Por Ricky Nobre
Dentre os maiores destaques positivos do Universo
Cinematográfico Marvel estão, sem dúvida, o impecável planejamento, a excelente
escalação de atores, a fidelidade à origem e personalidade dos personagens,
qualidade das cenas de ação e um real senso de heroísmo. Dentre as principais
críticas estão a inexpressividade artística de boa parte dos diretores
escolhidos e/ou excesso de controle por parte da Marvel, vilões fracos e
inexpressivos, excessos de leveza e de humor e falta de senso de perigo. Todas
essas qualidades e defeitos tiveram suas exceções, mas depois de 17 filmes ao
longo de 9 anos, este é o “balanço geral”.
Além de Homem de Ferro 3 e seu polêmico “plot twist”, uma
das principais reclamações dos fãs é quanto aos filmes de Thor. A primeira
aventura cinematográfica dos deus do trovão foi dirigida por ninguém menos do
que Kenneth Branagh, certamente o mais “nobre” dos cineastas que já passaram
pela Marvel, partindo do conceito da aproximação da história de conflitos da
família real asgardiana com um drama shakespeariano (conceito, aliás,
excelente). Não apenas o Odin de Anthony Hopkins e o sublime Loki de Tom Hiddleston
conquistaram o público, como tivemos a excelente surpresa do “surfistinha”
Chris Hemsworth mostrar-se um ótimo Thor, numa história que narrou muito bem a trajetória
do protagonista de príncipe mimado a verdadeiro herói. Infelizmente, um
orçamento muito limitado levou a um clímax decepcionante, para dizer o mínimo. O
segundo filme, Thor: O Mundo Sombrio, costuma disputar com Homem de Ferro 3 o
título de filme mais decepcionante da Marvel. Com boa história e bom potencial,
o filme sucumbiu a uma direção medíocre, vilão esquecível e um humor terrivelmente
bobo concentrado nos personagens na Terra que constantemente entrecortava a
aventura e o drama dos personagens em Asgard, quebrando o ritmo do filme, algo
que um montador mais talentoso seria capaz de corrigir sem maiores esforços.
Não seria um grande filme, mas seria mais digno.
Felizmente, os responsáveis por Homem de Ferro 3 e Thor 2
podem respirar aliviados, pois eles não estão mais sozinhos na inglória disputa
pelo fundo do poço da MCU, pois eis que surge Thor: Ragnarok. O marketing do
filme já dava conta de que a Marvel já havia decidido que Thor seria transformado
de forma definitiva em personagem cômico. Como o estúdio cinematográfico da
casa das ideias chega à conclusão de que um personagem como Thor e todo o
universo ligado a ele deve se tornar a sua (mais uma!) sub-franquia cômica é um
mistério que talvez nem o Vigia compreenda. Porém, um fã cheio de amor no
coração e muita vontade de gostar do filme possa talvez ir ao cinema aceitando
essa triste realidade e tirar o melhor possível da experiência. Bem, MUITO boa
sorte com isso!
A primeira cena já dá o tom: um vilão bizarramente sinistro
e extremamente ameaçador e um deus nórdico poderoso o suficiente para derrotá-lo...
Mas o diretor Taika Waititi decidiu que nem eles, nem nada, nem ninguém dali em
adiante seria levado a sério. Notem bem, não se trata de reivindicar a pseudo
seriedade sisuda e vazia de Batman vs Superman, mas o mínimo de respeito pelos
personagens que estão na tela. Thor, durante todo o filme, parece saído de um
filme dos Trapalhões. Piadas simples e bobas como Thor tirando selfies e fazendo
caretas com fãs na Terra são apropriadas ao filme e ao personagem. Thor
esbarrando e derrubando absolutamente tudo e fazendo papel de idiota na
presença do Doutor Estranho não é. E a pretexto de fazer humor com os clichês
dos heróis, como as frases de impacto, as saídas ou entradas “heroicas”, Taika
Waititi sente-se à vontade para criar um filme que não se leva a sério em
praticamente nenhum nível. Um Hulk finalmente falando e interagindo é
revigorante e um alívio num mar de mediocridade, mas Banner é tratado como um
palhaço da mesma forma que Thor, ao ponto de uma escolha difícil de Banner (que
poderia significar a presença definitiva de Hulk) se tornar mais um motivo de
piada, fazendo pouco do sacrifício do herói. Nenhum momento potencialmente dramático ou emocionante foi poupado: foram TODOS destruídos.
Aliás, fazer pouco dos heróis é algo comum no filme.
Personagens importantes e conhecidos dos filmes de Thor são descartados como se
não fossem nada (e à propósito where the fuck is Lady Sif???????) e de forma
desonrosa (apenas um tem direito a uma morte digna). Espreme-se piadas de
qualquer situação, de forma tão maciça que o riso se recusa a vir até em
algumas piadas que não são tão ruins, tamanha a overdose, e apenas poucos
momentos são genuinamente engraçados. Fica absolutamente claro que esse é o
objetivo do filme: ser uma paródia de si mesmo.
Talvez o mais bizarro é que o roteiro tem todos os elementos
para um ótimo filme. Os eventos em si são relevantes e formam uma boa história,
ainda que não brilhante, mas digna, mesmo que simplifique de forma extrema as
histórias originais de Ragnarok e Planeta Hulk, que formam a principal base. Fica
claro que foi uma escolha da Marvel, sob a luz do imenso sucesso dos dois
filmes dos Guardiões da Galáxia, apostar na onipresença do humor e do estilo
colorido e retrô dos anos 80, mas não seria absurdo conjecturar que foi decisão
do diretor levar esse humor a níveis extremos. A verdade é que Taika Waititi
não é James Gunn, que é capaz de extrair drama e emoção em meio a um mar de
piadas. Os Guardiões da Galáxia é um grupo de heróis apropriados para esse tipo
de conceito, assim como o Homem Aranha é apropriado para um filme mais leve e
adolescente. Assim como Zach Snyder, Waititi sofre de uma síndrome de pré
adolescente, mas de natureza diversa. Se Snyder é o garoto de 12 anos que acha
que sexo, violência e fotografia sombria é algo super adulto e profundo, Waititi
é o moleque que se acha super cool por ser “o zoeiro”, fazer piada com tudo e
não levar nada a sério, fazendo desse terceiro filme do Thor o filme mais
completamente imaturo já feito pela Marvel.
Thor: Ragnarok erra até na música. À princípio, o trabalho
do compositor Mark Mothersbaugh é muito bem concebido, inspirado tanto nas
trilhas massivamente sinfônicas e melódicas dos anos 80 quanto nas trilhas
eletrônicas da época, com forte influência de Danny Elfman mas com citações que
vão de Basil Poledouris a Harold Feltemeyer, chegando ao ponto de citar o tema
de Patrick Doyle para o primeiro filme de Thor. Infelizmente, o que acaba se
destacando aos ouvidos do público são os trechos com sintetizadores
(privilegiados na mixagem). Quem ouvir o CD da trilha sonora vai se deparar com
uma belíssima suíte de 8 minutos que seria perfeita para os créditos finais,
mas simplesmente não está no filme. Destaque também para a presença
inexplicável e deslocada de Immigrant Song do Led Zeppelin (presente no
primeiro trailer) que aparece em duas cenas. Segundo Kevin Fiedge, um dos
principais motivos que o levaram a contratar Waititi para dirigir foi
um clipe que ele montou usando essa música para mostrar o tom que ele queria
para o filme.
Se o filme tem algum mérito, este repousa no sangue que
alguns membros do elenco tiram dessa pedra. Tom Hiddleston executa uma
verdadeira alquimia ao tomar diversos diálogos e piadas toscas e adicionar sua
inconfundível classe, transformando essa gororoba em falas dignas de Loki. Cate
Blanchett é, em quase todas as cenas, poupada de diálogos e situações
constrangedoras, podendo brilhar como um dos vilões potencialmente mais
sensacionais de todos os filmes da Marvel, tristemente desperdiçada num filme
desse calibre. Odin também foi poupado de maiores palhaçadas e sua breve
participação dá o pouco de nobreza que o filme possui. A ex-valquiria de Tessa
Thompson também se destaca e a natureza sisuda e badass da personagem acabou
salvando-a de cenas mais constrangedoras.
Thor Ragnarok tinha tudo para ser um excelente filme: uma
boa história, uma vilã sensacional, um ótimo elenco e a grandiosidade do
universo cósmico da Marvel. Se a cotação final não é mais baixa, é devido a
esses elementos. A única coisa que faltou foi um adulto na direção e um mínimo
de noção da Marvel em perceber que o que funciona com os Guardiões da Galáxia não
vai necessariamente funcionar com Thor. Principalmente se não existe o talento
necessário no comando. Thor: Ragnarok vai testar a paciência e fidelidade do
mais ardoroso marvete. Que venha Pantera Negra! Rápido, por favor.
THOR: RAGNAROK (EUA, 2017)
Com: Chris Hemsworth, Tom Hiddleston, Cate Blanchett, Idris
Elba, Jeff Goldblum, Tessa Thompson, Karl Urban, Mark Ruffalo, Anthony Hopkins
e Benedict Cumberbatch.
Direção: Taika Waititi
Roteiro: Eric Pearson, Craig Kyle e Christopher Yost
Fotografia: Javier Aguirresarobe
Montagem: Zene Baker e Joel Negron
Música: Mark Mothersbaugh
COTAÇÃO:
Um comentário:
Putz... Tinha tudo pra ser um filmaço.
Ricky é cruel, Ricky não perdoa....
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