-feira, 26 de abril de 2012

FILMES DE SUPER-HERÓIS DEVERIAM SER LEVADOS A SÉRIO

por Patrícia Balan
Se ainda exististe algum preconceito com filmes de super-heróis, já pode ser considerado uma imbecilidade sem tamanho. Tom Hiddleston dá uma visão da experiência de curtir uma adaptação da nona arte por dentro. Ele, que sempre fez clássicos e passa mais tempo em roupa de época do que de calça jeans, deu um tempo nas filmagens e gastou os dedinhos para colaborar com o The Guardian e dizer o que pensa sobre filmes "sérios" e adaptação de quadrinhos. Se a galera do Oscar não entender desta vez, só desenhando pra eles.

Matéria originalmente publicada no blog The Guardian UK

De Super-homem a Batman, os filmes de super-heróis nos têm ensinado muito sobre humanidade – além de ser um grande espetáculo visual. Com a palavra, o ator de Vingadores, Tom Hiddleston.
Até que enfim, um colaborador com a vida ganha...

No começo deste ano, lanchando sobre uma tenda prestes a ser levada pelo vento cortante de Gloucester, eu estava trabalhando num filme com o ator Malcolm Sinclar. Comíamos ovos mexidos de café da manhã, muito antes de amanhecer, quando ele me disse algo que eu não sabia: quando Christopher Reeve era jovem, logo depois de se formar em Juillard (Escola de Artes Cênicas de Nova Yorque (NT)), ele foi execrado por seus colegas de profissão na Broadway por ter aceitado o papel de Super-homem. Para um ator clássico, uma escolha dessas era considerada uma imbecilidade.
 
Ele foi um super-herói de verdade e enfrentou muito mais do que a gente sequer imagina.
Eu cresci assistindo Super-Homem. Quando criança, ao aprender a mergulhar na piscina, eu não estava mergulhando – estava voando como o Super-Homem. Eu sonhava em resgatar a garota de quem eu gostava (minha Lois Lane) de um valentão da escola (General Zod). Reeve, para mim, foi o primeiro super-herói de verdade.

Desde então, alguns dos maiores atores transformaram filmes de super-heróis em algo sério: Michael Keaton e Jack Nicholson em Batman, Ian Mackellen e Patrick Stewart, os primeiros nobres cavaleiros dos X-Men, que passaram o bastão para Michael Fassbender e James McAvoy. E apesar de ter 20 anos dos papéis mais diversos entre si, desde Chaplin até Beijos e Tiros, foi só com o carisma de estrela de rock de Tony Stark, apesar de haver uma humildade qualquer ali, que o grande público finalmente abraçou o enorme talento de Robert Downey Jr. Já a interpretação de Heath Ledger em O Cavaleiro das Trevas simplesmente mudou as regras do jogo. Ele elevou o nível dos filmes, não só para atores de filmes de super-heróis, mas para jovens atores em geral – para mim, pelo menos. Sua interpretação foi anárquica, sombria, estonteante, livre, arrepiante e perigosa.
Por que tão sério?
Atores de qualquer meio são inspirados pela curiosidade, pelo desejo de explorar todos os cantos da vida, a luz e as trevas, para refletirem o que acham em seu trabalho. Artistas querem, instintivamente, retratar a humanidade – a sua própria e a que acham em outros – com as costumeiras doses intermitentes de virtude e vitalidade, fraqueza e defeitos.

Robert Downey Jr provou mais uma vez que ator talentoso pode ficar sarado, mas nem todo ator sarado pode ficar talentoso. 

Eu nunca me senti mais inspirado do que quando assisti uma entrevista de Harold Pinter (Nobel de Literatura em 2005 – dramaturgo que foi um dos representantes do Teatro do Absurdo NT) dizendo: “A verdade na ficção sempre será intangível. Você não consegue achá-la, mas a busca é compulsiva. É esta busca que claramente nos incita a criar. Esta busca é a tarefa de quem escreve ficção. Na maioria das vezes você esbarra na verdade por acidente, dando de cara com ela ou simplesmente vendo-a de relance. Você vê uma forma que parece corresponder à realidade. Na maioria das vezes você faz isso sem perceber. A verdade é que não existe uma só verdade a ser achada nas artes cênicas. Existem várias. Estas verdades nos desafiam, rebatem de pessoa em pessoa, estão refletidas no outro – elas estão lá quando as ignoramos, quando procuramos por elas ou quando estamos cegos a elas. Muitas vezes você parece ter a verdade daquele momento nas mãos e ela escapa pelos seus dedos e se perde para sempre”.

 
Você pode dizer que isso não é papo para um ator de um filme bobo de super-heróis. Só que esses filmes nos mostram uma mitologia moderna de conhecimento geral e um tanto cínica, através da qual estas verdades podem ser exploradas. Em nossa sociedade secular, com tantos deuses e crenças diferentes, os filmes de super-heróis apresentam uma tela única na qual todas as nossas esperanças, sonhos, medos e pesadelos apocalípticos, que todos temos em comum, podem ser projetados e representados. As sociedades antigas tinham deuses antropomórficos: um enorme panteão cheio de dramas familiares: pais e filhos, heróis e mártires, encontros e desencontros de amantes e morte de reis – histórias que nos ensinavam os perigos da soberba e o valor da humildade. São coisas do dia-a-dia de todo mundo e todo mundo ama isso. Parece clichê, mas os super-heróis podem ser solitários, vaidosos, arrogantes e orgulhosos. Existe uma chance de se redimir em cada esquina, mas você vai ter que merecer essa chance.

 
O médico e o monstro que existem em todos nós. Stan Lee não inventa só distração, mas diversão e arte.

O Hulk é a metáfora mais perfeita para nosso medo da fúria: as consequências desastrosas desse fogo que consome a gente. Não existe uma alma nesse mundo que nunca tenha tido vontade de gritar “Hulk esmaga!” para algo em sua vida. Mas quando o calor da fúria assenta, tudo o que resta é arrependimento e vergonha. Bruce Banner, o alter-ego humilde do Hulk, fica tão chocado com a fúria quanto nós ficamos. Aquele outro Bruce – Wayne – é o super-herói Hamlet: uma alma carente, incompreendida, solitária, condenada a vingar eternamente o injusto assassinato de seus pais. Capitão América é um modelo para o heroísmo na força militar: o líder nato, o herói de guerra. Homem-Aranha é o eterno adolescente – o lado aracnídeo de Peter Parker incorpora seu segredo mais bem guardado: sua liberdade de pensamento e independência para exercer seu poder.

Além de tudo, os filmes de Super-heróis representam o ápice do cinema como “fotos em movimento”. Eu gosto de pensar que os irmãos Lumière adorariam ver as perseguições em Gotham City, com os helicópteros se chocando com fios de alta tensão, com o Coringa dirigindo um caminhão gigante que fica a 180° do chão e dá cambalhotas como se fosse um ginasta russo. Eu gosto de pensar que eles adorariam as piruetas no céu de Manhattan que acontecem no filme Vingadores. Estas cenas são o resultado do trabalho criativo que começou com a filmagem e exibição de L'Arrivée d'un Train en Gare de la Ciotat in 1895 (Um filme que mostra a chegada de um trem. Na época as pessoas correram do cinema pois acreditaram que um trem estava realmente vindo na direção delas (NT) ). Hoje em dia os trens só são mais rápidos. Não só os trens, mas os caminhões, bicicletas, batmóveis e homens em armaduras de ferro voadoras. O espetáculo é parte da diversão – parte da arte, parte da alegria que compartilhamos.
Como eu espero estar distante do tempo daqueles que criticaram Christopher Reeve. Talvez interpretar super-heróis não seja uma imbecilidade afinal. “Eu ainda acredito em heróis,” diz o Nick Fury de Samuel L. Jackson. Pois eu também, senhor. Eu também.

3 comentários:

Nanael Soubaim disse...

Bruce Wayne merecia um texto à parte, simplesmente porque ele morreu com seus pais. O homem que hoje leva este nome, é apenas o alter e financiador ego de uma criatura amarga e deprimida, que mais tarde foi chamada de Batman, e que preferiu dar ao seu desejo de vingança um fim útil, adoptando Gothan como sua família torta.

Patrícia Balan disse...

Enquanto algumas pérolas são jogadas aos porcos, diamantes brutos são lapidados por quem sabe ver o valor onde ele realmente está.

Sandrini disse...

E é lendo e assistindo essas coisas que eu olho pra esse mundo e penso: Caramba, que mundo sem-graça!! Porque que Deus não fez curso de cinema antes de criar tudo isso aqui?!
O que me conforta é pensar que talvez - e é esse "talvez" que salva - esses mundos todos que eu vejo - nas telas de cinemas, e ao virar de uma página - realmente existe. Ou existiu. Ou passa a existir depois que é criado.