sexta-feira, 20 de outubro de 2017

THOR: RAGNAROK – Um deus do barulho!


Por Ricky Nobre


Dentre os maiores destaques positivos do Universo Cinematográfico Marvel estão, sem dúvida, o impecável planejamento, a excelente escalação de atores, a fidelidade à origem e personalidade dos personagens, qualidade das cenas de ação e um real senso de heroísmo. Dentre as principais críticas estão a inexpressividade artística de boa parte dos diretores escolhidos e/ou excesso de controle por parte da Marvel, vilões fracos e inexpressivos, excessos de leveza e de humor e falta de senso de perigo. Todas essas qualidades e defeitos tiveram suas exceções, mas depois de 17 filmes ao longo de 9 anos, este é o “balanço geral”. 

 

Além de Homem de Ferro 3 e seu polêmico “plot twist”, uma das principais reclamações dos fãs é quanto aos filmes de Thor. A primeira aventura cinematográfica dos deus do trovão foi dirigida por ninguém menos do que Kenneth Branagh, certamente o mais “nobre” dos cineastas que já passaram pela Marvel, partindo do conceito da aproximação da história de conflitos da família real asgardiana com um drama shakespeariano (conceito, aliás, excelente). Não apenas o Odin de Anthony Hopkins e o sublime Loki de Tom Hiddleston conquistaram o público, como tivemos a excelente surpresa do “surfistinha” Chris Hemsworth mostrar-se um ótimo Thor, numa história que narrou muito bem a trajetória do protagonista de príncipe mimado a verdadeiro herói. Infelizmente, um orçamento muito limitado levou a um clímax decepcionante, para dizer o mínimo. O segundo filme, Thor: O Mundo Sombrio, costuma disputar com Homem de Ferro 3 o título de filme mais decepcionante da Marvel. Com boa história e bom potencial, o filme sucumbiu a uma direção medíocre, vilão esquecível e um humor terrivelmente bobo concentrado nos personagens na Terra que constantemente entrecortava a aventura e o drama dos personagens em Asgard, quebrando o ritmo do filme, algo que um montador mais talentoso seria capaz de corrigir sem maiores esforços. Não seria um grande filme, mas seria mais digno. 

 

Felizmente, os responsáveis por Homem de Ferro 3 e Thor 2 podem respirar aliviados, pois eles não estão mais sozinhos na inglória disputa pelo fundo do poço da MCU, pois eis que surge Thor: Ragnarok. O marketing do filme já dava conta de que a Marvel já havia decidido que Thor seria transformado de forma definitiva em personagem cômico. Como o estúdio cinematográfico da casa das ideias chega à conclusão de que um personagem como Thor e todo o universo ligado a ele deve se tornar a sua (mais uma!) sub-franquia cômica é um mistério que talvez nem o Vigia compreenda. Porém, um fã cheio de amor no coração e muita vontade de gostar do filme possa talvez ir ao cinema aceitando essa triste realidade e tirar o melhor possível da experiência. Bem, MUITO boa sorte com isso!

 

A primeira cena já dá o tom: um vilão bizarramente sinistro e extremamente ameaçador e um deus nórdico poderoso o suficiente para derrotá-lo... Mas o diretor Taika Waititi decidiu que nem eles, nem nada, nem ninguém dali em adiante seria levado a sério. Notem bem, não se trata de reivindicar a pseudo seriedade sisuda e vazia de Batman vs Superman, mas o mínimo de respeito pelos personagens que estão na tela. Thor, durante todo o filme, parece saído de um filme dos Trapalhões. Piadas simples e bobas como Thor tirando selfies e fazendo caretas com fãs na Terra são apropriadas ao filme e ao personagem. Thor esbarrando e derrubando absolutamente tudo e fazendo papel de idiota na presença do Doutor Estranho não é. E a pretexto de fazer humor com os clichês dos heróis, como as frases de impacto, as saídas ou entradas “heroicas”, Taika Waititi sente-se à vontade para criar um filme que não se leva a sério em praticamente nenhum nível. Um Hulk finalmente falando e interagindo é revigorante e um alívio num mar de mediocridade, mas Banner é tratado como um palhaço da mesma forma que Thor, ao ponto de uma escolha difícil de Banner (que poderia significar a presença definitiva de Hulk) se tornar mais um motivo de piada, fazendo pouco do sacrifício do herói. Nenhum momento potencialmente dramático ou emocionante foi poupado: foram TODOS destruídos.

 

Aliás, fazer pouco dos heróis é algo comum no filme. Personagens importantes e conhecidos dos filmes de Thor são descartados como se não fossem nada (e à propósito where the fuck is Lady Sif???????) e de forma desonrosa (apenas um tem direito a uma morte digna). Espreme-se piadas de qualquer situação, de forma tão maciça que o riso se recusa a vir até em algumas piadas que não são tão ruins, tamanha a overdose, e apenas poucos momentos são genuinamente engraçados. Fica absolutamente claro que esse é o objetivo do filme: ser uma paródia de si mesmo. 

 

Talvez o mais bizarro é que o roteiro tem todos os elementos para um ótimo filme. Os eventos em si são relevantes e formam uma boa história, ainda que não brilhante, mas digna, mesmo que simplifique de forma extrema as histórias originais de Ragnarok e Planeta Hulk, que formam a principal base. Fica claro que foi uma escolha da Marvel, sob a luz do imenso sucesso dos dois filmes dos Guardiões da Galáxia, apostar na onipresença do humor e do estilo colorido e retrô dos anos 80, mas não seria absurdo conjecturar que foi decisão do diretor levar esse humor a níveis extremos. A verdade é que Taika Waititi não é James Gunn, que é capaz de extrair drama e emoção em meio a um mar de piadas. Os Guardiões da Galáxia é um grupo de heróis apropriados para esse tipo de conceito, assim como o Homem Aranha é apropriado para um filme mais leve e adolescente. Assim como Zach Snyder, Waititi sofre de uma síndrome de pré adolescente, mas de natureza diversa. Se Snyder é o garoto de 12 anos que acha que sexo, violência e fotografia sombria é algo super adulto e profundo, Waititi é o moleque que se acha super cool por ser “o zoeiro”, fazer piada com tudo e não levar nada a sério, fazendo desse terceiro filme do Thor o filme mais completamente imaturo já feito pela Marvel.

 

Thor: Ragnarok erra até na música. À princípio, o trabalho do compositor Mark Mothersbaugh é muito bem concebido, inspirado tanto nas trilhas massivamente sinfônicas e melódicas dos anos 80 quanto nas trilhas eletrônicas da época, com forte influência de Danny Elfman mas com citações que vão de Basil Poledouris a Harold Feltemeyer, chegando ao ponto de citar o tema de Patrick Doyle para o primeiro filme de Thor. Infelizmente, o que acaba se destacando aos ouvidos do público são os trechos com sintetizadores (privilegiados na mixagem). Quem ouvir o CD da trilha sonora vai se deparar com uma belíssima suíte de 8 minutos que seria perfeita para os créditos finais, mas simplesmente não está no filme. Destaque também para a presença inexplicável e deslocada de Immigrant Song do Led Zeppelin (presente no primeiro trailer) que aparece em duas cenas. Segundo Kevin Fiedge, um dos principais motivos que o levaram a contratar Waititi para dirigir foi um clipe que ele montou usando essa música para mostrar o tom que ele queria para o filme. 

 

Se o filme tem algum mérito, este repousa no sangue que alguns membros do elenco tiram dessa pedra. Tom Hiddleston executa uma verdadeira alquimia ao tomar diversos diálogos e piadas toscas e adicionar sua inconfundível classe, transformando essa gororoba em falas dignas de Loki. Cate Blanchett é, em quase todas as cenas, poupada de diálogos e situações constrangedoras, podendo brilhar como um dos vilões potencialmente mais sensacionais de todos os filmes da Marvel, tristemente desperdiçada num filme desse calibre. Odin também foi poupado de maiores palhaçadas e sua breve participação dá o pouco de nobreza que o filme possui. A ex-valquiria de Tessa Thompson também se destaca e a natureza sisuda e badass da personagem acabou salvando-a de cenas mais constrangedoras.

 

Thor Ragnarok tinha tudo para ser um excelente filme: uma boa história, uma vilã sensacional, um ótimo elenco e a grandiosidade do universo cósmico da Marvel. Se a cotação final não é mais baixa, é devido a esses elementos. A única coisa que faltou foi um adulto na direção e um mínimo de noção da Marvel em perceber que o que funciona com os Guardiões da Galáxia não vai necessariamente funcionar com Thor. Principalmente se não existe o talento necessário no comando. Thor: Ragnarok vai testar a paciência e fidelidade do mais ardoroso marvete. Que venha Pantera Negra! Rápido, por favor.

 

THOR: RAGNAROK (EUA, 2017)

Com: Chris Hemsworth, Tom Hiddleston, Cate Blanchett, Idris Elba, Jeff Goldblum, Tessa Thompson, Karl Urban, Mark Ruffalo, Anthony Hopkins e Benedict Cumberbatch.

Direção: Taika Waititi

Roteiro: Eric Pearson, Craig Kyle e Christopher Yost

Fotografia: Javier Aguirresarobe             

Montagem: Zene Baker e Joel Negron

Música: Mark Mothersbaugh

COTAÇÃO: 


Um comentário:

Carlos Shokozug disse...

Putz... Tinha tudo pra ser um filmaço.
Ricky é cruel, Ricky não perdoa....