Por Ricky Nobre
Esse texto pode conter SPOILERS LEVES, nada que já não tenha sido mostrado ou sugerido nos trailers e no marketing da Marvel. Se você conseguiu se desviar de toda a informação já divulgada meses atrás, e gostaria de não saber nada do filme, talvez seja melhor ler apenas após ver o filme.
Quando a Marvel virou estúdio e passou a produzir seus próprios filmes, ela estava pisando em territórios quase que totalmente inexplorados. Com exceção de Hulk, que teve um seriado de sucesso e um filme fracassado, todos os demais heróis de seus filmes tiveram pouquíssima ou nenhuma presença em telas, seja no cinema ou na TV. O Homem Aranha, porém apresenta um desafio inédito para o estúdio. Tendo não apenas uma, mas duas franquias anteriores, a Marvel tinha agora que encarar não apenas as inevitáveis comparações que leitores fariam entre os quadrinhos e os filmes, mas também a comparação do público em geral com os filmes anteriores, com o agravante de os dois primeiros filmes de Sam Raimi com o personagem serem praticamente uma unanimidade da crítica e do público em sua qualidade.
Não é necessário mencionar o quão desnecessária foi a
franquia recente. Basta dizer que os resultados foram tão desastrosos que
acabaram acarretando em algo que parecia completamente impossível até o
momento: um gigante da indústria do entretenimento devolveu um personagem
extremamente rentável a seus donos originais, sob algumas condições contratuais
de parceria. Após ter sido apresentado de forma extremamente bem sucedida em
Guerra Civil, o cabeça de teia chega finalmente em seu primeiro filme solo no
MCU (Marvel Cinematic Universe). Volta Ao Lar não poderia ter sido um título
mais apropriado.
A trama é de uma simplicidade impressionante. Após os
eventos em Guerra Civil, Peter Parker passa a operar como Homem Aranha sob a
supervisão de Tony Stark, uma vez que Peter usa agora a roupa desenvolvida por
ele. Peter tem certeza de que já tem tudo para ser um Vingador, e se sente
frustrado por não atuar em “missões” maiores e ficar cuidando apenas de
pequenos ladrões de rua. Quando ele descobre que alguém está construindo e vendendo
armas poderosíssimas feitas a partir da sucata alienígena da batalha de Nova
Iorque (a do clímax de Vingadores), Peter pode acabar tomando decisões
precipitadas que podem custar caro. Tudo isso enquanto tenta não perder as
provas, e chamar a garota que gosta pro baile.
O que ficou claro em Guerra Civil e é desenvolvido e
reforçado em Volta ao Lar é o fato de que Peter Parker é, de fato, um garoto de
15 anos. Toda o entusiasmo, as dúvidas, os medos, as trapalhadas da vida
adolescente estão lá. Peter está constantemente deslumbrado não só com as
próprias habilidades mas com a possibilidade de ser um Vingador, algo que ele
persegue com insistência diária, para desespero de Happy Hogan e sua muito
limitada paciência. E, como todo adolescente, ele tem pressa, e é justamente
isso que o faz meter os pés pelas mãos e perder a confiança de Tony Stark. É aí
que começa a verdadeira jornada do herói para Parker. Ele precisa encontrar o
herói puro em si mesmo, e é incrivelmente ousada a decisão de apresentar o clímax
do filme com o Aranha em sua roupa artesanal. Naquela fantasia tosca, larga e
feia é onde o Homem Aranha verdadeiramente nasce e se define. Em uma situação
desesperadora, ela grita e chora como um menino de 15 anos. Mas é ali que ele
descobre que, para seguir adiante, precisar tirar o herói, o HOMEM Aranha de
dentro de si.
Muitas críticas foram feitas ao personagem do Abutre e
algumas delas são válidas. Mas os vilões não têm sido o forte dos filmes de
heróis recentemente. Nesse contexto, o Abutre de Keaton está bem melhor que a
média. Sem entrar em detalhes e revelar spoilers que estragariam a graça
(afinal, ALGUMA coisa o marketing da Marvel tinha que deixar como surpresa), o
personagem consegue ser humano em sua vilania, e com um discurso bastante
plausível, principalmente quando coloca que o que ele faz e a forma com que
Stark construiu sua fortuna não são nada diferentes, mas que esse é um privilégio
dos ricos, mas que é criminalizado no cidadão comum.
O humor do filme se iguala e, talvez, até supere o de
Guardiões da Galáxia. Volta ao Lar é um filme simplesmente hilário e, assim
como em Guardiões, era a coisa certa a fazer. Quem acompanhou o herói, seja nas
animações seja nos quadrinhos, sabe que ele não para de soltar piadas o tempo
inteiro, algo que foi completamente ausente na franquia de Raimi e só apareceu
na franquia de Webb (um dos poucos acertos...). Mas, diferente do Aranha de
Andrew Garfield, que era zoeiro como Aranha e gago e atrapalhado como Parker, o
cabeça de teia do jovem e excelente Tom Holland é um personagem coeso e
transparente. O mesmo humor, entusiasmo e alegria que ele demonstra como o
Aranha, ele tem como Peter. Ele ama ser super-herói e só usa máscara e esconde
a identidade por causa da tia. May, aliás, não tem uma participação muito ativa
no filme, mas não deixa de ser engraçada a forma como o roteiro resolve brincar
com o novo visual da tia que, tradicionalmente, parecia uma bisavó.
Numa versão que finalmente resgata Peter Parker exatamente
como ele era nos quadrinhos da década de 60, temos vários outros personagens
clássicos que tiveram suas aparências e etnias modificadas, como Flash Thompson
(escrito de forma inexpressiva) e Ned Leeds, o grande “parceirão” de Peter no
filme, além de Betty Brant e Liz Allen, a paixão de Parker nessa primeira
aventura. Michele, personagem que deu o que falar quando Zendaya foi escalada
para interpretá-la, pode ser a Michele Gonzales adaptada (como foi Betty) ou
outra coisa... Mas, num primeiro momento, parece estar ali apenas para
preencher espaço, sem qualquer função.
Talvez o filme se beneficiasse de algum drama, que é
praticamente ausente. Ao decidir (corretamente) de que o Tio Ben já morreu o
suficiente no cinema, a Marvel parece ter decidido que o Aranha seria um herói
completamente leve. De fato, só temos noção de existência e morte do Tio Ben
por uma sugestão muito leve de Peter, ao citar “tudo pelo que ela (May) já
passou”. Mesmo assim, Peter não parece carregar nenhum cicatriz de perda ou
culpa pela tragédia, o que nos faz pensar se ela realmente aconteceu como na
história original ou se a Marvel decidiu que apenas não era hora de falar disso.
Aliás, a Marvel parece ter total controle do filme, o que dá para perceber pela
escolha de um diretor competente mas de carreira totalmente inexpressiva e
pelas seis mãos pelas quais o roteiro passou, o que sugere constantes revisões.
Dessa forma, pelo maravilhoso visual original dos anos 60,
pelo humor sensacional, pela juventude leve e revigorante de Peter, pela ação
excelente e pela alegria com que o espectador sai do cinema, Volta ao Lar era o
filme do Homem Aranha que os grandes fãs do personagem esperavam. Mesmo com
muitas adaptações, é o mais perto que o cinema já chegou dos clássicos
quadrinhos dos anos 60, 70 e 80. Talvez se possa esperar que, da mesma forma
que os Guardiões da Galáxia no segundo filme, o drama chegue na hora e na dose
certa. Por enquanto divirtam-se, e não deixem de ver a última cena pós
créditos, talvez a mais importante até agora em toda a franquia do MCU. E para
os preocupados com um possível onipresença de Tony Stark no filme, relaxem. Ele
aparece pouco e nas horas certas, apenas o suficiente para pensar “que f*d@ o
Homem de Ferro no filme do Homem Aranha! Sonhei com isso a vida toda!”. Pois é,
crianças. O sonho se tornou realidade.
HOMEM-ARANHA: DE VOLTA AO LAR (Spider-Man: Homecoming, 2017)
Com: Tom Holland, Michael Keaton, Robert Downey Jr., Marisa
Tomei, Jon Favreau, Zendaya, Jacob Batalon, Laura Harrier, Tony Revolori, Bokeem
Woodbine e Jennifer Connelly.
Direção: Jon Watts
Argumento: Jonathan Goldstein & John Francis Daley
Roteiro: Jonathan Goldstein & John Francis Daley, Jon
Watts & Christopher Ford e Chris McKenna & Erik Sommers
Fotografia: Salvatore Totino
Montagem: Debbie Berman e Dan Lebental
Nenhum comentário:
Postar um comentário