O grupo de super heróis X-Men possui uma posição muito especial no seleto panteão de heróis de quadrinhos que chegaram ao cinema. O gênero havia sido terrivelmente maltratado em experiências anteriores. De memorável, o Superman de Richard Donner em 1978 e sua continuação, que só não foi muito melhor por causa da troca de diretores. Depois disso, só em 1989 apareceu o Batman de Tim Burton e sua continuação em 91 que, se hoje parecem difíceis de levar a sério, foram na época um raro e importante passo na direção certa. Entre os dois mega heróis da DC, o excepcional Conan: O Bárbaro de John Milius em 1982, que teve uma horrenda continuação.
Quando um obscuro herói da Marvel se tornou um inesperado sucesso de bilheteria num filme de baixo orçamento em Blade, a Fox finalmente se interessou em tirar do papel o engavetado projeto de transformar X-Men em filme. O grupo já havia angariado toda uma geração de novos fãs não necessariamente leitores de quadrinhos, graças à excelente série animada produzida na década de 90. Assim, o aclamado diretor de Os Suspeitos, Brian Synger deu à luz a X-men (2000), assim como sua excepcional continuação, dando o pontapé inicial para que diversos estúdios trouxessem heróis para as telas. A própria Fox trouxe dois filmes do Quarteto Fantástico e um Demolidor. Sony veio com três do Homem Aranha e um Motoqueiro Fantasma, enquanto a Universal trouxe Hulk. A Warner resolveu finalmente fazer algo decente com Batman e colocou a franquia nas mãos do gênio Christopher Nolan e já tem na agulha um grande filme com o Lanterna Verde. A Marvel virou estúdio e já trouxe de volta Hulk para seu domínio, fez dois filmes do Homem de Ferro, um do Thor e já está para ser lançado Capitão América, com Os Vingadores chegando para reunir todos esses heróis.
Em suma: o que antes era um negócio arriscado e, na melhor das hipóteses, encarado como filme de criança, tornou-se não só um negócio milionário, mas também uma forma de cineastas consagrados contarem grandes histórias.
X-Men continuou sendo um grande negócio. Para o terceiro filme da série, Synger resolveu se afastar pra passar vergonha com Superman Returns, deixando o projeto nas mãos do amigo Brett Retner. Apesar do sucesso de bilheteria, o terceiro X-Men foi duramente criticado e, apesar de problemático e estabanado, é também um tanto subestimado. Não tão ruim, mas bem abaixo das expectativas, foi o X-Men Origins: Wolverine, filme que iniciaria uma série de produções contando as origens de diversos heróis mutantes.
“Mas pra que essa lenga lenga toda?”, pergunta você, já olhando pro relógio. Por dois motivos: um é para situar claramente a importância desses personagens hoje numa Hollywood que passou a ganhar (e, às vezes, perder) muito dinheiro com heróis de quadrinhos. Outro, é para especificar que, embora de qualidades bem oscilantes, os quatro filmes com os mutantes produzidos pela Fox mantinham uma cronologia própria sólida, mesmo que adaptassem de forma, por vezes, bastante livre os eventos e personagens dos quadrinhos (o que, no caso do extremamente complexo universo dos mutantes, é algo rigorosamente inevitável).
Antes que você tenha qualquer dúvida, X-Men: Primeira Classe é exatamente o que o nome diz: um filmaço de primeira categoria, completamente fiel ao espírito dos quadrinhos e à qualidade dos filmes anteriores, especificamente os dois primeiros. Dirigido por Matthew Vaughn, homem que já tinha em seu currículo a adaptação de Stardust de Neil Gaiman e Kick Ass (também sobre o universo de super heróis no mundo real), o filme foi originalmente concebido como X-Men Origins: Magneto. Assim como o de Wolverine, ele se restringiria às origens do personagem, mas acabou se desdobrando num projeto bem mais amplo. Agora ele traz as origens do relacionamento de Xavier e Magneto, muito bem interpretados por James McAvoy e Michael Fassbender, assim como a primeira formação dos jovens heróis mutantes que lutam por uma humanidade que os despreza. Tendo como pano de fundo a paranoica guerra fria, a história se passa no mesmo ano de 1963 em quando foi lançado o primeiro gibi do grupo. O roteiro é bastante competente ao misturar personagens criados em diversas épocas para compor esse primeiro panorama do mundo mutante cinematográfico, assim como a direção é em manter uma fascinante atmosfera de realismo, inclusive ao enfatizar a pouquíssima idade da maioria dos personagens, praticamente todos sem condições à priori de enfrentar os duríssimos e violentos fatos que se desenrolam. Falando nisso, Primeira Classe é um filme incrivelmente violento para sua classificação PG-13 (13 anos) recebida nos EUA, forçando ao limite máximo todas as restritas regras que regem o que faz cada filme para receber determinada classificação etária. Tendo Kick Ass no currículo, imagina-se o quanto o diretor Vaughn teve que se segurar.
O embate de filosofias entre Xavier e Magneto, já muito bem explorado nos filmes anteriores, ganha contornos ainda mais dramáticos e, até certo ponto, fica muito difícil não concordar com Magneto de que a raça humana não merece um pingo de piedade. O elenco é impecável, com destaque a um excelente Kevin Bacon com o todo poderoso Sebastian Shaw do Clube do Inferno e Jennifer Lawrence como a jovem Raven. A produção é impecável, proporcionando não apenas um filme emocionante, mas também uma diversão de altíssima qualidade.
PORÉÉÉÉÉM... o nerd raivoso dentro de nós não deixa de se incomodar com certos fatos, a começar pela própria produtora Lauren Shuler Donner declarando que o filme não era nem um prequel nem um reboot, mas um preboot. Tal neologismo a lá magri deixa clara a escolha feita pelos produtores e pelo diretor: fazer um filme baseado na franquia produzida pela Fox até o momento, mas sem necessariamente respeitar, ou sequer observar, fatos e personagens importantes que constam nesses filmes. Em outras palavras, “que se f...”!
Muita, mas MUITA coisa não se encaixa com os filmes anteriores, o que não seria nada absurdo se fosse um reboot assumido. Porém, o filme já começa com uma recriação quase literal da primeira cena do primeiro filme, onde o jovem Eric manifesta seus poderes num campo de concentração nazista (até a música de Michael Kamen feita para a cena foi reutilizada!). Ou seja, o filme já começa prometendo ser fortemente atrelado à cronologia anterior da franquia, o que se mostra uma mentira ao longo do filme. Analizando com cuidado, percebemos que a maior parte das incongruências se referem a X-Men 3 e Wolverine, filmes que não tiveram envolvimento do diretor Brian Synger. E adivinhem quem voltou como produtor em Primeira Classe??? Pois é, como produtor e co-autor do argumento, Synger parece defender que, se não foi ele que fez, então não aconteceu. Mas ainda existem problemas (ainda que de escala beeem menor) à luz dos dois primeiros X-Men, o que torna a situação mais problemática, pois sequer é possível simplesmente ignorar dois filmes (os dois mais fracos, sejamos francos) para termos uma continuidade coerente.
Além disso, parece bastante desnecessário transformar a geneticista escocesa Moira McTargget em uma americana agente da CIA. Sua função na história, que é ser uma das poucas humanas que fica do lado dos mutantes logo no início e ser fortemente ligada à Xavier, permanece preservada. Mas para mudar tão drasticamente sua atuação prática (nacionalidade e profissão) não seria melhor simplesmente inventar um novo personagem?
Outro grande desperdício foi a total ausência de investimento estético por parte do diretor Matthew Vaughn na ambientação de época. Fotografia, música, tudo no filme ignora que é uma história passada no início dos anos 60. Até direção de arte e figurino fazem apenas o estritamente necessário para a década em questão. É como se o diretor não quisesse que o público percebesse que estava vendo um filme passado há 50 anos.
Apesar dos problemas, muito mais evidentes para espectadores cri cri (como este articulista), o novo X-Men chega para trazer de volta a excelência aos filmes dos mutantes, deixando-os na elite do gênero, junto à nova franquia de Batman. Enquanto não se anuncia a continuação, junte-se aos dilemas de dois grandes amigos e escolha um lado, se for capaz.
2 comentários:
Falou bonito Ricky, grande crítica. Vi o filme e concordo plenamente com você, recomendo é muito bom, mas tem-se que ignorar muita coisa (embora na minha opinião a mais indigesta seja aquele Destructor pé no saco e sem pé nem cabeça).
Me lembro que um crítico comentou algo bem adequado sobre a película: te dá a sensação de que foi o primeiro filme de herói feito.
“...Synger parece defender que, se não foi ele que fez, então não aconteceu.” Kkkkkkkk, o pior é que não dá nem pra culpar o cara.
Parabéns novamente pela crítica.
Realmente, o figurino é da segunda metade dos anos sessenta. Uma ambientação fiél teria muito dos anos cinqüenta, especialmente nas mulheres.
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