quarta-feira, 26 de junho de 2013

Hulk; fúria pura, coração puro


Por Nanael Soubaim

À parte as asneiras que vez ou outra leio, quando acesso um fórum acreditando haver vida inteligente por lá, costumo analisar os heróis pasteurizados e utilizá-los como novos arquétipos, tanto para a magia quanto para a psicologia.

Um dos mais injustiçados é o Hulk.Mas  o que se fala dele, inclusive vindo de cientistas? Sim, cientistas falando bobagens: 500kg de carne malvada... Well, ou eu estou ficando muito velho muito antes do tempo, ou as academias realmente deixaram de ser formadoras de profissionais, para se tornarem apenas distribuidoras de operários diplomados.

Criação de Jack Kirb e Stan Lee, em 1962, o monstro foi criado quando o mundo começava a perder o optimismo do pós-guerra. A morte de Ritchie Valence em 1957 foi um despertador desagradável, para quem vivia o sonho da prosperidade dos anos cinqüenta. Era para ser apenas um anti herói que despertasse os hormônios juvenís, mas acabou ganhando maturidade e consistência muito rapidamente.

Dr. Robert Bruce Banner é um homem atormentado. Com o único intuito de ajudar as pessoas, ele acabou liberando uma força destrutiva muito além de sua imaginação. De então em diante, ele passa a se dedicar a encontrar a cura para o que acredita ser uma doença catastrófica. A morte da noiva só agravou muito a situação.

Bem, concordo em parte com o catastrófico, mas de modo algum é uma doença. Para quem não percebeu ainda, mesmo na série tosca e carismática dos anos setenta, as semelhanças entre Banner e Hulk são gigantescas, levando-se em consideração a extrema hipertrofia. Na verdade é bem mais do que seu alter-ego, como pretendiam seus criadores. É o próprio Banner em seu estado mais puro e, acreditem, inocente.

Recordem bem o que faz o médico se transformar no monstro: a ameaça. Se Robert Bruce Banner se sentir ameaçado e acuado, o estresse desencadeia uma reação bio-físico-química que transforma seu corpo mediano, em algo que nenhuma bomba no mundo é capaz de fazer por vocês, não importa o quanto malhem.

Cessada a causa da ameaça, e já em local seguro, Hulk se acalma e começa a regredir para Banner. Aonde vai toda aquela carne, eu não sei, perguntem ao Stan Lee. O certo é que o monstro não vai atrás de vingança, em princípio não persegue sua vítima até estraçalhá-la, enfim, se limita a eliminar o que o ameaça. Nada além disso.

Bem, amigos lupinos, bruxas, magos, lobisomens, vampiros e criaturas em geral, nós conhecemos esta história. A mentempsicose não é novidade para nós, embora nem todos tenhamos presenciado uma. Posso dizer que ele é algo como um elemental em um corpo humano, que se liberta quando sua encarnação ordinária não pode se safar. Um elemental, lembremos das aulinhas da titia Eddie, não tem senso de bom e mau, ele é como uma criança e simplesmente satisfaz uma necessidade imediata.


O facto de negar o monstro, como vive chamando, o impede de se conhecer. É como alguém que se nega a aceitar que é capaz de fazer mal a alguém, e assim evita o espelho, para não correr o risco de se encarar em um momento de raiva. Com isso a fúria do Hulk cumpre apenas parte de suas funções, já que a inconsciência impede Banner de aprender com ela. Por exemplo, ele aprenderia in loco o que é usar a força apenas na medida no necessário, quando necessário e somente onde se faz necessário.

Tentar subjugar os instintos de auto preservação, como os quadrinhos ensaiaram fazer por um curto período, é desastroso, porque em uma emergência eles sabem o qua fazer muito melhor do que o raciocínio de nossa parca lógica humana. Se um cão raivoso ameaça, o que fazer? Dialogar com ele? Discutir as implicações sócio políticas da agressão? Não seria lógico.

O grito "Hulk esmaga" serve como os ritos dos animais selvagens, que avisam para o invasor ou agressor cair fora, porque vai se arrepender. E com o Hulk o arrependimento é certo.

Certamente por ser um pacifista típico dos anos sessenta, que acreditava em ser banana para ser pacifista, Banner se sente culpado por possuir uma arma de destruição em massa que não pode destruir, tampouco controlar. E aqui temos outra mazela da humanidade, que trava muitas chances de progresso, a culpa. Hulk não desce o sarrafo por maldade, ele não planeja esquartejar Jack o Acorrentado, só pelo prazer de chamá-lo de Jack o Despedaçado. Ele simplesmente se defende. E como não existe um juiz de ringue avisando quando o oponente está fora de combate, ele surra o agressor até ter certeza de que não vai mais incomodá-lo.

Isso é maldade? Lembrem-se de que o Hulk, mais de uma vez, salvou pessoas próximas que estavam sob a mesma ameaça, mesmo que fossem estranhas. Aliás, a empatia que desperta nas crianças assusta os adultos mais do que ele mesmo, ela é uma prova de que não se trata de uma criatura má. Como as crianças bem amadas, Hulk é uma criatura de coração puro.

Ele não odeia, simplesmente age por impulso. Os psicólogos e psiquiatras chamam seu comportamento de fúria insana. Em humanos "normais" seria fúria insana, já que a intenção deliberada é destruir mesmo. Nele, a única intenção é restaurar a paz que foi perturbada, como um touro de uma tonelada que investe tudo contra um invasor. No Hulk, a fúria não é insana, é pura. Aliás, vale lembrar também que ele fica mais forte quanto mais irritado, e sendo pura, sua fúria não tem limites. E como nós sabemos que nem tudo se resume a hormônios, sabemos também que um impulso puro e sem conceitos, só pode partir de quem tem o coração puro.

Por ser puro, provavelmente o, chamemos de elemental Hulk, se sente incomodado com a rejeição de sua parte humana. Deixando de lado os delírios puerís de desenhistas e roteiristas ídem, prestem atenção ao olhar o gigante esmeraldino, quando não está em plena peleja. Eu aprendi a reconhecer estados de espírito e posso assegurar, ele tem olhar amargurado. É como um filho que faz tudo o que pode para agradar seus pais, e mesmo assim é rejeitado por eles.

Vocês podem imaginar o que é isso? Lido há décadas, com grande freqüência, com pessoas que sofreram ou ainda sofrem rejeição familiar, estão normalmente a um passo do suicídio. Entretanto, como a força de vontade de Banner/Hulk é demasiadamente grande, o que suas histórias sérias deixam patente ao bom  entendedor, ele suporta o sofrimento. O olhar dele é de dor cordial.

Aqui, sem querer ofender, podemos comparar Hulk ao cão de Odisseu, que se recusou a morrer antes de rever seu dono. Vocês sabem, lobos, o quanto o amor de um cão é puro. Agora imaginem se Odisseu o tivesse chutado, em vez de acolhido. É provavelmente assim que Hulk se sente, em relação ao seu lado Banner.

Às vezes me parece que ele não grita, mas chora, e que fica mais forte e furioso enquanto chora. Jack o Acorrentado, por agir por inveja e ódio, seria estraçalhado rapidamente se encontrasse Banner pela frente, porque sua covardia apareceria assim que sua clava fosse destroçada pela mão do Hulk, que não agiria só para eliminar a ameaça, mas também compadecido pelo choro das almas presas. Sabem a expressão "ira dos anjos"? Pois ela é real, mas nada tem a ver com nossas motivações mesquinhas. É a mesma que fortalece e move Hulk.

Como todos os heróis clássicos, ele há muito deixou de depender da Marvel para existir. Tem consistência, motivações e lições próprias para passar ao leitor atento. Não há como eliminar isso sem transformá-lo em um chuchu estressado gigante. Em se respeitando o personagem, ele chega a ser quase tão denso e amargurado quanto Batman. Infelizmente o mercado fácil dos garotões (que xingam quem fala bem dos ninjas, chamando-os de assassinos cruéis sem jamais terem conhecido um, mas se borram de medo de um pivetinho com um caco de vidro na mão) seduz muito o departamento de marketing de uma editora.

Quanto à bela, mas pouco consistente She Hulk, ela é mais um alívio cômico para encantar as meninas e atiças os meninos, sempre deixou a desejar como irmã do Hulk... Espero por uma história que a faça me convencer.

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