domingo, 23 de julho de 2023

BARBIE vai acabar com a civilização ocidental!

por Eddie Van Feu





Dentre tantas pessoas falando do fenômeno do filme Barbie, ouso vir falar também. Mas eu assisti, então também me atreverei a comentar o filme, irritando uma galera que odiou, clareando a visão de quem ainda não viu e fazendo marketing de graça pra Mattel.

O sucesso de Barbie e Oppenheimer tem sido um fenômeno nunca antes visto. Um alavancou o outro, sem terem a menor relação. E de repente, o mundo inteiro resolveu voltar aos cinemas, abandonados desde a pandemia, em ondas de rosa. E muita gente está espantada com isso. Outros estão furiosos. Impossível falar do filme sem falar um pouco sobre esse fenômeno.

Depois de anos tenebrosos, Barbie conseguiu fazer algo incrível. Um marketing que agregou as pessoas em uma única festa. Bastava ter uma peça de roupa rosa para fazer parte e ir ao cinema mais próximo de você. Sessões a 5,00 foram oferecidas em promoções especiais, enquanto novos horários foram abertos. Me espantei ao sair do cinema às dez e meia da noite e ter gente para entrar. Até a praça de alimentação ainda estava movimentada, embora com boa parte dos locais já estivessem fechados (mas tinha coisa aberta). Isso significava que aquela galera com pipoca esperando pra entrar só ia sair dali uma hora da madruga! E depois descobri que as sessões estavam começando às onze da manhã! É muita gente querendo ver um filme sobre uma boneca!



Não, as pessoas não querem necessariamente ver um filme sobre uma boneca. Elas estão sendo capturadas pelo desejo de fazer parte de alguma coisa. E elas estão certíssimas. Depois de tanta solidão, de tanto desamor, de tanta perda, de tanta tensão, quem não quiser fazer parte de uma festa cor de rosa já está morto por dentro, lamento. Neste momento, Barbie não é um filme. É uma experiência. Uma experiência coletiva onde quem era reconhecido na mesma vibe recebia sorrisos e gentilezas, como recebi quando estava ainda passeando pelo shopping sozinha.

Agora, vamos ao filme. Não, não é um filme para crianças, a menos que sejam crianças muito espertas. Por isso que a indicação do filme é para 12 anos. Qualquer um que reclame disso não sabe ler, e deveria se poupar do mico. Barbie é uma comédia, um musical, e tem camadas, o que é muito mais do que eu esperava. Saí, depois de algumas lágrimas, chocada com o que vi. Chocada de uma maneira boa.

Numa sinopse sem spoiler, a boneca Barbie, que vive com outras Barbies e outros Kens (e o Allan) na Barbielândia, começa a ter pensamentos estranhos e comportamentos humanos. A única forma de resolver a situação é numa viagem ao mundo real, onde ela descobre algumas verdades desconfortáveis. Ao descobrir que duas de suas bonecas (Ken vai junto porque é apaixonado por ela) estão à solta por aí, os executivos da Mattel e o FBI (ou a CIA, não lembro) se esforçam para colocar a boneca de volta na caixa.



Claro que a aventura é muito mais rica para quem brincou de Barbie. Eu nunca tive uma Barbie. Tive umas Susies de segunda mão, e uma Susie Ciclista novinha na caixa, meu orgulho na época! Ao casar, ganhei da minha mãe uma Susie Noiva, que tenho até hoje. Mas Barbie nunca me atraiu, porque vivia sorrindo, e eu brincava de coisas dramáticas e de terror (é, eu sempre fui meio Vandinha), que não combinavam com aquele sorriso congelado. Quem brincou com a Barbie vai se deleitar. Mas quem nunca brincou, como eu, também vai se divertir muito.

Lembra que eu falei das camadas? Pois então. As camadas vão muito além das Barbies e provavelmente nem todo mundo vai conseguir pegar. Mas acredito que muita gente vai pescar do que se trata. Temos a visão do mundo ideal, vendido pelo faz de conta, e o contraponto do mundo real que ataca essa visão perfeita, ao mesmo tempo em que mostra que se a missão da Barbie era tornar as mulheres tão poderosas que poderiam se sentir seguras no mundo, bom, ela falhou retumbantemente. Ao mesmo tempo, acompanhamos o Ken, dependente emocional de Barbie, em uma jornada de autodescoberta que pode ter sido hilária pra maioria, mas com certeza feriu terrivelmente os egos dos homens que se identificaram e não aceitam nenhum tipo de evolução, seja da Barbie, seja do Ken. Mesmo que estivesse patente que o Ken estava sofrendo no novo papel que ele escolheu exercer.





O filme nos lembra do poder da cor rosa. Note que em nenhum momento a Barbie parte para a violência. Em nenhum momento um problema é resolvido com tiro, porrada e bomba. Também não é um romance. Em nenhum momento Barbie tem interesse amoroso em ninguém. Isso é muito revolucionário! Não é à toa que o filme está sendo tão atacado por quem rejeita essa mudança.





E quem não se sentir tocado pelo discurso de Gloria (America Ferrera) está muito, muito distraído com coisas menos importantes. Cada palavra foi como um soco no peito. Não é à toa que conseguiu despertar Barbies mergulhadas em papéis nos quais estavam infelizes.

O filme foi acusado de feminista, hard fem, anti-homem e contra os valores cristãos. Então, vamos lá. A Barbie foi criada para dar às meninas uma plataforma de imaginação onde elas poderiam ser mais do que mães. Isso não quer dizer que quem brincar com uma Barbie não vai querer ser mãe. E que se um menino vir a cor rosa vai imediatamente virar gay. Isso é maluquice!!! O filme não é anti-homem, porque os homens são tratados de maneira que até nos condoemos com o sofrimento deles. E a conclusão está longe de ser anti-homem. Os homens e mulheres que realmente acreditaram nisso precisam rever urgentemente a forma como vêem seus relacionamentos e seus papeis no mundo.




E por fim, depois que eu vi o filme saí realmente surpresa com a obra de arte. Sim, o filme é lindo, é inteligente, bem humorado e sensível. Me dei ao trabalho de comentar em alguns posts de pessoas que conheço e que reclamavam do filme sem ter visto. Em uma dessas postagens, a pessoa acusava Barbie de ser uma criação de homens para homens, com intenções sexuais, quando não foi bem o caso. Por mais que a boneca tenha usado como modelo uma outra boneca alemã (Lilly), inspirada numa tira erótica de jornal, essa nunca foi a intenção da Barbie, como fica claro para qualquer um que... esteja no planeta há mais de 20 anos. E, mesmo que fosse, as coisas mudam. Ninguém deixou de usar o fusca, só porque ele foi criado a partir de um pedido de Hitler. Se formos procurar origens, todo mundo vai encontrar um antepassado que causa vergonha na sua árvore genealógica.

Eu fui ver Barbie esperando apenas uma comédia despretensiosa e me deparei com uma ameaça ao mundo ocidental conhecido, ao patriarcado e ao mundo dos crentes. Fiquei surpresa. Mas respirei aliviada. Que bom. Já estava na hora mesmo!

Essas Barbies não vão voltar pra caixa. Lide com isso.


 
PS1: Ninguém reclamou do filme sobre a criação de uma bomba que destruiu duas cidades e pode destruir o mundo.

PS2: Nunca vi tanta gente com medo de uma boneca desde Anabelle...

PS3: Aguarde uma crítica mais técnica do Ricky Nobre, que eu aguardo ansiosamente também.


3 comentários:

Paula M disse...

Eddie amada me parte o coração saber que fostes sozinha nessa experiência, mas eu quero te agradecer por ter o feito, de rosa e com direito a make e fotos. O melhor professor é aquele que ensina no exemplo. ❤️ E tu nos ensina um bocado com essa coragem e ousadia dignas de mulher maravilha que consegue uma brecha na sua rotina de mãe/empresária/bruxa/professora/humana para ir correndo ver o filme (e diga-se de passagem bela e impecavelmente montada. Tua crítica está maravilhosa, voltou todo o sentimento da experiência do filme que foi única e muito importante. Eu me senti uma criança ontem. Quando eu era criança ir ao cinema com os amigos era de uma satisfação imensa, me enchia de alegria. Depois de "grande" essas coisas vão perdendo o poder, a gente vai ficando mais blasé, mas a Barbie resgatou isso e não foi só comigo não. A cidade estava em festa. Pessoas de todas as idades se revezando para tirar fotos. Confraternizando, celebrando e COMPARTILHANDO. Um filme importante pra todo mundo, inclusive Kens e Allans que foram muito bem representados, mas especial para nós, seres femininos. Obrigada @Eddie Van Feu por tirar tantas bruxas barbies da sua caixa de plástico, inclusive eu. Que a gente possa seguir construindo um mundo mais harmônico, com mais igualdade e mais noites das garotas ❤️ Abraços cor-de-rosa com glitter. 💖💖💖

Thais disse...

Euuu amei o filme e seu texto, obg por cpt conosco 😉❤️

Anônimo disse...

Adorri sua crítica. O filme é ótimo e me surpreendeu positivamente. Roteiro, figurino, paleta de cores e interpretações perfeitas. Fiquei um pouco decepcionados com a apresentação da realidade caricata, pois esperava um contraponto, um mundo invertido, oposto da Barbieland. Mas o resultado provavelmente teria sido outro é provavelmente não conseguiria atrair tantas pessoas como o filme vem fazendo.